Eu, ombudsman.

Quem vigia o vigilante, quem é ombudsman do ombudsman?

A coluna da ombudsman da Folha de São Paulo da edição de primeiro de novembro de 2015 suscitou-me essa dúvida.

Nela, a ombudsman critica o jornal por ter sido “bonzinho” com o filho de Lula. Reclama com relação à “revelação de que Luis Cláudio Lula da Silva mora de graça em um apartamento da família de Roberto Teixeira, amigo polêmico de longa data do ex-presidente. A notícia saiu no alto da “Primeira Página”, em tamanho discreto”.

Teria faltado destaque, o alto da página cortando-a de lado a lado, em letras garrafais, caixa alta, e mais uma foto do edifício, por certo, satisfaria a ombudsman.

Mas vejamos, “Luis Cláudio Lula da Silva mora de graça em um apartamento da família de Roberto Teixeira, amigo polêmico de longa data do ex-presidente”.

Não.

Cara ombudsman, Luis Claudio mora em um apartamento cedido pelo seu padrinho de batismo, Roberto Teixeira. Essa relação contraparental faz toda a diferença entre uma meia verdade e uma mentira inteira.

E, em nome da clareza que deve permear o texto jornalístico, que vem a ser um “amigo polêmico”?

Por exemplo, Ronaldo Caiado, Aécio Neves e Marta Suplicy, seus colegas do senadinho da Folha e Reinaldo Azevedo, do canil, podem ser facilmente classificados de polêmicos. Sendo eles seus amigos, creio eu, poderia chamá-los de “amigos polêmicos da ombudsman”? Se assim o fizesse, isso seria considerado como um demérito seu, deles, de ambos ou simplesmente não seria demérito algum? O que o adjunto adnominal “polêmico” acrescentou à sua frase citando o amigo de Lula? Suspeição.

É papel de um jornalista levantar suspeições? E de uma ombudsman, seria?

Poderíamos alegar que há suspeições em relação a Roberto Teixeira que não foram criadas pela ombudsman. Mas em relação a Aécio Neves também as há. Aécio é funcionário da Folha, suponho eu, isso torna o jornal suspeito?

Imagino que, para um jornalista, suspeições, sejam em relação a quem for, sejam em relação a Lula ou a Aécio, são assuntos que devem ser investigados, matéria prima do jornalismo, antes de serem publicados ou descartados. Mas investigadas antes, sempre.

Segue a ombudsman: “A notícia ganha mais força diante do contexto: Luis Cláudio está sendo investigado por ter recebido R$ 2,4 milhões de um escritório acusado de fazer lobby pró-montadoras…”.

Se me permite, caríssima, Luis Cláudio está sendo investigado porque é filho de Lula. Esse é o contexto.

Acreditar que algum grupo de interesse compraria benefícios do Poder Executivo através de uma Medida Provisória é desconhecer como há anos se dá essa compra de benefícios. Uma Medida Provisória vinda do Executivo é pública, sujeita ao escrutínio da imprensa e à aprovação da Câmara e do Senado para que possa surtir seus efeitos.

“Jabuti” é outra coisa. Um discreto e pouco chamativo parágrafo, mas interesseiro e interessado, enfiado por um parlamentar em um texto de uma medida provisória. Lá colocado para ser aprovado sem que ninguém se dê por ele. Se quisessem comprar facilidades, seria mais fácil falar com Eduardo Cunha que com Gilberto Carvalho. E isso não deveria ser estranho para uma jornalista que deve ter conhecimento dos cargos, do caráter e dos métodos de ambos.

Outra coisa que deveria também chamar a atenção é que a Medida Provisória que deu origem à investigação é de 2009 e a empresa de Luis Claudio foi fundada em 2011, pelo que sei. Fosse o patrocínio recebido pelo filho de Lula um suborno, seria o primeiro caso de suborno com prazo de carência para pagamento.

Mas ainda assim, por improvável que seja, deu ensejo a que Luis Claudio recebesse visitas policiais na calada da noite. Durante a ditadura, tais visitas eram bem comuns. Deram até mote para uma canção de Chico Buarque de Holanda carregada de ironia.

