Entre a Procuradoria e a política, o perfil do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Marco Vinicius Pereira de Carvalho informou que encerrará os trabalhos para as vítimas da ditadura dois meses antes de anunciar candidatura à Prefeitura de Taió

Foto: Reprodução Redes

Jornal GGN – Não é somente polêmicas judiciais que envolvem o histórico do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Marco Vinicius Pereira de Carvalho. Filho de militar e um currículo de escalas entre a Procuradoria de uma pequena cidade de Santa Catarina, Taió, e aspirações políticas, dois meses depois de informar que deve encerrar os trabalhos da identificação de corpos das vítimas da ditadura militar com um relatório “conciliatório” a ser entregue a Bolsonaro na metade deste ano, o procurador anunciou seu desejo de se candidatar à Prefeitura da pequena cidade catarinense no pleito 2020.

O GGN preparou um perfil de Marco Vinicius de Carvalho, que em sua última ação, decidiu representar contra sua antecessora na Comissão, Eugênia Gonzaga, considerando que a procuradora da República cometeu “desmandos” nas investigações dos desaparecidos e ao emitir certidões de óbito a familiares dos mortos na ditadura (1964-1985).

Procurador com aspirações políticas

Marco Vinicius Pereira de Carvalho é casado, pai de duas filhas e advogado. Filho de militar, estudou em colégio militar, filiou-se ao então partido de Jair Bolsonaro, o PSL, há dois anos, e a mudança ao Republicanos, sigla da ministra Damares Alves, para disputar eleições à Prefeitura de Taió deste ano. Para a disputa, confidenciou contar com o apoio do presidente: “Tenho vontade, coragem e apoio incondicional do Presidente Jair Bolsonaro”.

Seu currículo é inexpressivo. Criado no Rio, mudou-se com a família para Brasilia. Lá, trabalhou no Supremo Tribunal Federal, nos gabinetes de Francisco Rezek e Celso de Mello, como assistente datilógrafo. Pode ter contribuído o fato de seu pai ter sido transferido para Brasilia para trabalhar no gabinete do Ministério da Marinha.

Depois da passagem pelo STF, ainda assumiu o cargo de técnico de Gestão Pública da Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal, passando pela Corregedoria Fazendária entre 1998 e 2007.

Depois, resolveu fazer carreira em Taió, no Vale do Itajaí, cidade de 18 mil habitantes. Iniciou a graduação em Direito na Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí, UNIDAVI, no Rio do Sul, cidade de 71 mil habitantes, no centro do Estado, e a pouco mais de 50km de Taió.

No ano seguinte chegou a disputar uma cadeira política de vereador na cidade, pelo então PMDB.

As aspirações políticas foram temporariamente suspensas e, em 2012, conseguiu passar em concurso público do Executivo de Taió, em cargo de provimento efetivo, como procurador do Município, no qual relata ter conquistado o primeiro lugar na vaga. Não se sabe o número de candidatos, em um município com apenas 18 mil habitantes,

Um ano depois, concluiu uma pós-graduação em direito processual civil pela Universidade do Alto Vale do Itajaí, e iniciou um curso de Direito Público pela Fundação Universidade Regional de Blumenau, passando a ser professor da mesma Universidade que se graduou, nas disciplinas de Direito das Coisas, Direito Tributário e Direito Constitucional, em 2014, enquanto atuava como procurador do município.

Em maio do ano passado, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, enviou um pedido ao Executivo de Taió para que o procurador fosse cedido à União.

Antes de assumir o cargo, já filiado ao PSL de Santa Catarina desde março de 2018, tentou uma vaga de suplente ao Senado, ao lado do então candidato Lucas Esmeraldino (PSL-SC), mas foi derrotado nas eleições.

Em agosto, ele foi nomeado membro suplente no Comitê Nacional de Proteção e Combate à Tortura e, em seguida, à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, ocupando o cargo comissionado de Assessor Especial da ministra Damares Alves.

Neste ano, voltará a tentar uma vaga eleitoral, desta vez como prefeito de Taió, Santa Catarina, pelo partido de Damares, o Republicanos (leia aqui).

O fim anunciado da Comissão de Mortos e Desaparecidos

Em entrevista ao jornal catarinense NSC Total ainda no ano passado, Carvalho contou como chegou ao posto, dizendo que já conhecia a ministra Damares Alves “há muitos anos” e que compartilha com ela “identidade de pensamento em várias pautas”, acrescentando que a escolha, segundo ele, ocorreu “provavelmente pela minha formação jurídica e atividade acadêmica”.

A antecessora de Carvalho, a procuradora Eugênia Gonzaga, foi exonerada juntamente com outros três dos 7 integrantes da Comissão no ano passado. Ao comentar sobre as exonerações (leia aqui), Gonzaga havia afirmado que, assim como a Comissão da Anistia, estava “nítido” que a CEMDP passaria “por medidas que visam frustrar os objetivos para os quais foi instituída”. “Trata-se de uma declaração infeliz e leviana, pois a antiga presidente não tem a menor condição de prever o que será feito daqui para frente”, havia respondido Carvalho.

Mas nesta quinta (05), o atual presidente entrou com uma representação (leia abaixo) à Corregedoria Nacional do Ministério Público (CNMP) contra a procuradora, alegando “desmandos” pelas investigações e as certidões de óbitos retificadas entregues a familiares de mortos na ditadura (1964-1985).

