Kant e o Direito Penal do Amigo no Brasil

Há alguns dias Cláudia Cruz foi estranhamente absolvida do crime de lavagem de dinheiro por Sérgio Moro. A absolvição ocorreu apesar das provas contundentes de que a esposa de Eduardo Cunha movimentou quase um milhão de reais de origem duvidosa ou criminosa no exterior. Em razão desta incompreensível decisão o juiz da Lava Jato está sendo criticado até mesmo por seus mais fervorosos admiradores. O episódio me sugeriu republicar este artigo.

O tráfico de drogas é crime. Há algum tempo Polícia Federal apreendeu 450 Kg de pasta base de cocaína num helicóptero. Até a presente data ninguém foi denunciado.

Eduardo Cunha foi preso cometer crimes financeiros. A esposa e a filha dele praticaram atos semelhantes e estão soltas. O nome de Gilmar Mendes aparece na Lista de Furnas. O usurpador Michel Temer recebeu um cheque nominal de propina de 1 milhão de reais. Nenhum dos dois foi incomodado pelo MPF.

Centenas de Deputados e dezenas de Senadores que cometeram crimes idênticos aos de Eduardo Cunha e estão em liberdade. Eles estão prestes a aprovar uma Lei que perdoará seus próprios crimes.

Em São Paulo os esquemas de corrupção orquestrados pela quadrilha do PSDB no Metrô e na CPTM não resultaram nem mesmo em denúncia contra os políticos envolvidos. José Serra e seus comparsas foram preventivamente inocentados. A roubalheira de dinheiro da merenda escolar também não resultou em punição para os tucanos envolvidos.

O servidor público que deixa de cumprir sua obrigação comete crime de prevaricação. Mas nenhum promotor ou juiz estadual e federal que deixou de perseguir e punir com rigor os delitos acima mencionados sofreu qualquer consequencias em razão da inação.

Kant afirma que:

“Una metafísica de las costumbres es, pues, indispensable, necesaria, y lo es, no sólo por razones de orden especulativo para descubrir el origen de los principios prácticos que están a priori en nuestra razón, sino porque las costumbres mismas están expuestas a toda suerte de corrupciones, mientras falte ese hilo conductor y norma suprema de su exacto enjuiciamento. Porque lo que debe ser moralmente bueno no basta que sea conforme a la ley moral, sino que tiene que suceder por la ley moral; de lo contrario, esa conformidad será muy contigente e incierta, porque el fundamento inmoral producirá a veces acciones conformes a la ley, aun cuando más a menudo las produzca contraria.” (Colección Clásicos Inolvidables, Kant II, Librería El Ateneo Editorial, Buenos Aires, 1951 – Fundamentación de la metafísica de las costumbres, Prólogo, p. 477)

Antes de se impor como Lei a igualdade entre os seres humanos se tornou um fundamento moral supremo das sociedades modernas. A inexistência de Leis fazendo distinção entre as pessoas em razão de cor, raça, credo, situação econômica ou ideologia e a proibição de Tribunais de exceção são morais, pois se ajustam perfeitamente à necessária igualdade entre os homens. Todos, devem, pois, estar submetidos às mesmas Leis e a Justiça não deve deixar de alcançar alguns cidadãos.

A Constituição Federal em vigor é kantiana. Mas as autoridades brasileiras não são, pois, como noticiado no início deste texto a Lei não é igual ou não é igualmente aplicada a todos os cidadãos. É evidente que no Brasil a justiça não é capaz de alcançar todos os criminosos. Algumas pessoas estão acima da Lei porque outras não cumprem fielmente sua missão a norma geral e abstrata produzir efeitos em todos os casos.

O sistema judiciário brasileiro existe para corromper o princípio moral. Isto explica tanto a existência do Direito Penal do Inimigo (que distorce os princípios constitucionais em detrimento daqueles que são considerados “menos humanos” e tratados como inimigos do Estado) quanto a aplicação do Direito Penal do Amigo (violação deliberada e consciente da Lei pelas pessoas encarregadas de aplicá-la para impedir que os amigos delas suportem as consequencias de seus atos).

Sobre o Direito Penal do Inimigo existe vasta literatura. Sobre o Direito Penal do Amigo, porém, nenhuma autoridade judiciária ousa escrever. Afinal, ele é essencialmente imoral e nenhum promotor ou juiz brasileiro ousaria se expor ao ridículo de desafiar Kant. Isto explica porque uma lacuna doutrinária fornece entre nós a legitimação da corrupção da norma moral suprema que deveria orientar as relações entre os agentes estatais e os cidadãos.

Em seu depoimento Lula à Justiça Federal Lula exigiu provas dos crimes alegados pelo MPF. Provas Lula? Para que? Janot tem a Lista de Furnas com o nome de Gilmar Mendes (STF) e ainda não o denunciou. O MPF tem o cheque nominal de propina que o usurpador Michel Temer recebeu, mas não o considera uma prova. Para os procuradores 450 quilos de cocaína num helicóptero não provam nada contra tucanos. É óbvio que o valor das provas é inexistente quando o Direito Penal do Amigo é aplicado. Mas Lula não tem amigos. Portanto, ele pode ser condenado apenas com base em convicções (Direito Penal do Inimigo) assim como os tucanos são preventivamente absolvidos por procuradores e juízes convictos da ineficácia de provas irrefutáveis contra seus amiguinhos.

No Brasil a desigualdade se concretiza pela inexistência de jurisprudência que expressamente legitime o Direito Penal do Amigo. No exato momento em que a verdadeira teoria da prática judiciária fosse enunciada e aplicada os promotores e juízes brasileiros deixariam de ser hipócritas. Isto acarretaria o colapso de um sistema judiciário que foi construído para corromper o princípio moral da igualdade. Resumindo, nunca seremos kantianos, tampouco deixaremos de parecer agir de acordo com os fundamentos da metafísica dos costumes de Kant.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Prezado Fabio
    Enquanto o

    Prezado Fabio

    Enquanto o petismo esteve praticando republicanismo juvenil, o tucanato mostrou como funciona um “partido profissional”!

    Insisto, democracia é Putin!

    Haja ingenuidade!!!

    Abração

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