Getúlio Vargas, símbolo da nacionalidade, por Roberto Bitencourt da Silva

O legado getulista tem sido um alvo privilegiado dos ataques feitos pelos títeres do capital internacional e do governo dos Estados Unidos, contra os interesses do país e do povo.

Getúlio Vargas, símbolo da nacionalidade

por Roberto Bitencourt da Silva

Desde o golpe empresarial-militar de 1964, na medida das possibilidades dos governos de turno, em atendimento às aspirações das classes dominantes e do imperialismo, diferentes faces construtivas e populares do legado de Getúlio Vargas, têm sido submetidas ao ódio e às recorrentes e destrutivas investidas entreguistas e liberais.

Vargas deixou um poderoso legado que se constituiu na esteira de engenhosas e ousadas iniciativas de soerguimento da Nação, entre a Revolução de 1930 e o martírio do personagem, que “deixou a vida para entrar na História”, em 24 de agosto de 1954.

Segundo o economista Carlos Lessa, Getúlio Vargas é “o avatar do Brasil”. Como oportunamente ressalta o professor Wladmir Coelho, Getúlio Vargas é um dos maiores símbolos da nacionalidade e da defesa dos interesses nacionais, acompanhado por outro martirizado personagem brasileiro, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1).

Muitas obras de Estado, instituições, parâmetros normativos e legais, gestados na era Vargas, foram desconstruídos nos últimos anos, de maneira selvagem, pelos artífices do capitalismo dependente e subalterno, sobretudo após o governo FHC.

O legado getulista tem sido um alvo privilegiado dos ataques feitos pelos títeres do capital internacional e do governo dos Estados Unidos, contra os interesses do país e do povo. Políticos como Temer e Bolsonaro não medem esforços para destruir o legado de Vargas. Assumem as chefias de governos para isso, almejando desmontar quaisquer instrumentos decisórios internos à Nação, chumbando-nos na condição de objeto de vontades alheias.

Entre tantas políticas oficiais direcionadas à destruição das iniciativas levadas a cabo pelos sucessivos governos de Vargas, as leis do trabalho (CLT) encontram-se basicamente descaracterizadas e minguadas, com uma série de direitos subtraídos do trabalhador.

O monopólio estatal da exploração do petróleo foi para o beleléu, em função da escolha lesa pátria de FHC. Com isso, o país perdeu recursos vultosos e certos, uma verdadeira dádiva da natureza, tranquilamente suscetível ao controle e à produção nacional. Nos últimos anos, a entrega completa do nosso petróleo e da Petrobras para os global players do capital internacional tem norteado as medidas adotadas por entreguistas como Temer e Bolsonaro.

Das últimas importantes realizações que restaram do período de Getúlio Vargas encontramos, ainda de pé, o serviço público organizado para admitir o ingresso dos funcionários pela via impessoal do concurso. Esse legado está no olho do furacão. Ademais, em que pese a cantilena liberal em torno de uma pretensa defesa da racionalização da máquina pública, cantilena sempre hostil ao funcionalismo, o propósito da destruição dos direitos e das condições de trabalho dos servidores é outro. Senão, vejamos.

O grosso das oligarquias políticas, há tempos, além de assimilar alguns cânones vulgarizados do liberalismo brasileiro de botequim, quer o desmonte das garantias jurídicas conferidas ao funcionalismo público, de modo a criar uma ambiência favorável à intensificação das práticas clientelistas. Isto é, privilegiar o apadrinhamento nas escolhas dos cargos públicos, não raro indicando indivíduos incompatíveis com as atribuições e as qualificações dos cargos. Assenhorear-se dos cargos como moeda de troca política.

Por outro lado, as grandes empresas nacionais e estrangeiras defendem a destruição dos direitos dos servidores e o definhamento dos serviços públicos, visando assumir tais serviços de maneira terceirizada, como concessionárias ou como beneficiárias diretas das lacunas abertas pelo encerramento ou a erosão das atividades voltadas à prestação do atendimento de serviços e direitos coletivos.

O objetivo mal disfarçado é alcançar altos, estáveis e seguros lucros, também por intermédio do pagamento de salários ainda mais baixos aos trabalhadores, dotados de frágeis garantias legais, sem margens de autonomia para tomada de decisões e realização das atribuições dos cargos, em face dos interesses do patrão ou dos políticos aos quais irão dever o emprego. O interesse público como princípio absolutamente desprezado.

Isso posto, dificilmente poderemos encontrar melhor saudação à memória do presidente Getúlio Vargas do que a feita pelo grande cineasta Glauber Rocha, no filme “A idade da terra”. Uma homenagem que não só recupera a importância do personagem, mas o converte em símbolo de potenciais lutas do povo brasileiro, mais duras e complexas (portadoras de conteúdos sociais mais radicalizados), do que aquelas lutas e ações em que o singular e célebre líder envolveu-se. Algo bastante atual, haja vista a nossa tragédia política e social, delineada por um nefasto projeto de poder, neocolonial, autoritário e ultraliberal.

