Fora de Pauta

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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  1. A iminente farra do bilhão nas telecomunicações

    Como parte da implementação da banda larga móvel e digitalização dos sistemas de televisão, Anatel e Ministério das Comunicações promoveram alterações no uso do espectro de frequências no país. Entre elas, a faixa dos 700 MHz, então utilizada pelos canais de TV UHF acima do 51, foi leiloada às teles em 2014, sendo disparado um processo de remanejamento para remover seus antigos ocupantes. Para isso, além do bônus de outorga pago ao governo, os vencedores precisaram fazer um aporte de recursos (quase quatro bilhões de reais) e criar uma entidade, a EAD / Seja-Digital, que ficou responsável por ressintonizar ou trocar transmissores pelo Brasil (basicamente de canais públicos ou religiosos), processo praticamente concluído em 2019.

    Apesar de acusações de favorecimentos aqui e acolá no uso daqueles recursos, a EAD conseguiu concluir seus trabalhos com grande folga financeira, deixando um saldo não utilizado superior a um bilhão de reais, que despertou a cobiça sobretudo das grandes redes de TV – e aqui começam os verdadeiros “negócios”. Considerando que as frequências foram leiloadas com os antigos inquilinos, o aporte das teles à EAD foi feito em prejuízo do bônus de outorga pago, ou seja, o governo arrecadou um montante menor com o leilão devido a esse custo associado. Logo, a sobra de recursos deveria ser repassada ao Tesouro Nacional, mas MCTIC e Anatel decidiram redirecionar esse bilhão, em nome de duvidoso “interesse social”, para projetos que deveriam ser custeados pela própria iniciativa privada: em sua maior parte, para a substituição de antenas e transmissores de grandes redes de TV em milhares de cidades nas quais a digitalização do sinal ainda não ocorreu.

    Falseando a finalidade original dos aportes, que era desocupar a faixa de 700 MHz e não propriamente a migração para a TV Digital em si, bem como alegando que naquelas cidades não seria economicamente viável para os radiodifusores promover a substituição dos equipamentos, pretende-se, pela segunda vez, utilizar dinheiro público para a retransmissão de TVs privadas – o terceiro argumento que usam é justamente o de que nessas cidades os transmissores existentes foram adquiridos pelas prefeituras. Além de um erro não justificar outro, e da corrupção político-midiática na história dessas aquisições pelos municípios, com trocas de favores nada republicanas entre canais e mandatários, eram no mínimo outros tempos, em que o investimento era efetivamente alto, fazendo algum sentido dizer que havia inviabilidade econômica em atender as pequenas cidades. Mas como pode ser facilmente verificado junto aos fabricantes, nas feiras e revistas especializadas, esse não é mais o caso, haja vista que o barateamento dos sistemas e as tecnologias de compartilhamento de transmissores permitem que seja sim economicamente viável digitalizar essas transmissões do interior. Mas por que abrir a carteira se dá para meter a mão no Erário?

    Se a imprensa independente não fizer barulho, os órgãos envolvidos dificilmente irão contra o poderoso lobby de Abert e Abratel e seus tentáculos políticos. As teles, que inicialmente tentaram brigar pelo uso desses recursos (para expansão de suas redes 4G, o que seria igualmente um desvio de finalidade), aparentemente estão usando-os como moeda de troca com os radiodifusores para liberar o leilão do 5G esperado para este ano, que segundo os últimos poderia interferir na banda C usada em transmissões de rádio e TV via satélite; leilão no qual os lobbies vêm também pleiteando a previsão de aporte de recursos para migrar as transmissões para a banda Ku, novamente sem precisar abrir a carteira. Enquanto se distrai a opinião pública com lorotas e criminalização de pedalinhos, o Brasil volta a ser o país dos acertos bilionários com privatizações de patrimônio e doação de recursos públicos travestidas de “interesse social”. Ah, mas a mídia é “amiga” da Lava-Jato…

    Seguem alguns artigos recentes publicados por outros veículos, que contudo não tratam o assunto com a gravidade necessária, focando nas disputas pelos recursos e não no absurdo disso tudo:

    MCTIC recua e volta a permitir sobras da TV Digital em projetos de banda larga
    21 de novembro de 2019

    https://m.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=mobile&UserActiveTemplate=site&from%255Finfo%255Findex=64&infoid=52286&sid=8

    Sobra de R$ 1 bi para TV digital provoca disputa entre setor e governo – Economia – Estadão
    10 de dezembro de 2019

    https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,sobra-de-r-1-bi-para-tv-digital-provoca-disputa-entre-setor-e-governo,70003120531

    TV digital: Gestão de R$ 1,2 bi acirra rivalidade entre teles e emissoras
    24 de janeiro de 2020

    https://m.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=mobile&infoid=52657&sid=8

    Saldo de R$ 1,2 bilhão vai para transmissores em cidades pequenas e banda larga na Amazônia
    24 de janeiro de 2020

    https://m.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=mobile&infoid=52658&sid=14

    Uso de recursos da EAD para a radiodifusão ainda depende de definições
    30 de janeiro de 2020

    https://teletime.com.br/30/01/2020/uso-de-recursos-da-ead-para-a-radiodifusao-ainda-depende-de-definicoes/

    (Neste último, já se fala em 1,5 bi!!)

    E tem mais “modelo EAD” a caminho:

    MCTIC manda teles pagarem por custos de mitigação da interferência na banda C
    3 de fevereiro de 2020

    http://www.telesintese.com.br/leilao-do-5g-mctic-manda-teles-pagarem-por-custos-de-mitigacao-da-interferencia-na-banda-c/

    (E as eventuais “sobras” já estão aqui pré-atribuídas às próprias teles… Assim todos ficam “satisfeitos” com a partilha)

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