Entrevista – Não basta só o setor ambiental fazer sua parte

Nassif, importante.

“As Nações Unidas nomearam em 20 de janeiro um brasileiro para assumir a Secretaria da Convenção sobre Diversidade Biológica. O paulista Bráulio Ferreira de Souza Dias, de 58 anos, até então ocupava o cargo de  secretário nacional de biodiversidade e florestas no Ministério do Meio Ambiente (MMA).”

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“Não basta só o setor ambiental fazer sua parte”, destaca Bráulio Dias
Postado em Economia e Política em 07/02/2012 às 13h40
por Murilo Gitel, da Redação EcoD
 

 
Bráulio Dias assume seu cargo junto à ONU no dia 15 de fevereiro/Foto: Renato Araújo/ ABr

As Nações Unidas nomearam em 20 de janeiro um brasileiro para assumir a Secretaria da Convenção sobre Diversidade Biológica. O paulista Bráulio Ferreira de Souza Dias, de 58 anos, até então ocupava o cargo de  secretário nacional de biodiversidade e florestas no Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília (UnB) e PhD em Zoologia pela Universidade de Edimburgo (Escócia), Bráulio Dias tem uma larga experiência na formulação de políticas públicas para a área de biodiversidade. Ele também atuou como parte do ministério no Comitê Intergovernamental de Negociação da Convenção sobre Diversidade Biológica. 

Antes de deixar o MMA para assumir seu cargo junto à ONU, a partir do dia 15 de fevereiro, em Montreal (Canadá), Bráulio Dias concedeu uma entrevista exclusiva ao EcoD, por telefone, na qual adiantou quais serão suas principais metas à frente desse novo desafio.

EcoD: Como foi que o senhor ficou sabendo da nomeação junto à ONU?

Bráulio Dias: Soube por intermédio do Itamaraty, que recebeu a notícia do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Posteriormente, houve o anúncio oficial por meio do porta-voz do secretário-geral. Antes disso, houve uma abertura de vagas para este cargo em novembro de 2011 para que os interessados se inscrevessem. Aí eu recebi o apoio de vários colegas e resolvi me inscrever. Houve duas rodadas de entrevistas e eu acabei ganhando o posto, que vou assumir dia 15 deste mês, em Montreal (Canadá).

EcoD: Há pouco tempo, a ONU nomeou José Graziano como diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação). Agora, o senhor assume na Convenção sobre Diversidade Biológica. Trata-se de um reconhecimento ao momento positivo do Brasil na concepção do mundo?

Bráulio Dias: O Brasil hoje é muito mais respeitado pelos outros países. Há um reconhecimento de que o país está fazendo um trabalho sério, embora ainda esteja faltando muitas questões para melhorar.

EcoD: O senhor terá de deixar o cargo no Ministério do Meio Ambiente. Então, de certa forma, a ministra Izabella Teixeira acaba sem um de seus secretários de confiança. É por aí?

Bráulio Dias: (Risos). É mesmo. Mas a ministra Izabella Teixeira me apoiou muito nessa candidatura, pois considera que abre espaço para o Brasil. Estão reconhecendo que o Brasil leva a sério a agenda ambiental. Abre mais espaço para o país nessa agenda internacional. Ela está muito contente com essa possibilidade. Por outro lado, cria esse vácuo e outro secretário será indicado ao ministério para dar continuidade ao trabalho. Já estamos vendo isso.

EcoD: Como o senhor vê a situação do Brasil e restante do mundo, atualmente, em relação à biodiversidade?

Bráulio Dias: Um país como o Brasil, que ainda tem dois terços de seu território cobertos por vegetação nativa (metade do país coberto por florestas), tem que ser entendido como um ativo ambiental importante, que deve ser usado com juízo para gerar benefícios à sociedade como um todo, em vez de ficar dilapidando rapidamente, de forma predatória e sem responsabilidade.

Os estudos dão conta de que, se as devidas providências não forem adotadas, um terço das espécies estará extinto nas próximas décadas. Isso em razão da conjugação das mudanças climáticas, que estão gerando climas extremos, completamente diferentes dos habituais para as espécies, com o processo de degradação do meio ambiente que já vem sendo registrado há séculos, como desmatamento, desertificação, queimadas, poluição, entre outros. Isso somado ao fato de que a população continua crescendo, então, vai precisar de mais energia, água, roupas. A alta da demanda e o consequente consumo acabam pressionando demais a biodiversidade.