Encerro, assim, com as palavras do “Cristo-Negro”, personagem interpretado pelo ator Antônio Pitanga, em “A idade da terra”, palavras bastante inspiradoras para lançar o foco da atenção aos dilemas e desafios dos nossos dias, sem esquecer de Vargas:

“Ajudai-me a proteger o povo. A história é feita pelo povo e escrita pelo poder. Eu sou o poder! Eu sou um enviado de Getúlio e digo como ele disse: compreendo o sofrimento e os problemas da classe operária. Basta de miséria e de desgraça. A revolução tem que ser feita pelo povo” (2).

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

1 Ver COELHO, Wladmir. “Suicídio do presidente Getúlio Vargas”. Disponível em: <https://wladmircoelho.blogspot.com/2020/08/suicidio-do-presidente-getulio-vargas.html?fbclid=IwAR3kjZfZePs_PhPUJ85fSv303f_ddZCNz_q9rRNIOIpR8UQFshQWBhnI5x8>.

2 BRANDÃO, Quezia da Silva. “A idade da terra: Glauber Rocha e seu projeto político-cultural para a América Latina (1965-1980)”. São Paulo: USP, dissertação de mestrado, 2017, p.118

Redação

6 Comentários

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  1. Ainda vou entender a razão da esquerda no Brasil ter “adotado” Vargas.
    Não diria “deserdar” , mas Vargas tem muitos “pecados” digamos assim.

    1. O comentarista está completamente enganado. Precisa ler, pesquisar, e se arrepender de escrever besteiras sobre um dos maiores picaretas deste país. Ditadorzinho fascista, fã incondicional de Mussolini e Hitler, golpista cara de pau em 1930, encarcerou vários intelectuais do Brasil, e se o autor não sabia, assassinou a sangue frio Olga Benário, judia e comunista, enganando-a e colocando-a dentro de um navio nazista. Olga estava grávida de um brasileiro e, pela constituição, jamais poderia ser deportada. Virou democrata de araque no dia 30 de abril de 1945 quando o líder dele Hitler se suicidou. E o dileto autor ainda vem badalar esse canalha?

  2. Amigo, se você leu o artigo e não entendeu a razão, concluo que você ainda está dominado pela imagem de Getúlio que o poder que escreve a história impõe. Sendo assim, sinto-me autorizado a responder-lhe da única forma possível: Atire a primeira pedra aquele que estiver isento de pecado…
    Vamos sair dessa cantilena primária de virtude x pecado, bem x mal…

  3. Vargas mostra de forma cristalina o grande problema do país = o país só consegue crescer ou implementar um projeto nacional por um bom tempo à base da ditadura. Vargas quebrou em 30 uma falsa democracia ( eleições presidenciais em que só confirmavam o presidente indicado pela elite de Minas ou SP ) e implementou uma ditadura que durou 15 anos e teve como seu rosto mais truculento Felinto Müller. Mandou Olga Benário morrer nas mãos dos nazistas e Graciliano foi preso por uma falsa acusação de comunismo. Esses 15 anos de governo mão de ferro criou a base do país industrial e urbano. Provavelmente, sem ele o Brasil nunca teria saído da condição de fazendão. Esse mesmo Vargas, eleito em 50, mais uma vez inova ao focar na autossuficiência energética (criação da Petrobras) – indo contra a opinião de parte da elite entreguista e do mundo em geral. Mas Vargas não resiste à luta fratricida entre as lideranças políticas civis e se mata. JK conseguiu pegar o bastião desenvolvimentista de Vargas e, contando com uma habilidade política rara e um carisma que só deve ficar atrás de Lula, fez um país de carroças produzir carros e, principalmente, injetar uma autoestima cavalar. Mas com Jânio e Goulart, o país volta ao “normal”. O golpe de 64 não foi pra impedir o Brasil de cair no comunismo (isso é história pra fazer lobão dormir ), mas sim acabar com as brigas sangrentas entre as lideranças civis ao impor um governo militar – mas sem ser personificado, como foi na ditadura Vargas. E por isso adotaram o rodízio de ditadores, que eram “eleitos” pelo congresso ( uma mistura pitoresca do colégio eleitoral americano e do dedaço da República Velha ). E mais uma vez, a briga intestina entre os grupos políticos principais, PT e PSDB, abriu caminho pra chegada de Bolsonaro, disparadamente o mais desqualificado presidente que já tivemos. E não é por acaso que Bolsonaro vem tratando de ter parte das pms e forças armadas leais só a ele ( seja dando vantagens econômicas, seja pondo militares em postos de comando no governo ) : quando a economia estourar de vez, quero ver que congresso vai tirar Bolsonaro por impeachment sabendo que forças policiais e militares estão ao lado do capetão?

  4. Por isto o “deserdar” , só não consigo esquecer que foi também um ditador.
    Vargas é todavia complexo demais para qualquer analise.
    Principalmente nestes tempos em que um “todavia” te faz um fascista …

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