Para Carvalho, reconhecer a morte naquelas circunstâncias “é por demais temerário” e que os documentos entregues pela Comissão permitiriam que os familiares solicitassem indenizações na Comissão de Anistia. O novo presidente da Comissão também questionou a abertura de investigações sem partir de pedidos dos familiares.

Há 8 meses, no entanto, a declaração do atual presidente da Comissão contradizia a reação atual: “Lamento essa declaração dela [de Eugênia Gonzaga, sobre a exoneração de membros da CEMDP], pois não a conheço e nem conheço o seu trabalho para criticá-la, no entanto, asseguro que atuaremos de forma a dar efetividade aos trabalhos e tentar abreviar o sofrimento das famílias que esperam por respostas há décadas.”

A repórter do jornal catarinense questionou se ele, como presidente do órgão, teria o interesse em descobrir mortos e desaparecidos da ditadura. Marco Vinicius Carvalho evadiu a resposta e afirmou somente que casos relacionados ao período vinham sendo tratados “de forma apaixonada e com muita parcialidade”. “O grande problema é que esse tema da Justiça de Transição sempre foi trabalhado de forma apaixonada e com muita parcialidade. Isso não cabe em uma estrutura de Estado”, havia apontado (leia aqui).

Consultando também a sua posição sobre a Lei da Anistia, que perdoou os crimes cometidos pelos militares e repressores da ditadura, Camargo mostrou que estava a favor e que “a anistia aos militares tem que ser entendida dentro de um ambiente negocial”, disse, completando que a Lei “permitiu avanços na pacificação social”.

O tom de “conciliação” da ditadura do regime militar, outorgado com a Lei da Anistia, voltou a ser defendido pelo presidente do órgão em janeiro deste ano. Desta vez, em novo anúncio, Camargo trouxe essa interpretação para dentro do funcionamento da própria Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Em entrevista à Deutsche Welle Brasil, anunciou que a Comissão entregaria até a metade deste ano um “relatório final” para o presidente Jair Bolsonaro, encerrando os trabalhos de reconhecimento e localização de corpos das vítimas da ditadura militar. “A gente tem que tratar esse tema como uma questão de reconciliação do país com os seus próprios cidadãos e com a própria história. E não dá para ficar eternamente batendo nessa mesma tecla”, disse ao jornal.

E adiantou a intenção que se materializaria dois meses depois, de “eliminar impropriedades”, como a emissão dos atestados de óbito (acesse a entrevista aqui).

As denúncias

Em 2018, o Ministério Público de Santa Catarina pediu o afastamento de Carvalho por improbidade administrativo, acusado de vazar a minuta de um edital de concurso público da cidade de Taió, adiantando a concorrência para a sua esposa e para a cunhada.

A ação civil pública foi proposta em outubro de 2018, enquanto Carvalho estava licenciado do cargo de procurador de Taió para se candidatar à vaga de suplente no Senado. Ele teria divulgado, sem autorização, o edital para preencher 40 vagas na Prefeitura da cidade, pedindo para o que presidente da comissão do concurso lhe enviasse o documento por email, para ser repassado à esposa.

O MPSC ainda pediu alterações no edital do concurso. “Sob a desculpa de fazer uma ‘boa ação’ para a prefeitura, trabalhando mesmo licenciado, (…) pretendia era favorecer sua esposa, Fabiana Koch de Carvalho, que é farmacêutica, possui estabelecimento deste ramo no município de Taió e pretendia participar do certame”, informou a denúncia.

Os investigadores pediram o afastamento do procurador e o pagamento de indenização por reparação de dano moral coletivo. A ação, que estava em fase inicial de contestação no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), foi arquivada quando ele foi nomeado por Damares Alves, no ano passado. Marco nega a irregularidade e afirma que a promotora da cidade “inventou” a acusação com “motivações políticas”.

Mas essa não é a única ação civil pública contra ele. Outra, de 2015, questiona outra licitação da Prefeitura de Taió, em 2012, em que o procurador teria atuado como parecerista e pregoeiro no concurso suspeito de ter sido direcionado a uma empresa, devido às exigências do certame. Ele também nega irregularidades nessa ação.

O currículo de Marco Vinicius Pereira de Carvalho nos arquivos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos:

CurrculoMMFDHMarcoViniciusPereiradeCarvalho003

 

A denúncia do MPSC arquivada sobre concurso na Prefeitura de Taió:

acao-181107141005

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. outro lobo a cuidar do galinheiro: mas, santa catarina é o país da direita, direita e direitona; por aqui o kayser mandou, manda e desmanda em quem quer que seja; a tal nsc total (era a rbs, teria sido vendida pra alguém, voltou para a rbs com outro nome, mas, continua atuando de comum acordo – até nas vírgulas – como rbs; aliás, recebo telefonemas da rbs-rs vendendo assinaturas do diário catarinense, dito da nsc) é a porta-voz da direita mais empedernida de sc (veja-se suas manchetes e seus colunistas). então nada a acrescentar sobre esses coisos vicejarem pelo estado que, sabem as antas, ainda apresenta coisos muito piores. E os cadáveres produzidos pelos miliquentos ditatoriais continuarão ignorados pela história oficial…

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