Exposição Paul Klee, por Rosângela Vig

Mostra de arte reúne 120 obras do artista, cuidadosamente selecionadas no acervo do Zentrum Paul Klee, de Berna, Suíça, com o patrocínio da BB Seguros

Nele houve o insano projeto

De envelhecer sem rotina

E ele o viveu, despelando-se

De toda pele que o tinha

Sem medo, lavava as mãos

Do que até então vinha sendo:

De noite, saltava os muros,

Saía a novos serenos.

(MELO NETO, 1995, p. 549)

 

Certa vez a Arte fez um passeio pelo mundo das cores e das formas. Ambas se juntaram e nunca mais a História foi a mesma. A modernidade trouxe consigo esse passeio por novas paragens; uma frenética aventura sem rumo, sem fim, deslindando novas direções e despertando os sentidos. Pode ser que a Arte de então se aproximava da música, do campo das sensações, sobretudo da pureza do pensamento. Nascido na Suiça, Paul Klee está entre os grandes artistas dessa empreitada. Com sua arte, ele investigou esses campos e os explorou como ninguém. Por aqui, um grande poeta brasileiro fez uma Homenagem a Paul Klee e pode ser que esse grande pintor tenha mesmo saltado muros e ousado pelo mundo afora, curioso, em busca de uma Arte desvinculada da realidade e atrelada ao espírito.

Equilíbrio Instável é o nome da mostra da Arte de Klee, concebida especialmente para os Centros Culturais do Banco do Brasil, de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, entre fevereiro e novembro de 2019. Reunindo 120 obras do artista, cuidadosamente selecionadas no acervo do Zentrum Paul Klee, de Berna, Suiça, com o patrocínio da BB Seguros.

Nas obras da exposição é possível perceber o perfeito domínio que o artista tinha da cor, fruto de uma ligação com o Desenho que o acompanhava desde tenra idade. Entretanto a Pintura não foi a á única área em que Klee demonstrou destreza, seu talento ainda circulou pela Música e pela Poesia. Juntamente com Wassily Kandinsky (1866-1944), Paul Klee (1879-1940) também lecionou na Bauhaus1, famosa escola de Arte e de Arquitetura; e esteve ativamente envolvido com os principais grupos artísticos do período, na Europa. Chegou a ser perseguido, na Alemanha, devido às ligações com movimentos radicais, repudiados pelos nazistas. Seu estilo único passou por várias tendências, entre as quais o Expressionismo, o Cubismo e o Surrealismo.

A cor não era um problema para Klee e isso fica nítido, por exemplo, na obra Formato Largo (Fig.1). Ali, a distribuição dos tons claros e escuros permitiu a sensação de luz, de sombra e de profundidade, o que se acentua com o uso do preto. Em perfeito equilíbrio, os tons de rosa e de vermelho não são descomedidos; os azuis se alternam com os tons de verde. É possível perceber que todas as cores por ali estão em gradativa mudança, de claro para escuro, de um tom para outro, num contínuo e ritmado movimento.

E pode ser que as cores se ajustaram na obra de 1927 (Fig.2). A Harmonia da Flora Setentrional parece ter juntado flores coloridas em meio a folhas e a impressão final é a de um lindo jardim representado por meio de linhas, de geometria, tudo matemática e simetricamente ajustado em um pequeno canteiro, feito um delicado mosaico.

Numa aproximação com a realidade, Olho Vermelho (Fig.3) apresenta uma figura humana, com chapéu. O olhar é atraído para o centro da obra, um círculo vermelho que corresponde ao olho do personagem. Na obra também estão presentes as linhas retas, que aqui, se entrelaçam e circulam o próprio espaço da obra, como se a aproveitá-lo da melhor maneira.

Essas e outras obras de Klee podem ser visitadas no Centro Cultural do Banco do Brasil, de 13 de fevereiro a 29 de abril em São Paulo; de 15 de maio a 12 de agosto no CCBB do Rio de Janeiro; e de 28 de agosto a 18 de novembro, no CCBB de Belo Horizonte.

Pode ser que ao observar suas obras, o olhar seja seduzido pelas cores ou por sua mistura de formas e de linhas feito ladrilhos, vertendo cores um sobre o outro. A delicada simetria também inspirou João Cabral de Melo Neto (1937-1990) na poesia que inicia esse texto. E pode ser que nosso poeta explique de forma sucinta o que interpretou da obra de Klee. Não havia rotina em sua obra, mesclava técnicas e materiais; mesclava formas e cores. Sua pintura é fruto de um vôo por inesperados destinos. Para Kandinsky (1991, p.121), “a liberdade se expressa no esforço do espírito para libertar-se das formas que já cumpriram o seu papel – das formas antigas – e para criar a partir delas, formas novas, infinitamente diversas”. E a Arte Moderna foi conduzida a esse campo dominado pela liberdade do espírito. Explorar esses campos significa trafegar com o pensamento pela Arte Pura, livre, apartada do rigor da forma, mas acima de tudo próxima do campo das sensações. E o texto que se inicia com um poeta, termina com a grande poetisa brasileira. Vale a pena refletir.

 

Nas noites tempestuosas, sobretudo

Quando lá fora o vendaval estronda

E do pélago iroso a voz hedionda

Os céus respondem e estremece tudo;

 

Do alfarrábio, que esta alma ávida sonda,

Erguendo o olhar, exausto a tanto estudo

Vejo ante mim, pelo aposento mudo,

Passarem lentos, em morosa ronda,

 

Da lâmpada à inconstante claridade

(Que ao vento ora esmorece, ora se aviva,

Em largas sombras e esplendor de sóis),

 

Silenciosos fantasmas de outra idade,

À sugestão da noite rediviva,

– Deuses, demônios, monstros, reis e heróis.

(MEIRELES, 2013, p. 21)

 

 

1Bauhaus

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo368/bauhaus

 

Referências:

 

CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. São Paulo: Publifolha, 2014.

MEIRELES, Cecília. Espectros. São Paulo: Editora Global, 2013.

MELO NETO, João Cabral. Obra Completa. São Paulo: Editora Nova Aguilar, 1995.

KANDINSKY, Wassily. Olhar sobre o Passado. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 1991.

Redação

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