“Acorda, amor, eu tive um pesadelo agora. Sonhei que tinha gente lá fora, batendo no portão, que aflição. Era a dura, numa muito escura viatura. Minha nossa santa criatura. Chame, chame, chame lá. Chame, chame o ladrão, chame o ladrão”.

Lembra se dela? Temos a mesma idade, eu me lembro.

E são justamente as similaridades entre o momento atual e a Ditadura de 64 que deveriam levar a ombudsman a alertar a Folha sobre a necessidade de comedimento para não ter, num futuro próximo, que admitir novamente um erro.

Há, contudo, uma diferença que percebo, é que a Ditadura de 64 censurava a imprensa para que tais visitas não fossem noticiadas. Hoje, a mesma polícia procura os jornais para que as divulguem. A Ditadura era mais pudica, digamos assim.

Minha cara ombudsman, como você classificaria a seguinte oração: “…o imóvel foi comprado de uma offshore das Bahamas, cujo procurador é marido de uma empresária de transporte público em São Bernardo – berço de Lula e do PT”?

Vejamos, cita um procurador que é marido de uma empresária que mora na mesma cidade que Lula. Eu chamo de nada, ou de piada. Seria a mesma coisa que citar o marido da empregada do vizinho de Lula. Ou seja, botou Lula no meio, está limpo. Limpo está, mas ilações depõem contra a credibilidade de qualquer veículo.

Ainda em relação às moradias, chego a imaginar que a ombudsman crê que a família Lula da Silva sofra de algum desvio hereditário de caráter: “O próprio Lula morou durante anos em uma casa do mesmo Roberto Teixeira….

Foi na década de 80, se não me engano. Lembro bem das insinuações preconceituosas assacadas contra Lula, que, na época, não era mais que um dirigente sindical que havia fundado um partido de trabalhadores. Falavam também de uma mansão no Morumbi. E Collor, na campanha eleitoral de 90, “acusou” Lula de ter um aparelho de som melhor do que o dele. Risível, hoje.

Pois bem, esse sindicalista tornou-se presidente da República, por dois mandatos. Está sendo submentido a maior devassa de que tenho notícia que um ser humano tenha sido submentido no Brasil, e tudo que a ombudsman tem para lembrar é que 30 anos atrás ele morou de favor na casa do seu compadre. A falta do que mais dizer deveria ser um atestado de idoneidade a ambos, mas não é assim que parece pensar a ombudsman da Folha. Quanto preconceito.

Por que o preconceito?

Fernando Henrique Cardoso durante anos usufruiu de um apartamento, não em São Bernardo do Campo, mas em Paris, emprestado por um sócio, rico fazendeiro de Minas Gerais. Apartamento que era tão dele que a sua propriedade chegou a confundir o mestre Janio de Freitas. O próprio FHC demorou 12 anos para reconhecer que não era o proprietário e, quando o fez, acusou Lula. Coerente.

Não me lembro de a Folha ter considerado tal empréstimo como uma falha de caráter do ex-presidente FHC ou de ter colocado sua honestidade em questão. Muito menos em manchetes. E olhe lá, aliás, que em relação a FHC, há uma série de questões relacionadas a fazendas que poderiam ser investigadas. Fica como sugestão de pauta. Inclusive, uma tal fazenda em Osasco-SP que parece tão absurda quanto a ficha falsa de Dilma. Osasco é uma cidade industrial sem zona rural.

Por fim, citando, pasme, um caso em que a Folha teria sido instrumentalizada pelo PT, a ombudsman responsabiliza as “reformas” pelas quais o jornal tem passado e lamenta: “é esse papel analítico o que mais perdeu espaço no “jornal enxuto”. Os leitores ficamos sem piloto”. 

Temo, cara, que os leitores tenhamos ficado sem ombudsman também.  E para que não pareça uma crítica ad hominem, isso já de há muito.

 

PS.: para outras impertinências, visite a Oficina de Concertos Gerais e Poesia.

