Judiciário quer nomear ministros: sugiro para a Saúde um não fumante!, por Lenio Luiz Streck

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
[email protected]

Imagem: Reprodução

Do ConJur 

Judiciário quer nomear ministros: sugiro para a Saúde um não fumante!

por Lenio Luiz Streck

A coluna também poderia ter o seguinte título: Alguém que trai a esposa(o) pode ser ministro(a)?

Esta coluna não está preocupada com o destino nem do Ministério do Trabalho e nem da quase-ministra deputada Cristiane Brasil. O que quero discutir é o aspecto simbólico da interferência do Judiciário em assuntos que não são de sua alçada. Uma das grandes vantagens (talvez a única) de criticar o ativismo judicial e as arbitrariedades do Poder Judiciário no Brasil, como venho fazendo desde o século passado, é que nunca tive problema de “falta de material”. Todo santo dia aparece alguma decisão arbitrária e, mesmo que já tenha visto quase de tudo nessa vida, não paro de ser surpreendido. No meu ofício acadêmico, penso que jamais sofrerei de tédio.

Dessa vez, o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ) resolveu suspender a nomeação da deputada Cristiane Brasil ao cargo de ministra de Estado do Trabalho, pelo fato de que essa nomeação afrontaria a moralidade pública, já que a deputada teria sido condenada em duas reclamatórias trabalhistas.

Pois bem. Dentre as 27 atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil, a primeira delas deixa claro que é de sua competência privativa nomear e exonerar ministro de Estado (artigo 84, I da CF/88). O argumento de que a deputada seria imoral para ocupar o cargo, pelo fato de que já foi condenada por duas reclamatórias trabalhistas, é redondamente frágil.

“Mas professor, o senhor quer dizer que a (Não-quase-ou-de-novo) ministra tem moral para o cargo? O senhor gosta dela?”. Não, não quero dizer isso. Nem quero dizer o contrário. Isto porque sou jurista, não sou comentarista político, e é por isso que não interessa o que eu acho, o que eu penso nesse sentido, assim como não interessa o que pensa o juiz. Juiz tem responsabilidade política e é subjacente a essa responsabilidade a tarefa de decidir, não de escolher.

É por isso, pois, que a decisão é frágil. Nem estou dizendo que a argumentação moral, a argumentação política e a retórica são frágeis. Não importa. A argumentação jurídica — essa, sim, a que importa de verdade — é frágil justamente porque se afasta da racionalidade própria do Direito. Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei; quando a nomeação de Moreira Franco foi barrada, protestei do mesmo modo. Por isso, protesto, aqui, mais uma vez contra o ativismo.

Legitimar uma decisão ativista porque concordamos com a racionalidade moral ali pressuposta nada mais é do que legitimar que o Direito possa ser filtrado pela moral. E se aceitarmos que o Direito seja filtrado pela moral, e peço desculpas por fazer as perguntas difíceis, indago: quem vai filtrar a moral? É esse o ponto. Alguém tem de ser o chato da história. Não podemos aceitar o ativismo que agrada. Isso é consequencialismo puro, e devemos rejeitá-lo por uma questão de princípio. Do mesmo modo um réu não pode ser condenado porque o juiz não gosta dele. E nem o réu deve ficar preso porque o juiz fundamenta no clamor social, como se houve um aparelho chamado clamorômetro. Ou como as pessoas que queriam fazer interpretação extensiva ou analogia in malam partem no caso do ejaculador (ver aqui).

Agora dito isso, tomemos emprestado o pessimismo de Kelsen por um momento e aceitemos, para fins de argumentação, que o Direito é assim mesmo e que juiz faz ato de vontade. Se a decisão for mantida (no segundo grau já foi), e o precedente tornar-se obrigatório (quanta gente adora esse stare-decisis-que-não-é-stare-decisis no Brasil, né?), gostaria de sugerir ao presidente, doravante, algumas observações na nomeação dos seus ministros. Dizem que conselho, se fosse bom, não seria de graça. De qualquer forma, lá vão eles:

Penso que se o ministro da saúde fumar, deve ser descartado. Um bom ministro da Saúde deve praticar jogging diariamente. Deve comer salada e assistir o programa Bem Estar na Globo todo dia. O ministro da saúde também não deve ter halitose. E não pode ser gordo. Heráclito Fortes seria vetado.

O ministro da Defesa precisa saber lutar judô. Ou boxe. Se for algum lutador de MMA, melhor ainda. Deve ser feita, ainda, uma pesquisa da vida do ministro, para apurar se foi alvo de bullying na escola. Se sim, deve ser descartado, afinal, que ministro da defesa é esse que sequer conseguiu se defender? É preferível nomear o valentão que fez o bullying.

O ministro das Cidades não pode ser alguém que morou no interior; e o ministro da Agricultura não pode ser alguém que morou na cidade. O ministro da Educação deve sempre dizer “bom dia”, “por favor” e “obrigado”. Se houver qualquer registro de que ele não o fez, é imoral para o cargo. O Ministério da Cultura…. bem, esse eu acho que vai ter que acabar mesmo. Sem chance de resolver esse problema. É que ele deveria saber tudo sobre Machado de Assis, Shakespeare, mas parece crime impossível.

Falando sério agora. Seríssimo: desculpem a ironia, desculpem as perguntas chatas, desculpem a insistência em coisas que, para alguns, já estão ultrapassadas, como força normativa da Constituição, legislação, enfim. Mas isso precisa ser dito. Afinal, se o juiz escolhe como quer, não há critérios, e não mais poderemos exigir o cumprimento da lei. E aí não adianta reclamar do ativismo só quando ele incomoda. (Talvez não tenha ficado claro, mas eu não subscrevo a essas teses que alguns têm levantado, inclusive em livros, de que o ativismo é bom.)