EcoD: O cenário é pouco otimista, portanto?

Bráulio Dias: Existem algumas espécies que os ecólogos têm chamado de “mortos-vivos”. Elas ainda não se extinguiram, mas já estão praticamente condenadas a extinção, porque sobraram poucos indivíduos, que estão isolados, não têm muitas chances de reprodução, seus habitats estão degradados, portanto, mantido o cenário atual, há esses riscos muito grandes.

O terceiro relatório do Panorama Global da Biodiversidade (GBO3), lançado pela Convenção sobre Diversidade Biológica ano passado, mostra que até agora não temos conseguido reverter esse processo. Em Nagoya nós aprovamos um plano ambicioso, de 20 metas globais para serem atingidas até 2020, mas é incerto que iremos atingi-las. Nós precisamos fazer uma mobilização muito forte em todos os setores da sociedade.

“Não basta só o setor ambiental de cada país fazer sua parte, porque as questões referentes à biodiversidade perpassam todos os setores: agricultura, energia, transportes, área urbana, que precisam se engajar nessa agenda positiva de redução das pressões e utilização sustentável dos recursos da biodiversidade” – Bráulio Dias.

EcoD: A ratificação do Protocolo de Nagoya é a sua principal prioridade ao assumir o cargo na Convenção da ONU?

Bráulio Dias: É uma de minhas principais prioridades ao assumir em Montreal. Continuar apoiando e capacitando os países para que o processo de ratificação avance o mais rápido possível. Mais de 90 governos de países já assinaram o compromisso de ratificar, mas a ratificação depende dos Congressos Nacionais de cada país – é um processo mais demorado. São necessárias 50 ratificações para que o protocolo vire lei.

EcoD: A burocratização dos parlamentos de cada país pode ser um grande entrave?

Bráulio Dias: Sim, mas trabalhamos para evitar essa possibilidade. O Protocolo de Nagoya demorou muito tempo para ser negociado (quase uma década). Estamos nos esforçando para que ele não demore a ser ratificado. O secretariado já está apoiando os países nesse processo. Esperamos que para a COP-11, que será em outubro, na Índia, tenhamos um número bastante significativo de ratificações. Apesar da complexidade, porque depende de cada país, projetamos fechar este processo até 2013.

EcoD: Quais são suas demais metas?

Bráulio Dias: Fazer todo um trabalho de mobilização de recursos financeiros, de apoio aos países, para a implementação dos compromissos firmados em Nagoya. Não adianta definir metas e estabelecer programas de trabalho se não são dadas condições. Esse é um grande desafio, uma vez que o mundo ainda vive uma crise financeira. Temos que ser criativos e atuar em diferentes direções. Não é só conseguir ampliação de aporte de recursos orçamentários de cada governo, mas fazer uso mais inteligente do que já temos. Podemos reformar instrumentos de incentivos econômicos. Aqui no Brasil nós temos o exemplo do ICMS Ecológico. Não foram criados novos impostos. Foi decidido priorizar os municípios com mais área verde para receberem os repasses dos Estados. Esses recursos causam grande impacto para os municípios.

A adoção de compras públicas sustentáveis é outra meta. No mundo inteiro, os governos (federal, estadual e municipal) são responsáveis por entre 1/4 e 1/3 das aquisições. Mas essas compras, geralmente, deixam de estabelecer critérios sustentáveis junto aos fornecedores. Tem países desenvolvidos que já tem postura diferente. O Brasil tem algumas iniciativas. A Caixa Econômica Federal, por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”, por exemplo, só compra madeira de origem certificada.

O terceiro eixo que eu gostaria de ressaltar é a questão da transversalidade da biodiversidade em relação aos outros setores. Cada setor precisa fazer sua parte.

EcoD: O senhor foi nomeado a poucos meses da Rio+20. Existe o objetivo de apresentar algum estudo sobre a biodiversidade durante a cúpula?

Bráulio Dias: Estamos discutindo isso ainda. É possível. A Rio+20 vai representar 20 anos do início da Convenção sobre Diversidade Biológica, que foi adotada na Rio-92.

Redação

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