Guerra civil entre tucanos e petistas? bocejos, sonolências e flatulências

 

Meu avô materno estava hospedado em São Paulo quando as tropas de Artur Bernardes bombardearam a cidade rebelada. As balas de canhão zumbiam por cima da pensão onde ele estava e quando caiam o resultado era destruição, morte e mutilação.  Em 1932 ele foi recrutado para lutar contra os gaúchos que vinham vindo invadir São Paulo.

O irmão do meu avô paterno e meu avô materno fizeram parte da pequena tropa de cidadãos soldados de Xiririca (hoje Eldorado) que lutaram bravamente durante alguns dias. Eles cavaram trincheiras e derrubaram árvores para bloquear a estrada. Quando os gaúchos chegaram, eles jogaram neles as poucas granadas que dispunham, dispararam todos os cartuchos disponíveis, ameaçaram e ofenderam seus inimigos enquanto usavam matracas inofensivas e depois se retiraram em boa ordem dando a guerra por perdida. Minha mãe, nascida em 1928, foi enviada para o sertão (precaução necessária em caso de guerra).

Nasci em novembro de 1964, filho de um servidor público comunista fichado no DOPS e de uma costureira que não gostava de política (e que queimou quase todos os livros perigosos do marido um ou dois anos depois do golpe de estado). Cresci escutando histórias da revolta de 1924 e da guerra de 1932 e vendo na TV as notícias de uma guerra distante (Vietnã) e de outra bem próxima que afastou meu pai de casa.

Meu interesse por questões militares é quase nulo. Para falar a verdade não perco meu tempo precioso com tipos fardados que parecem estar fadados a atabalhoar a vida da minha família desde a proclamação da república. Meu bisavô paterno (que é também meu tataravô paterno) foi suficientemente abastado para custear o curso de Direito no Largo São Francisco em meados do século XIX. Após colar o grau de bacharel ele prestou concurso público, foi aprovado e empossado no cargo de Juiz Provincial na comarca de Xiririca SP. Até onde sei ele era leal a D. Pedro II e, pelo que pude apurar, não conseguiu se adaptar muito bem ao regime republicado (muito embora de republicano o nosso primeiro regime militar só tivesse o nome).

Quando o assunto é guerra sou um diletante cômico. De fato não consigo pensar em nada mais engraçado do que ver um grupo de seres humanos destinados a morrer naturalmente de velhice, de câncer, de ataque cardíaco, de malária, de anomalia genética, de dor de barriga ou defecando demais, etc… tentando impor sua vontade a outro grupo de seres humanos igualmente fadados a morrer. Vitoriosos e derrotados sempre se encontram no cemitério, não havendo, portanto, necessidade de apressar a natureza, de alimentar ódios ou apegos patológicos.

As guerras civis brasileiras, como todas as guerras foram cômicas. O irmão do meu avô paterno, por exemplo, havia morado no Rio Grande do Sul e trabalhado como professor na fazenda de Getúlio Vargas. Ele conhecia os oficiais que comandavam as tropas gaúchas que combateu com ferocidade peculiar. Nhô Gôdo (como meu avô materno se referia ao companheiro dele) costumava sair da trincheira para ofender seus inimigos e os desafiar. Ninguém atira nele! gritava alguém do outro lado. Acabrunhado, Nhô Gôdo voltava para a trincheira se sentindo ofendido porque seus inimigos o tratavam como amigo.

Neste momento, os líderes do PSDB e do PT encenam uma guerra civil parecida com aquela em que meu avô materno lutou. O prêmio é o mesmo que foi disputado pelo meu antepassado: o controle do Estado. As acusações mútuas de corrupção são diárias e fazem o respeitável público rir. Quase todo mundo sabe (ou desconfia) que os mais puros dentre os tucanos tem o rabo preso no HSBC e que alguns petistas asquerosos também são capazes de purificar dinheiro como seus adversários.

A guerra começou e nenhum tiro foi disparado? Não é bem assim… De fato no Brasil há um outro conflito sangrento ininterrupto que não desperta a atenção da mídia neste momento. Todos os dias as PMs matam pretos, pardos e pobres nas periferias esquecidas das cidades brasileiras. As vezes, policiais também são mortos neste conflito que nem mesmo é considerado uma guerra civil, pois uns e outros não estão em condições de disputar o controle do Estado. Policiais e bandidos são na verdade vítimas do Estado tal como o mesmo foi concebido e segue existindo basicamente para produzir exclusão social e para lidar violentamente com os excluídos.

Tucanos e petistas disputam o controle do Estado. E, no entanto, o partido com mais mandatários eleitos e com mais Ministérios é o PMDB. O mais provável ator numa guerra civil é o que menos tem interesse em participar dela. De fato, o PMDB não precisa disputar um Estado que já controla. Em razão disto, o partido do vice de Dilma Rousseff observa os dois inimigos (PSDB e PT) como se fosse o fiel da balança, muito embora esteja sentado nela surrupiando moedas dos dois pratos sempre que pode.

