Gastos da PM/SP: sigilo para proteger quem?

Cada vez que abro um jornal confirmo minhas suspeitas de que estamos vivendo num país mergulhado no absurdo. A economia brasileira segue crescendo, mas os analistas econômicos criticaram o governo porque Dilma Rousseff se recusa a adotar a mesma política econômica que os EUA, França e Espanha (países  que estão mergulhados na crise financeira desde 2008). Fanáticos preocupados com a cubanização do Brasil pretendem realizar uma Marcha da Família com Deus pela Liberdade como se estivéssemos em 1964. Médicos brasileiros se recusam a trabalhar na periferia e nos sertões e tentam impedir o governo de contratar estrangeiros para ocupar os postos de trabalho que eles não desejam. Em São Paulo, um total de 1.700 policiais foram reunidos para acompanhar uma manifestação contra a Copa que mal contava com 1.500 participantes, como se o Estado tivesse o dever militar de reunir mais tropas que seu inimigo para poder derrotá-lo (não ví na CF/88 nenhum dispositivo permitindo à PM tratar os cidadãos como inimigos do Estado que custeiam com seus impostos?) Mas hoje li uma notícia que pode ser classificada como absurda entre as mais absurdas.

 

“A quantidade de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, spray de pimenta e de bombas de “efeito moral” disparadas nos protestos de junho do ano passado em São Paulo são uma informação secreta de acordo com a Polícia Militar do estado.

Em resposta a um pedido de acesso à informação feito pelo sociólogo Pablo Ortellado, a PM afirmou que elas foram usadas “em número necessário e suficiente” para cada protesto. “Revelar tais quantidades, ou o quanto de sua carga foi utilizada em determinada ação de controle de distúrbios civis, implica, necessariamente, em expor estratégias de segurança, capacidade de ação e reação (…) que acabariam por descortinar questões diretamente ligadas à capacidade da instituição para cumprir sua missão constitucional e prover segurança aos cidadãos,” diz a corporação.” http://www.cartacapital.com.br/sociedade/pm-numero-de-bombas-e-balas-de-borracha-usadas-em-junho-ainda-e-um-segredo-4714.html

 

A pretensão do comando da PM/SP é evidentemente inconstitucional. Como regra, os atos praticados pelos três poderes não devem ser secretos. Ao contrário, eles devem ser públicos e publicados. É o que impõe o princípio prescrito no art. 37, da CF/88:

 

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”

 

A PM/SP é uma instituição vinculada à administração pública direta. Portanto, suas despesas devem ser previstas no orçamento e executadas com observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência prescritos no dispositivo constitucional acima transcrito. Licitações para aquisição de produtos e serviços devem ser realizadas na forma da legislação em vigor e os menores preços devem sempre ser privilegiados. Os cidadãos contribuintes, que pagam os impostos estaduais gastos na área e segurança, tem direito de saber quanto foi gasto e com quem para poder questionar, inclusive judicialmente, as despesas que foram realizadas. O comando da PM/SP não está acima da Lei e pode sim ser responsabilizado caso fraude licitações, proporcione prejuízo ao erário público ou aceite propina para adquirir os produtos e equipamentos mais caros disponíveis no mercado.

 

O sigilo dos gastos com materiais bélicos não letais não encontra fundamento constitucional. Mais do que isto, a pretensão do comando da PM/SP é imoral. Afinal, o prazo do sigilo pretendido (15 anos) é maior do que o da prescrição de ações civis e criminais para algumas das irregularidades possivelmente cometidas na gestão de recursos públicos. Se for aprovado, o comando da instituição poderá roubar o erário público paulista com absoluta certeza de impunidade. E não é isto que os cidadãos paulistas desejam.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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