“Espero que a mídia pare de assassinar a história brasileira”, diz Hildegard Angel

Jornalista conta ao Cai na Roda, programa tocado pelas mulheres da redação do GGN, sua luta pelo reconhecimento da história de sua família

Jornalista Hildegard Angel em entrevista ao Cai na Roda. | Imagem: Reprodução/TV GGN

Jornal GGN – O negacionismo diante do obscurantismo da ditadura militar perdurou por mais de 40 anos na vida da jornalista Hildegard Angel, tempo que lutou para que a Justiça pudesse reconhecer o Estado como responsável pelo assassinato de sua mãe, a estilista Zuzu Angel. Ela conta ao Cai na Roda, programa tocado pelas mulheres da redação do GGN, exibido no Youtube, a luta pelo reconhecimento da história de sua família.

A família de Hildegard foi mais uma na mira da violência dos militares nos anos de chumbo. Desde que o militante Stuart Angel foi preso pelo regime, Zuzu se dedicou na busca do filho e, também, passou a ser perseguida. 

Stuart foi dirigente do grupo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e preso por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa) em maio de 1971, na região da Vila Isabel, no Rio de Janeiro. 

Em 1976, Zuzu denunciou o desaparecimento do filho ao então senador Edward Kennedy e entregou relatos sobre a prisão de Stuart ao então Secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger. Logo em seguida, a estilista morreu após seu carro capotar na saída do Túnel Dois Irmãos, também no Rio. Na época, o caso foi tratado como um acidente de “causas desconhecidas”. 

Hildegard, então, lutou para que a história de sua mãe fosse contada de forma verdadeira. “Nós entramos com o processo buscando esse reconhecimento, foi um trabalho muito árduo”, comenta a jornalista ao GGN. “O Brasil inteiro sabia que a Zuzu Angel tinha sido assassinada, mas a gente precisou fazer isso [recorrer à Justiça e a mídia]”, desabafa.

Só em 1998 que a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, após Hildegard ir até a TV denunciar o assassinato e um advogado paraibano relembrar que presenciou o acidente e escrever um artigo sobre sua memória, decidiu ouvir novas testemunhas e concluir que a estilista foi vítima de um atentado.

“Eu falei nas câmeras das televisões que me procuraram, havia um grande interesse da mídia a esse respeito, muito maior do que é agora, mas havia e ainda há, e a repercussão incomodou muito os membros da Comissão [de Mortos e Desaparecidos]. Com essa minha apresentação na televisão, uma pessoa da Paraíba escreveu num jornal que sabia como que Zuzu angel morreu, era um antigo estudante da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica). Junto com um jornalista também da Paraíba, ambos estudavam [juntos na época] e moravam no único prédio que havia em São Conrado [no Rio de Janeiro]. Eles estavam tomando sua ‘cervejinha’ de madrugada na varanda, quando ouviram o barulho, o estrondo de um carro e correram pra olhar o que tinha acontecido e viram o carro da mamãe [Zuzu Angel] e o carro da patrulha. Eles correram, eles calcularam que, em três minutos, estavam no local. Em três minutos já estavam no local o carro da imprensa nacional, o rabecão (que era o único rabecão de todo o estado do Rio de Janeiro) e havia agentes policiais no local”. 

“Posteriomente nós descobrimos uma foto de um agente do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] que teria sido o articulador daquela emboscada e assim essa história pode ser recontada e os membros da Comissão me procuraram… e então trabalharam sigilosamente, sem me dizer, e foram feitas entrevistas na Paraíba com essas pessoas, refizeram toda a parte pericial, comparando o laudo policial da morte dela, as fotos do automóvel e tudo concordava. Todos os elementos acordavam que o acidente havia sido efetivamente provocado e eles reconheceram o assassinato”. 

No entanto, somente em 2019, Hildegard por meio de um mandado judicial pode emitir as certidões de óbito reparadas da mãe e do irmão. E, mesmo com todas as evidências, a grande mídia exitou em contar a verdade história de Zuzu Angel.

Posteriormente a isso [o reconhecimento do assassinato pelo Estado] nunca, qualquer órgão da imprensa dizia que a Zuzu Angel tinha sido assassinada, diziam que ela morreu por causas desconhecidas, em um acidente de causas desconhecidas”, explica.  

Para Hildegard, a imprensa não se convenciam porque existia um “medo atávico, um ranço de medo de desafiar as autoridades e mais, um ranço de medo de processos”. Mas sua esperança é que a história de sua mãe não seja mais omitida. “Eu espero que os veículos parem de assassinar a história brasileira e permitam que a Zuzu Angel tenha sido assassinada”, diz.

Assista a entrevista na íntegra 

Leia também:

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Redação

3 Comentários

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  1. “…O gigante Pepe Mujica…” Que exemplo para pretensos Progressistas Socialistas Tupiniquins que tentam de qualquer forma e qualquer pretexto, se apegar ao Poder pelo Poder, como carrapatos, como parasitas que não desapegam do hospedeiro. Uma lição a ser aprendida dentro da sua própria casa, entre os seus.

  2. Sinceramente, JÁ DEU essa conversa de ficar torceeendo, suplicaaando pra imprensa deixar de ser o que é, uma descarada máquina de propaganda política e ideológica.

    São décadas e décadas malhando em ferro frio, e o pessoal nao se manca!?

    Caramba! Isso já passou do ponto da teimosia, da tacanhice; eu aposto que os donos da comunicação e os seus sabujos dão risadas todas as vezes que ouvem esse mimimi.

  3. Hildegard, eu imagino que tão cedo isso não irá acontecer por um fato indiscutível: a imprensa que poderia ter o profissionalismo, a retidão, a isenção, a imparcialidade, a transparência e a coragem de ser imprensa, já morreu faz tempo. Acredito que só uma renovação purificada e totalmente descontaminada da servidão e submissão ao capital poderá, em um tempo futuro, voltar a fazer uma boa parte do que a verdadeira imprensa já foi um dia.

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