Jânio de Freitas: a batalha para limpar as deformações das concorrências

Da Folha

O trabalho dos remendos
 
Jânio de Freitas
 
Batalha para limpar as concorrências ilustra um problema muito oneroso para o país
 
A batalha da Casa Civil da Presidência, para limpar de sucessivas deformações as concorrências pelo controle privado dos aeroportos do Galeão e de Confins (MG), ilustra um tipo de problema que em geral não chega à opinião pública, apesar de muito oneroso para o país.
 
A meio da semana passada, a ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, fez uma repentina intervenção, mais uma, nas condições estabelecidas pela Secretaria de Aviação Civil para selecionar os grupos concorrentes aos dois leilões. A data inicialmente prevista para realizá-los recairia na segunda quinzena deste mês. Caroços constatados nas exigências, pela ministra, adiaram a disputa para algum dia da primeira quinzena de novembro. Corrigidos aqueles, porém, o Tribunal de Contas da União, ao examinar as tais condições, constatou haver ainda o que descaroçar.

 
Tudo pronto, a concorrência foi marcada para 22 de novembro. E então Gleisi Hoffmann deu mais uma olhada no que seria o edital com publicação prevista para esta semana. Lá estavam outra vez, travestidas ou não, exigências e limitações que restringiam ou impediam vários pretendentes em condições de exercer às concessões. Ou, como também já se dera, itens que prejudicavam integrantes de alguns dos grupos pretendentes, como fundos de pensão e os exigidos administradores com experiência em grandes aeroportos no exterior. Cada obstáculo para um ou mais grupos equivale a facilidade para a vitória de um ou mais grupos. Concorrência à brasileira. Gleisi Hoffmann desmontou tudo. E confiou o novo exame final ao Tribunal de Contas da União.
 
Mas só na identificação das artimanhas e em sua desmontagem, pela Casa Civil e pelo TCU, foram-se dois meses de atraso nos leilões dos dois aeroportos. E extenso gasto em trabalho e tempo valiosos. Com o efeito mais amplo de engrossar as acusações internas e externas ao excesso de burocracia, onde a burocracia nada causou, e de ineficiência dos dispositivos de governo.
 
Para quê, isso? Para que o PMDB, aparente aliado, sinta-se atendido com a entrega da Secretaria de Aviação Civil a um indicado seu, Moreira Franco. E o que dá em troca? Nada. Porque tudo na Câmara tem que ser negociado e renegociado, para que o governo não seja traído pelo aparente aliado.
 
Há quase dois meses cometi um dos meus maiores erros, ao esquecer o absurdo de que agências reguladoras de serviços têm, aqui, presidente, em vez de apenas diretor ou superintendente, adequados à hierarquia funcional. Dei como indicado a presidente um sabatinado pelos senadores para ser diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS incumbida de regulamentar e fiscalizar planos de saúde.
 
Foi o advogado Elano Rodrigues Figueiredo, com histórico de ligação profissional a empresas de planos de saúde. Como defensor delas, entre outras causas, contra clientes que se sentiram vítimas destes fatos corriqueiros que são problemas com seguros de saúde. No currículo para os senadores, aliás, Elano Figueiredo teve o cuidado de omitir essa honraria do seu passado, talvez presente.
 
Pois bem, aí estão os 160 mil pagadores de planos da Golden Cross. Comprada pela Unimed-RJ a carteira de segurados da GC, a confusão e a insegurança se generalizam entre eles: as garantias de continuidade dos seus direitos são tão afirmativas nas palavras das duas empresas quanto são dúbias na prática, quando não negadas. E logo estará o governo desviando tempo e trabalho para remendar o problema.
 
Ninguém no governo conhecia Moreira Franco? Ninguém no governo sabia quem estava indicado para diretor da ANS? Ou quem devia saber, sabia –mas sem se sentir em condições de negar tais e outras semelhantes indicações? Mas, à vista dos históricos de indicados, não é crível que, se for o caso, faltem condições ao governo para simplesmente dizer “esse não, traz outro”.
 
Bem, encontrar esse outro, em certas partes da “base aliada”, deve ser difícil mesmo. Mas não é o país que deve pagar e o povo que deve sofrer por isso.
 
Redação

6 Comentários

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  1. As estruturas de Estado estão capturadas pelas empresas privadas

    …”As estruturas de Estado estão capturadas pelas empresas privadas. As agências reguladoras, (…), Empresa de planejamento e até as estatais estão à serviço dos empresários. Foram criadas várias leis e estruturas de Estado que tentam despolitizar o debate (…), como se fossem questões “técnicas e neutras”. (…), agência reguladora de finalidade e comportamento questionáveis, é parte de uma estratégia e instrumento para servir aos empresários. É o centro onde se legaliza o modelo.

    O BNDES é o principal financiador (…), repassando dinheiro público para as transnacionais, enquanto que estatais são proibidas de ter a maioria das ações(…). Dessa forma, as estruturas de Estado se comportam contra os interesses sociais”…

    Gilberto Cervinski

  2. negócios

    Convenhamos, onde estão os interesses privados, estão os negócios e seus porta-vozes. Assim, oferecer à gestão privada portos, aeroportos, hospitais, telefônicas ou qualquer atividade que não deva ser tratada como negócio privado, e sim como de interesse público, acarretará prejuízo aos que dependem desse serviço, por mais desencaroçadas que estejam as regras de contratação.  

  3. Isso tudo é tão repetitivo

    Isso tudo é tão repetitivo que desconfio que esse texto será guardado como matriz e veremos, com as devidas trocas de datas e nomes, o Jânio, ou outro colunista, oescrever sobre o mesmo tema daqui a uns cinquenta anos.

    Ou será que esse texto, sobre esse mesmo assunto, foi reaproveitado de um de cinquenta anos atrás?

    Bom, enquanto isso a plebe perde direito a consultar seu médico porque mudaram seu plano sem avisar. E não consegue ligar para reclamar porque não consegue linha no celular, ou quando consegue a ligação cai no meio da conversa.

     

  4. A questão é que precisamos de

    A questão é que precisamos de serviços que funcionem. Se executados por empresas públicas ou privadas pouco importa. A administração privada é sempre mais ágil por não ser burocrática e titualística como a pública. A restrição que se faz a determinadas cabeças, nem é tanto por ideologia, mais preocupação moral. Como é que pessoas com alto grau de suspeição fazem carreira e se perpetuam ora num, ora noutro cargo, é um dilema. Ainda mais que temos poderes e polícias especiais para nos livrarem(?) de pessoas indesejáveis. Sem conta as escolas, igrejas e lojas que aperfeiçoam ou lapidam nossas pedras brutas. Não é um paradoxo?

  5. Não tem jeito. Antes que se

    Não tem jeito. Antes que se faça um reformão no Brasil, quem sabe no dia de Serapião, esses cargos tinham que ser técnicos, de funcionarios de carreira, para evitar que raposas caiam em galinheiros. 

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