Redação

3 Comentários

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  1. Ruído e Invasão

    Sergio,

    há algumas semanas, coloquei no meu Blog um pequeno desabafo em relação aos abusos que temos presenciado; à falta de respeito pela individualidade que grassa em nosso convívio, especialmente nas redes. Especificamente, convivência entre os diferentes e como é importante perceber e respeitar o espaço individual, os limites de atuação de cada um, mesmo quando em interação. Bottom line, que a interação não é salvo conduto para o abuso.

    https://jornalggn.com.br/blog/anna-dutra/livre-pensar-e-so-pensar-iii

    Este exemplo trazido por você é ainda mais grave, porque remete não somente a um incomôdo, mas a consequências nefastas para o indivíduo em sua honra – ilações caluniosas, depreciativas – e, inclusive, em sua convivência familiar. Pública e de alcance exponencialmente mais abrangente, transita, se locomove por outras mídias e acaba por cristalizar-se no pensamento de muitas pessoas. Em famílias em que há pessoas muito jovens, o desastre é completo; a percepção da inconformidade se amplifica e sentimentos de revolta e inadequação se instalam. Um desastre. Infelizmente em tempos de incentivo à delação – premiada ou não – uma prática que tem inculcado em nossos jovens a ideia de que “entregar o outro” é bom para nos salvar a pele…  Sobre delação já estou “rouca” de dizer o que penso: fábrica de alcaguetes e preguiçosos.

    Em relação à atuação da Folha, aqui exposta, nada justifica tamanha invasão.  E o paralelo com os tempos sombrios – fiquei com a nítida impressão de ter sido uma experiência bastante real para você – reforça a importância de estarmos atentos a esta onda fascista que a imprensa, de novo ela, tem, com omissões e com ações diretas intencionais, fomentado.

    Espero não sermos todos engolidos – mais uma vez – por esta sombra.

    Te desejo um bom feriado.

    1. Como um fim de caso.

      A coluna do ombudsman, por anos, foi uma das minhas preferidas. Assisti à polêmicas históricas como a entre Paulo Francis e Caio Túlio Costa. Era também uma aula de jornalismo. Mas isso até Mário Magalhães, 2008. De lá para cá, a coluna e mesmo a função vem sendo desidratada, ou liofilizada, sei lá. Suzana Singer, no lugar de criticar o jornal pela ótica do leitor, não raro criticava o leitor pela ótica do jornal. E Vera Guimarães Martins parece que ainda não desencarnou do posto de secretária da redação.

      Quanto às comunicações com o ombudsman, desisti. Já de tempos têm recebido a mesma resposta que recebem as cartas extraviadas.

      1. Para obter algo diferente …

        Os cenários mudam Sergio. Vivemos – e só assim sobrevivemos – em contínua adaptação. Onde há aridez, buscamos um pouco de vapor, de brisa.  Quando há abundância, não damos valor, desprezamos, nos ressentimos até do que temos e não sabermos o que fazer… Natural.  Você, um homem feito, maduro, firme, sabe que não há vácuos e que não há paralisia. O tubarão, se deixar de nadar, morre. O pedalar só acontece no desequilíbrio.  A vida prossegue assim.

        A manutenção do posto de Onbudsman, e seus viés de atuação, creio, seguem o mesmo critério. Eliminar o posto não resolve. O que resolve é dar ao posto a atenção e a valorização que merece. É daí que surge o bom trabalho, é daí que emana o tesão para fazer o que é preciso e construir uma trajetória. Mas se faltou às ocupantes da posição este estímulo e elas apresentaram um desempenho sofrível, talvez seja a hora da Folha repensar a maneira como trata seus funcionários e de estimulá-los para que sejam o que se espera deles.

        A saída mais fácil e menos trabalhosa sempre é desistir, claro!!  Mas as perdas são sempre lamentáveis e nem sempre reparáveis.

        Pelo teu comentário, me pareceu que você está bastante familiarizado com as pessoas e que as conhecendo pode, generosamente, contactá-las e expor a elas suas impressões. Nos processos de melhoria contínua – corporativos e pessoais – este é o caminho: a comunicação. Você já olhou sua caixa de entrada hoje?  Quem sabe no feriado você tenha recebido várias mensagens em resposta aos teus questionamentos e nem tenha percebido que, há, sim, um desejo genuíno de te dar a satisfação que você tem buscado.

        Fica a dica.

        Belíssimo poema o teu de hoje. Inesquecível. Obrigada por nos trazer, aqui, o teu melhor.

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