Hora de ousar

O manualzinho primário das teorias neoliberais enxerga a ação do governo na economia como uma simples administração de juros, câmbio, inflação e impostos (e o o seu gasto pelo Estado).

 

Estão presos aos dogmas de que é o “mercado” que se autodirige e como um país é apenas a base territorial e humana de onde o mercado drena riqueza, é coerente com este pensamento que o governo deva interferir sobre a economia apenas deste “ente” mercado.

 

Aliás, como está demonstrando explicitamente a crise europeia, os governos devem ser apenas agentes dos ditames do mundo das finanças, não emanações do desejo de suas populações, que devem apenas ser conduzidas para legitimar eleitoralmente este processo.

 

Hoje é dia de reunião do Copom e deve ser anunciada, amanhã, uma nova redução da taxa Selic, o que o mercado estima seja de 0,5%, passando de 11,5% para 11%.

 

É possível e até provável que, como somos “prisioneiros” do mercado e o Banco Central já foi acusado de “surpreendê-lo” ao baixar a taxa neste mesmo percentual, em setembro.

 

Mas este blog, embora não o creia, não se surpreenderá se a redução for maior.

 

Por várias razões, todas elas mais palpáveis do que há três meses.

 

A primeira delas é que crise européia da dívida passou da insolvência da Grécia para sérias ameaças a economias bem maiores, como a Itália. O aumento dos juros oferecidos pelos títulos das dívidas soberanas atinge até mesmo a França, cujas obrigações de 10 anos passaram de uma remuneração de 2,4% para 3,6% de lá para cá.

 

Com isso, o mercado de commodities, que exerce grande pressão sobre o câmbio brasileiro, voltou a cair, desanimado pelas perspectivas de uma longa recessão – ou, ao menos, estagnação – no consumo europeu. O índice CRB Reuters de commodities, que superava 345 pontos no final de agosto e despencou para 293 pontos em pouco mais de um mês, voltou a esta faixa nos últimos dias, depois de haver se recuperado para 339 pontos em meados de novembro. Foi isso o que pressionou a recente elevação do câmbio, mais do que qualquer outra razão.

 

Naquela baixa de juros, a crítica essencial era a de que isso seria irresponsabilidade num quadro de alta inflação. Vamos usar aqui o IGP-M como índice, porque ainda não se tem o IPCA de novembro. Você pode observar que, ali, o acumulado em 12 meses era de 8%. Agora, segundo o dado divulgado hoje pela Fundação Getúlio Vargas, está abaixo de 6%. Considerado o IGP-M, portanto, a taxa real de juros não caiu, mas, sim, subiu 1%. Se, por uma questão de rigor, quisermos considerar o IPCA, índice pelo qual se fixam as metas oficiais de inflação, as duas quedas se anulam e, portanto, não há redução do juro real.

 

Portanto, se é a intenção do Banco Central sinalizar para uma trajetória de reaquecimento da economia, que comece já e se desenvolva ao longo de 2012, com expansão do crédito e do consumo internos para compensar a estagnação das trocas externas, com o redirecionamento dos investimentos financeiros para os produtivos e com o aproveitamento pleno do aumento de renda que será provocado pela expressiva elevação do salário mínimo, é preciso ousar, dentro dos indicadores objetivos que estão narrados anteriormente.

 

Tecnicamente, há espaço para uma redução maior que o 0,5 estimado pelo mercado.

 

Porque o Banco Central, ao contrário daquela definição primária que o mercado lhe dá, não é apenas o responsável pelo fortalecimento da moeda, mas pelo fortalecimento da atividade econômica.

 

Atividade da qual o Estado não é apenas gestor, mas direcionador e indutor.

 

A “surpresa” que o BC causou em setembro, ao reduzir os juros quando o mercado previa a manutenção da taxa revelou-se providencial para que o desaquecimento de nossa economia seguisse no rumo que vinha.

 

Agora, quando o mercado “precifica” a redução em 0,5%, uma atitude afirmativa do BC sinalizará não mais o fim da desaceleração, mas o início da retomada do crescimento.

 

Aos que reclamam que se “politizam” as decisões do BC, é preciso afirmar: “política” é a decisão de não baixar mais os juros apenas para não desagradar o mercado, ainda que o país precise desta redução para retomar o ritmo de sua expansão.

 

Por: Fernando Brito

Redação

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