Onde estão as tropas que usarão peças de artilharia e tanques de guerra para defender os ideais tucanos, petistas e peemedebistas? Nenhuma trincheira foi cavada, nenhum tanque sonolento resolveu bocejar nas ruas por causa da Petrobras. O único movimento sério que podemos ver nos quartéis brasileiros tem ocorrido nos campos que existem ao lado das casernas. Neles os soldados brasileiros, devidamente uniformizados, seguem fazendo o que eles sabem fazer melhor: disputar partidas barulhentas de futebol. Lá é possível ver machos resolutos encarando seus adversários por causa de uma falta ou partindo para a porrada caso alguém ouse passar maliciosamente a mão na bunda sagrada de um discípulo do Bolsonaro. Militar bicha violento é foda, mano! Agride para não perder a fama de machão me diz um garoto do PSOL que conheço sempre que o encontro e que o assunto vai do bar para o quartel.

Supondo que algum louco fardado resolva explodir algo ou alguém para criar um ambiente propício ao que quer que seja (o próprio Bolsonaro planejou explodir a adutora de Baixo Guandu quando era militar), onde ocorrerá a explosão? Na sede do PT, do PSDB ou do PMDB? A pergunta é pertinente. A resposta desanimadora.

Atentar contra a vida de Lula seria perigoso, pois ele virou patrono das Forças Armadas em razão de ter aumentado os gastos militares como nenhum outro presidente desde a promulgação da CF/88. Despedaçar FHC com uma bombinha de festa junina seria mais fácil (afinal, ele sucateou as Forças Armadas e despertou muitos ódios entre os militares). FHC, porém, é uma carta totalmente fora do baralho e está começando a falar embaralhado. Além disto,  o ego do ex-presidente tucano é imenso, tão grande que FHC é virtualmente incapaz de aceitar a rejeição eleitoral que transfere aos seus prediletos. A hipertrofia do ego já está matando o príncipe dos sociólogos, muito embora ele tenha se transformado no rei da hipocrisia há algum tempo. O PMDB é um monstrengo com várias cabeças e muitos descabeçados (o atual presidente da Câmara provavelmente está entre os descabeçados). Qual delas cortar e com que finalidade?

Não. Não haverá guerra civil. Se houver acabará em bocejos, sonolências e flatulências. Em São Paulo, por exemplo, uma reedição do bombardeio de 1924 é algo impensável. Posso até imaginar o desespero da elite paulista ao cogitar a possibilidade de ver seus bairros nobres bombardeados e em chamas numa época em que a Sabesp distribui mais ar do que água. Suponho que os donos dos valiosos palacetes assobradados proibiriam o Corpo de Bombeiros de usar água fétida do Rio Tietê ou do Rio Pinheiros para salvar suas cheirosas propriedades. Na atualidade os paulistas só ousam pensar em guerra quando está chovendo. E como chove pouco na terra governada pelo beduíno que acampou no Palácio dos Bandeirantes, São Paulo vai capitular antes da guerra. Não veremos nem entradas, nem bandeiras, muito pelo contrário.

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Guerra civil

     Ao voltar de Santa Catarina, um dia desses, deparei-me com bloqueio na BR  em que transitava rumo ao norte do Paraná. Desci do veículo para sentir o “clima” reinante entre os grevistas -se é que podemos chamá-los assim- e os que, como eu, desceram dos carros para inteirar-se da situação. Entre uns e outros, os comentários eram os mais virulentos possíveis: todos demonizavam o PT, Dilma e Lula. O grau de beligerância estava altíssimo.Sou tataraneto de algumas figuras que “pelearam” em várias escaramuças sulinas e, portanto, não deveria me impressionar, afinal estamos em pleno século 21. Mas, confesso, fiquei com medo quando vi, na comissão de frente do movimento, pendurados num guindaste de caminhão, as bandeiras do Brasil, do Paraná e um boneco do Lula decapitado. Não acredito que uma guerra civil moderna seja  questão de “maragatos” contra “chimangos” ou modernamente PT x PSDB ou quem o valha. Uma guerra civil moderna é um fenomeno que se sobrepõe a partidos. Os fermentos para ela são os mais variados, desde interesses multinacionais,financeiros e empresariais, aspectos geopoliticos, luta de classes, intolerância racial,política e ideológica, preconceitos arraigados e manipulação midiatica. Todos esses  ingredientes estão aí na nossa cara, prontinhos para explodir, à espera dos catalisadores que podem ou não estar ligados a partidos políticos.É bom avisar que na era da guerra assimétrica nem a cavalaria resolve. O vencedor vai receber um “inferno” de presente. Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém…

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