Existe um quê sobre o 02 de Fevereiro e ele não é todo positivo, por Mariana Nassif

Existe um quê sobre o 02 de Fevereiro e ele não é todo positivo

por Mariana Nassif

Antes de mais nada, preciso contar uma coisa pra vocês: Iemanjá é preta. Essa santa que ilustra 99% das imagens da Rainha do Mar é fruto do embranquecimento colonizador que insiste em catequisar nossos orixás para que caibam nas preces dos preconceituosos. Li num post no Instagram alguém responder que “Iemanjá também é branca, ela não tem predileção por raça ou credo” e discordo com veemência – Iemanjá não faz distinção de cor, como não o faz orixá algum, visto que filho é filho e fim, mas ela é preta sim, como bem são todos os santos do candomblé.

Acho relevante e, mais que isso, importante defender e manter a negritude original das nações de terreiro pelo simples fato de assim ser. A mania colonial de branquear as coisas, os objetos, as histórias e os símbolos sagrados de força negra é o que descaracteriza e compromete as raízes e fundamentos, essenciais à manutenção da religião afro-brasileira. Sim, o famoso jeitinho brasileiro já foi impregnado nas religiões de matriz africana e, então, é de bom tom respeitar o que ainda nos resta.

Daí que Iansã não pode, muito sensual, Oxum essa vaidosa e Exu, então, Deus me livre, só pode ser o diabo. Mas Iemanjá, essa moça branca com seu longo vestido azul, ah, ela pode. Ela deve, diga-se de passagem, especialmente para quem mora perto do mar. Faça-se um favor e se informe: apesar das qualidades maternais, de acolher, adotar, amparar, a mãe d´água é daquelas que, quando contrariada, ferida ou enganada, revolta-se com maestria. Vide os tsunamis, maremotos e os pequenos caldos que a vida te dá. Uhun, sem dúvida alguma são mensagens dela, Odoyá! Se o candomblé não vale, porque é muito diferente, preto, pretinho que só, Iemanjá você acha que vem de onde, meu bem? 

Ainda que a popularidade da data abra portas para que algumas – e especiais – pessoas corram atrás de informação, esse item fundamental pra mantermos as boas relações, acredito que o diálogo precise existir em cima de bases fundamentadas e, então, a verdade é essa: Iemanjá é orixá, e orixá é negro. Se você passa o restante do ano criticando as diferenças religiosas, pautando seu preconceito em frases como “tudo bem, eu até tenho amigos que são” e discorrendo por aí que a gente que vá fazer nossa macumba dentro do terreiro, por favor, tenha o mínimo de decência, visto que coerência é algo intangível em vida, vale pesquisar sobre isso também, pare de vestir a fantasia de ser espiritual e se oriente antes de ir pular ondinhas. Adupé!

Pra finalizar, um textinho ácido do jeito que eu bem gosto, tapa na cara dos hipócritas sociais, tá cheio por aqui e acolá:

MEDO DO CANDOMBLÉ?

“Professor, eu tenho medo dessas coisas de Candomblé!” – disse-me uma pessoa após a minha Palestra sobre Direito e Religião.

“Tens medo?” – indaguei, com espanto.

“Tenho sim…” – reafirmou a pessoa, mesmo depois da minha indagação e após duas horas de Palestra sobre Direitos Fundamentais, Pluralismo e Diversidade Religiosa e Estado Democrático…

Respondi, então, para encerrar aquela conversa:

“Não deves ter medo do Candomblé, querida! Que tu tenhas medo dos Bancos! E que tenhas medo dos capitães do mato! E que tenhas medo dos governos! E que tenhas medo daqueles que falam do amor e matam seres humanos, física e moralmente! E que tenhas medo do teu marido machista! E que tenhas medo do pastor que pede dízimos! E que tenhas medo dos versículos bíblicos vomitados sobre pessoas sem discernimento! E que tenhas medo da direita e da esquerda burras e do esgoto! E, finalmente, que tenhas medo dos teus próprios preconceitos!”

Abril, 2017
[© Pietro N-Dellova]

 

Mariana A. Nassif

3 Comentários

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  1. O que nos une

    Tanto politicamente quanto às divindades é nosso sistema de valores e como os praticamos concretamente. O resto é sectarismo oportunista, coisa de rent-seeker tentando faturar encima de diferenças religiosas ou étnicas.

  2. Calma filha

       Preconceito relativo as religiões sempre existiu, e continuará existindo, é tão humano quanto nossos orixás o são, o que lhe é desconhecido, alheio a suas crenças originais, representa um atavico perigo, e no caso do candomblé, independente de qual Nação, a visão externa soma preconceitos e cabe a nós compreende-los.

        A vida “no santo” , é assim mesmo, sempre foi.

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