Estudo analisa coleta da Capital Ecológica

Programa de coleta seletiva conquista adesão popular, mas por não contemplar acordo de cooperação com catadores de material reciclável, gera disputa entre trabalhadores e poder público.

Curitiba foi a primeira cidade brasileira a implantar um sistema público de coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos, em 1989, quando lançou o programa “Lixo que não é lixo”. A ação lhe rendeu o título de “Capital Ecológica” do país, em 1990, concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Mas o projeto curitibano não garante sustentabilidade social, é o que afirma a professora da Faculdade de Direito OPET, e também da Universidade Positivo, Andrea Martins, ligada ao Instituto Lixo e Cidadania, organização civil que reuni 24 arranjos coletivos de catadores de materiais recicláveis em Curitiba e ligada ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).

“Com o Programa ‘Lixo que não é Lixo’ houve adesão por parte da população para a separação na fonte dos materiais recicláveis, mas não houve a inserção dos catadores de materiais recicláveis”, destaca em estudo que fez sobre a busca de proteção desse trabalhador com base nas experiências do Instituto Lixo e Cidadania, em 2007.

No programa, o poder público realiza a coleta do material previamente separado pelo munícipe, encaminha os resíduos para o Instituto Pró-Cidadania de Curitiba, usina de triagem onde os materiais são divididos conforme suas características. A comercialização é gerenciada pela Fundação de Ação Social, organização não governamental, responsável por reverter os recursos financeiros em ações sociais.

Segundo Martins, existe disputa entre os catadores de materiais recicláveis e o poder público, pois o sistema de coleta é realizado pela própria prefeitura sem acordo de cooperação com os demais trabalhadores.

A indústria da reciclagem é um mercado atraente. Dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (ABRALATAS) mostram que em 2006 o setor faturou mais de R$ 3 bilhões. Já o segmento que recicla papel e papelão movimentou R$ 23,1 bilhões, colocando o Brasil em nono lugar no ranking dos países recicladores, naquele mesmo ano.

A assessoria de Meio Ambiente do município reconhece que o programa “Lixo não é Lixo” não realiza trabalhos vinculados aos trabalhadores de materiais recicláveis. Em especial, porque quando a ação foi criada – no final da década de 1980 – não existia esse tipo de organização na sociedade.

Atualmente, não há expectativa quanto à inclusão de associações ou cooperativas no sistema municipal de coleta de materiais recicláveis. Mas a prefeitura estimula o desenvolvimento da classe de forma desvinculada ao “Lixo não é Lixo”, por meio do EcoCidadão, nome dado ao programa que resultou na instalação de cinco parques de reciclagem, mantidos pela governo de Curitiba, em parceria com a Aliança Empreendedora, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

Ainda, segundo a assessoria de comunicação, atualmente 152 famílias são beneficiadas pela ação. Cada parque de reciclagem é equipado com prensa, balança, empilhadeira e bancadas de separação de materiais.

O projeto incentiva cursos de capacitação, gerenciados pela Oscip. No primeiro semestre de 2009, foram comercializados 700 mil quilos de materiais recebidos nos parques. Hoje, o EcoCidadão é acompanhado por um Comitê Gestor com participação do Ministério Público do Trabalho, por meio do Fórum Estadual Lixo e Cidadania, e do Movimento MNCR. O objetivo do governo local é finalizar mais 4 novos sistemas até o final de 2010.

Em entrevista, a pesquisadora Martins reconhece o desempenho do poder público em apoiar os catadores. Entretanto o programa de governo planeja construir um total de 25 Parques de Reciclagem em 5 anos, com projeções de atender ao final cerca de 2.500 catadores de materiais. E levantamentos realizados por organizações civis apontam para um total de 40 mil trabalhadores vivendo da coleta de materiais recicláveis na região metropolitana do Paraná.

“O programa ‘Lixo que não é Lixo’ poderia ser inclusivo se fosse gerido juntamente com os catadores. A população em si também precisa mudar a visão que tem sobre esses trabalhadores”, completa.

A professora conta que é comum observar a população separar o lixo para o caminhão municipal recolher, por entender que esta é a melhor via para garantir o ciclo de reciclagem. O material recolhido pela prefeitura é, por sua vez, encaminhado aos Parques de Reciclagem. Mas esse sistema não tem sido eficiente, pois durante o trajeto parte significativa dos resíduos acabam sendo inviabilizados para o reaproveitamento.

Em 2000, o Programa ‘Lixo que não é Lixo’ coletava 71 toneladas de material reciclável por dia, enquanto que os catadores, o montante de 375 toneladas/dia. A pesquisadora ressalta que o poder público, em especial o Ministério Público do Trabalho, vem atuando fortemente na inclusão dos catadores.

“A procuradoria da 9º Região de Curitiba está notificando os grandes geradores [supermercados e indústrias] a fazerem acordos para doarem às cooperativas e associações de catadores seus materiais recicláveis. O que contribui para gerar renda e inclusão social”, conta.

Martins destaca ainda duas ações que cooperam fortemente para melhorar a relação entre poder público e catadores de recicláveis:

– Em 2006, o presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 5940, que institui a separação dos resíduos recicláveis pelos órgãos públicos federais. O material deve ser doado a grupos organizados de catadores.

“Essa proposta tem funcionado bem. E as instituições públicas têm procurado as associações fornecendo material já limpo e separado. O que tem contribuído para evitar o catador na rua com seu carrinho”, completa.

– A segunda ação parte do governo do estado do Paraná, mas ainda está sendo implementada. O decreto estudado tem os mesmos moldes da proposta federal, e obrigará as instituições públicas paranaenses a separar e encaminhar o lixo reciclável às associações organizadas.

Cooperação favorece trabalhadores

Dados do Instituto Lixo e Cidadania revelam a forte exclusão e risco a que esses trabalhadores estão expostos. Na associação de catadores de Paranaguá (Paraná), localizada no entorno do Lixão de Embocuí, 50% dos menores que trabalham são filhos de catadores de materiais recicláveis. A erradicação do trabalho infantil está entre os objetivos do instituto, que também destaca a organização da classe como principal iniciativa para melhorar a qualidade de vida e renda dos trabalhadores.

Características dos catadores de material apoiados pelo Instituto:
– 56% da atividade é realizada por mulheres;
– 82% possuem documento de identidade e CPF;
– 54% estão na atividade de 0 a 4 anos, 20% estão entre 5 a 9 anos, 26% disseram trabalhar há mais de 10 anos coletando materiais recicláveis.

A pesquisa de Andrea Martins apontou que para 78% dos entrevistados o ingresso em cooperativas ou associações resultou na melhora dos seus rendimentos. Na análise da pesquisadora, isso ocorre porque em arranjos coletivos o trabalhador passa a comercializar o material diretamente com as empresas recicladoras. A ação cooperativista também garante aumento do volume de recicláveis, melhora na separação de materiais, vantagens na aquisição e utilização de equipamentos como prensas e balanças.

“O catador de materiais recicláveis não demonstra o interesse em manter uma relação de trabalho subordinada, a liberdade de trabalho é um valor presente para a maioria desses trabalhadores”, coloca. A grande maioria ingressa na profissão para sobreviver, mas à medida que se incorpora na atividade dentro de grupos de apoio passa a não querer voltar mais as relações subordinadas.

Para acessar o trabalho na íntegra, clique aqui.

Redação

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