Numa palavra final: se a racionalidade jurídica for substituída pela racionalidade moral, não servimos para nada. Fechemos as faculdades de Direito e matriculemo-nos todos em faculdades de filosofia moral.

Ainda: se a decisão for mantida, teremos que, por coerência e integridade (artigo 926 do CPC) perscrutar/sindicar todos os cargos de livre nomeação. Por exemplo, o presidente do TCU quer nomear João Antônio das Neves para seu chefe de gabinete… só que ele foi multado em duas blitzes ou não pagou o carnê das lojas Renner. Pode ser nomeado? Isso é pior ou menos ruim do que ter duas reclamatórias trabalhistas? O prefeito de Pedregulho das Almas quer nomear Sofrício Ataualpa para uma secretaria…, mas ele não pagou o caderninho da venda ou foi visto saindo de um lugar suspeito de mulheres de vida difícil na periferia. Cabe ação popular? Vai liminar aí?

Eis aí, de novo, a diferença entre Direito e moral. Entre a racionalidade jurídica e os argumentos morais. Ou a moralização do Direito. Não se pode olhar a política como ruim a priori.[1] Se o presidente erra na nomeação de um ministro, o ônus é dele. É o ônus da política. Se não fosse “por nada”, não há previsão constitucional que autoriza o judiciário barrar esse tipo de ato administrativo sob argumentos subjetivos.


[1] Nesse sentido, a excelente análise de Eloisa Machado de Almeida, Folha de S.Paulo de 10.1.2018: “Suspensão de posse de ministra não deveria ser questão jurídica”.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. 

 

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. E eu sugiro outro assunto ao

    E eu sugiro outro assunto ao Lenio. Merval, Folha de São Paulo, Estadão já decretaram a nomeação da Jeferson Filha para o Ministério. Então vai voltar ser nomeada. 

    Na Justiça brasileira a opinião de Lenio tenha ou deixe de ter é completamente irrelevante. Melhor seria se ele se ocupasse em advinhar a frase feita que a Carmén Lucia vai usar para obedecer a imprensa e facilitar o relacionamento Temer/Jeferson pai.

    Eu proponho a presidenta começar assim a sua sentença:  “Uma nova história começa a ser escrita” 

  2. “A moral filtrando o Direito”

    Como o próprio Lenio Streck ensina com sabedoria “a moral está filtrando o Direito” e não o contrário.

    O Judiciário, que deveria ter agindo lá no início da fundação do golpe e se omitiu tenta agora, através de medidas que não são da sua competência, remediar ditando normas para a nomeação desse ou daquele ministro. Uma aberração sem precedentes.

    Ora, se já se sabia que a conspiração e traição e, por conseguinte, a ilegitimidade e ilegalidade iam desembocar nisso por que não se agiu antes?

    Jogos que não estão dando certo.

    Porque na democracia o único jogo consequente é aquele combinado com o povo e com a Constituição.

  3. Moralidade

    Então o princípio da moralidade no Direito Administativo deveria ser extinto?

    Eu não vou em médico gordo e fumante. Me recuso. Minha moral não permite.

  4. Eu entendo que esse artigo é

    Eu entendo que esse artigo é uma continuação daquele outro acerca da legislação feita indevidamente pelo judiciário, ao arrepio do texto da Lei. Parece uma resposta a uma intervenção que eu fiz acerca da coerência que deve ser mantida por aqueles que querem sempre que a lei prevaleça, mesmo que o resultado disso vá de encontro às querências progressitas. Parabéns, Dr. Lênio!  Coerência total em seu posicionamento, igualzinho ao meu!

  5. O fisiologismo vence, o PTB decai

    Independente de qualquer sentença  do nosso lerdo e dispendioso Judiciário, o simples fato da deputada Cristiane ter condenações na área trabalhista é um impedimento ético para a sua nomeação para o Ministério do Trabalho. A insistência de Temer em nomeá-la, apesar desses fatos graves no currículo dela, mostra a força do fisiologismo. A insistência do PTB e o temor a ROberto Jefferson mostra a decadência de um partido que se diz trabalhista. DEpois disso, o partido espera ter um mínimo de credibilidade junto ao povo? Parabéns, Jefferson, com seu “paternalismo”, você “enterrou” o partido.

  6. Tempestade em copo dágua!

    Ora, quem é reclamado em processo trabalhista tem uma maneira simplérrima de sair desta situação: pagar o que a justiça mandou.

    Assim, se a tal quase-ministra ainda não fez isso, minha sugestão: dar uma ligadinha na Odebrexite na Bahia, no tal “Departamento de Operações Estruturadas” e pedir uma solução.

    O pessoal de lá resolve esta questão de dívidas em poucos minutos e ainda entrega de brinde um “Nada Consta” do Ministério do Trabalho.

    Simples assim. Este serviço baiano não é nenhuma novidade neste enclave externo chamado Brasília.

    (quem for ligar deve dizer claramente que é do PTB – enfatizar o “B”! – se enfatizer os ventos das araucárias considerarão isto como prova, mas sem convicção, caso contrário os ventos das araucárias podem considerar isto  como convicção apenas.)

    Lembro ainda que a duração máxima nesse tal cargo pleiteado pelo PT (ops, dubêêêêêêêêêê) é de menos de um ano – nem vai ter direito a férias.

     

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador