Governo Dilma: A Fragilidade Política da Gestora

Interesses difusos expuseram fragilidade política de Dilma

Jornal GGNOs atores políticos que ocuparam a cena no último mês miraram em um pequeno alvo. Atingiram muitos outros, para o bem e para o mal. As comemorações dos dez anos de governos de esquerda que aconteceram desde o início do ano apontaram apenas para o que era visível: o grande avanço no campo social, a enorme redução da miséria, a mudança significativa do rumo da política externa, a resistência à crise internacional que durou no tempo – mais do que a dos países desenvolvidos etc. Mas não conseguiram alcançar o que até então permaneceu invisível. E o fato é que, nesses dez anos, a concentração de esforços para vencer os obstáculos institucionais à governabilidade das gestões petistas tirou os partidos de esquerda das ruas e esvaziou a política de seus aliados sindicais e dos movimentos sociais. E as alianças institucionais estabelecidas – boa parte delas com forças políticas de centro e centro-direita – revelam uma grande dificuldade de sobrevivência em condições adversas.

Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, a organicidade do chefe de governo com o PT e com as forças políticas que atuavam na sociedade foi capaz de ativá-las nos casos de maior conflito institucional com as forças conservadoras. Isso aconteceu em 2005, quando estourou o caso chamado de Mensalão, e houve uma mobilização oposicionista para tirar Lula do cargo ou inviabilizar a sua reeleição.

A contraofensiva governista, naquele momento, foi imensamente facilitada pela explosão de popularidade do presidente por conta de programas sociais que tiraram milhões de pessoas da miséria, e que passava despercebida dos adversários no nível institucional. Mesmo que houvesse má vontade de organizações populares contra o governo de Lula, que exerceu ao longo de todo o seu mandato jogos de conciliação com a direita menos orgânica, esses movimentos não arriscaram jogar fora os ganhos obtidos no governo petista ou comprar briga com suas bases, que se tornaram lulistas, porque receavam o retorno do PSDB ao poder. O passado tucano, e a gestão do PSDB nos estados, deram indicativos suficientes para os movimentos sociais de que o maior adversário do PT nas urnas era o grande inimigo ideológico de todas as esquerdas. Melhor estavam com o PT.

De outro lado, no plano do Legislativo, Lula unia as vantagens de ter uma liderança efetiva sobre o PT, que ajudou a fundar e do qual foi a principal liderança até se eleger presidente, e ser um hábil articulador de acordos com aliados. Essas vantagens eram potencializadas por uma popularidade crescente trazida pelo programa Bolsa Família, que o tornava imbatível nos rincões mais pobres do país – onde, até então, prevalecia a política de clientela que elegia (e elege até hoje) políticos locais. Esses políticos tradicionais, ou se aliavam a Lula, ou sumiriam no mapa político do país. Aliaram-se a Lula.

Outra grande vantagem de Lula foi a de conseguir, no seu segundo mandato, uma calibragem perfeita de política econômica que, facilitada pelo aumento do preço das commodities no mercado internacional, proporcionou ao país um surto de crescimento com distribuição de renda, no momento em que o mundo desenvolvido mergulhava na recessão.

No governo Dilma, todas as variáveis que ajudaram Lula estavam penduradas em uma única base: a popularidade da presidente, trazida como herança de um governo que trouxe melhoria de vida a uma grande parte da população, e que se tornou intocada enquanto não baixaram as expectativas dos brasileiros em relação ao futuro.

Dilma Rousseff teve militância de esquerda na juventude, mas não possui vínculo orgânico com o PT, nem relações estreitas com os movimentos sociais. A certeza de que era a francamente favorita para 2014 manteve ao seu lado os aliados de ocasião – os partidos com outros matizes ideológicos, mas que compunham a base governista no Congresso. A rápida deterioração de sua popularidade, que veio na esteira de movimentos que mais se assemelham a explosões – pois obedecem mais à lógica do contágio político do que propriamente a uma conscientização de direitos –, traz o risco de desmontar uma débil maioria governista.

Nos seus dois anos e meio de governo, Dilma também não abriu espaço para os movimentos sociais, que agora se sentem liberados para disputar nas ruas questões que têm sido sistematicamente derrotadas no governo e no Congresso, a pretexto de governabilidade, como reforma agrária e pautas trabalhistas, além de temas relacionados a direitos civis, ameaçados sistematicamente de retrocesso pela bancada evangélica, que também é aliada do governo.

Enquanto a economia permitiu, Dilma conseguiu levar, com certo sucesso, uma política de gabinete, sem precisar ser flexível nas relações com o PT, com partidos aliados ou com forças sociais. Quando as manifestações percorreram o terreno arenoso da dispersão, atingindo a sua popularidade, seu isolamento tornou-se evidente.

A presidente foi rápida ao perceber que estava isolada. Não se pode dizer que tenha demorado a ouvir as ruas. O problema é que não é possível dialogar diretamente com manifestantes que têm uma pauta dispersa, fluida, não ideológica – e que abriram as ruas para reivindicações vagas e mesmo corporativas, que ganharam espaço simplesmente porque encontraram terreno num clima de insatisfação intangível,difusa, à procura de causas e desprovido de racionalidade ideológica. Não existe atendimento a demandas que possa esvaziar esse movimento porque ele, na ausência de forças que o capitalizem para propostas objetivas, adquiriu um enorme potencial destrutivo.

Dilma precisa rapidamente romper o isolamento. Isto não é uma fadiga de material, como diz o governador Jacques Vagner. Pode ser simplesmente uma necessidade de mudança de rota. A reação, todavia, nunca será só produto de uma decisão da presidente, mas do conjunto de forças políticas que consideram a esquerda como melhor opção. Esse movimento pode obrigar a depurações – mas, como diz o líder do PT na Câmara,  José Guimarães, talvez seja o momento em reduzir a base de apoio no Congresso. Melhor ter menos e saber com quem se conta.

Redação

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