EXCLUSIVO: Como vacina contra Covid-19 no Brasil foi parar no mercado internacional de capital de risco

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Depoimento de hoje terá que esclarecer documentos obtidos pelo GGN, que revelam empresa atravessadora e, na última ponta, uma de capital aberto de investimentos de risco

Jornal GGN – A primeira pergunta que a CPI da Covid deve fazer a Cristiano Carvalho é como a Davati Medical Supply, uma empresa sem registro no Brasil, com sede no Texas, Estados Unidos, pode atuar como atravessadora na venda de vacinas em nome de laboratórios estrangeiros?

O GGN fez uma ampla investigação sobre a origem dessa empresa que se apresentou como potencial revendedora do imunizante AstraZeneca, que articulou junto a membros do governo de Jair Bolsonaro, participando de reuniões e negociações para essa venda, acusando inclusive o pedido de propina pelo ex-diretor de Logística do governo, Roberto Ferreira Dias.

Atravessadores são empresas ou agentes comercializadores que intermediam a venda de determinado produto ou serviço, mas, para isso, precisa comprovar a capacidade jurídica e sua regularidade fiscal. No Brasil, a Davati não possui CNPJ, atuando em nome dela pessoas que se dizem vendedores autônomos, como o cabo da Polícia Militar, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, ou representantes, neste caso Cristiano Carvalho.

Na reportagem “Registros da Davati são controversos e já teve certificado negado“, mostramos uma série de polêmicas envolvendo os documentos da empresa que se diz habilitada para vender vacinas no Brasil. Com destaque, o fato de a Davati Medical Supply já ter sido desacreditada por uma agência internacional que verifica a confiança de empresas, o BBB (Better Business Bureau).

O principal questionamento na revisão da agência era o fato de a Davati informar datas de operação e criação controversos. Em sua apresentação oficial, a empresa informava que “operava em seu setor por mais de 22 anos e que tinha uma parceria com um fabricante farmacêutico de longa data estabelecido em 1961”.

Entretanto, havia registros que constavam a criação da empresa em 2013.

O GGN aprofundou essa busca diretamente junto à Controladoria de Contas Públicas do Texas e ao Secretário do Estado do Texas e obteve os documentos oficiais de seu registro.

Nos registros da Secretaria de Estado do Texas, a Davati Supply aparece como “ativa”, com data original de registro desde 15 de junho de 2020, não consta nomes de pessoas associadas à empresa e tampouco de outras empresas. Solicitamos, então, um pedido do certificado de formação da companhia, assinado naquela data.

Nele, consta que a empresa “é uma sociedade de responsabilidade limitada”, formada pelo empresário Herman Cardenas, com sede na cidade de Round Rock, no Texas, e administrada por gerentes e não empresas. Ou seja, não consta que a Davati Medical Supply forma parte de um grupo econômico.

Não consta no certificado de criação da empresa a atividade ligada a insumos médicos, como se definia a Davati Medical Supply. Apresenta como “o propósito de criação” dessa companhia funções completamente generalizadas: “para a transação de qualquer negócio legal pelo qual companhias de responsabilidade limitada podem operar de acordo com o Código de Organização de Negócios do Texas.”

Como “declarante” testemunha da confiabilidade da operação da empresa, aparece o nome de Sharon Cardenas, um provável familiar do sócio.

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Junto à Controladoria, o GGN solicitou uma cópia do Relatório que a empresa Davati Medical Supply é obrigada a entregar ao Texas, por meio do seu número de contribuinte.

Ao GGN, o agente da Controladoria de Contas Públicas do Texas, Kevin Lyons, respondeu que a empresa “inciou sua franquia em 15/06/2020”. E que o primeiro relatório anual deveria ser entregue até o dia 15 de junho deste ano, mas que até hoje “eles ainda não apresentaram esse relatório”.

Constatamos, ainda, que o endereço nos registros da Davati Medical Supply é o mesmo de funcionamento da Davati Group:

Buscamos, então, os documentos do grupo Davati.

Ao contrário da Davati Medical Supply, a Davati Group enviou o seu Relatório de Impostos ao estado do Texas, somente uma vez, no ano de 2018, constando informações rasas e muitos espaços em branco:

No certificado de criação, a empresa consta como criada no dia 4 de agosto de 2017. E o agente de registro não é Cardenas, mas uma empresa, a Capital City Ventures LLC, uma investidora de capital de risco, criada em março de 2015.

A City Capital Ventures iniciou seus negócios investindo em empresas pequenas e em estágio inicial de criação, ampliando seus negócios, chegando a comprar participação de grandes redes, como as franquias de restaurantes Burger King, Pizza Hut e outras.

A empresa de capital de risco assumiu o controle da Davati Group no dia 4 de dezembro de 2018.

E apesar de não figurar nenhuma pessoa física nos dados de registro, o certificado de formação da Davati Group traz o nome do empresário Adam Clark, ao lado da Capital City Venures.

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. O GGN merece mais do que ninguém o nome de “Jornal” com JOTA maiúsculo, Parabéns GGN por mais essa reportagem investigativa. O Brasil terá muito a agradecer a seus profissionais.

  2. O Sen Humberto Costa acredita que a Davati iria usar a carta de intenção de compra das vacinas fornecida pelo Ministério da Saude, como garantia para pegar empréstimo. Mas provavelmente não iria fechar a venda. Ele diz que isso é um tipo de golpe comum desse tipo de empresa. Ou seja, a Davati queria dar outro tipo de golpe.
    Mas pode ser que eles quisessem fazer venda mesmo, com o superfaturamento de 1 dólar por dose, mas alguma coisa deu errado, e eles resolveram delatar.

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