Lava-jato: Museu de Grandes Novidades III, por Antonio Dornas

A mórbida ternura da mãe por ele, a que não eram estranhas as suas vaidades pessoais, junto à indiferença desdenhosa do pai, com o tempo, fizeram de Cassi o tipo mais completo de vagabundo doméstico que se pode imaginar. É um tipo bem brasileiro.

Lima Barreto – Clara dos Anjos

 

Aquele era um galinheiro ordinário. Não que faltassem galinhas poedeiras, mas isto seria insuficiente para garantir sua opulência e a culpa, segundo consta, era dos pardais, passarinhos imprestáveis profusos por aquelas bandas. Daí a birra insana do dono com os tais, de forma que, se lhe caiam às mãos, jogava-os ainda vivos para as galinhas estraçalharem. Elas brigavam ferozmente entre si para comê-los até o último pedacinho.

Era a festa no galinheiro.

Prego, o galo do pedaço, se achava o maioral. Soturno, quando via um pardal distraído lhe metia uma bicada certeira…

 – Kkkkk. Já era!

O dono morria de rir ao ver tal covardia e, por estas e outras, acoitava o galo indolente.

Aconteceu de crescer, bem no meio do quintal, árvore frondosa que proporcionava abrigo e saborosas sementes, uma espécie única, de causar inveja a toda vizinhança, a árvore da prosperidade.

Os pardais já tinham planos para transformar o “bilhete premiado” em riqueza. Iriam fazer do local um éden, enquadrar os galináceos e expulsar o dono para outra freguesia.

Foi por esta época (e não exatamente uma coincidência) que aquele passarinho amarelinho surgiu.

As galinhas até pararam de chocar para ouvir seu canto.

 – Quem é esse aí? Que bonitinho, diziam entre si. 

Prego, a princípio desconfiado, se convenceu que mal ele não lhe faria. Além disso, mantinha a galinhada ocupada, não representando qualquer ameaça ao seu poder.

Era muita graça e pouca força.

Certo dia, curioso, aproximou e perguntou um tanto encabulado de onde vinha.

 – Vim de longe. Nasci na Itália e estou fazendo turnê. 

Mentira! Era um canarinho chapinha nascido lá em Curitiba. Teve aulas de canto com um sabiá em Alagoas e um tito-tico brejeiro paulistano. Depois passou por Harvard e voltou com mania de grandeza.

Entre os passarinhos, no entanto, esta lorota colou, sua fama crescia e ele se fazia importante e poderoso. Quando o viram conversar impunemente com o galo safado ficaram impressionados com sua coragem e passaram a acreditar que poderia ser uma espécie de “salvador do bando”.

 – Esse primo que chegou da Itália é nossa esperança, vai vingar todo o mal e humilhação que sofremos.

Durante sua cantoria, chegavam a fazer coro para que ele pudesse aparecer melhor e sua melodia se destacasse mais.

Foi numa destas oportunidades que Prego se arremessou sobre o canarinho, fazendo voar penas amarelas pelo ar. Os pardais revoltados avançaram em revoada contra o galo que reagiu com esporadas, derrubando de uma vez mais de dez, gerando reboliço geral no galinheiro, e o recuo tático dos passarinhos.

Desde então, Prego e o canarinho passaram a evitar encontros e confrontos públicos. Dizem que teriam feito um acordo e que o canário estaria macumunado com o velho matreiro para que somente pardais com certo tom avermelhado sejam atingidos pelas garras do galo. Desta forma ficaria garantida a paz e o progresso geral.

Existem os que creem estar para acontecer um acerto, com o galo estraçalhando o pequeno e o entregando em banquete para a galinhada, denunciando sob as penas amarelas um corpo insignificante, como de todo pardal.

Não acredito nesta possibilidade. O canarinho sabe bem onde põe o bico e nunca se deixará pegar pelo astuto. Já vejo certa proliferação de canários por aí e, com isto, ele poderá ficar ignoto.

Entre os pardais há (e sempre haverá) quem ainda espere pela volta triunfal do canarinho, em defesa dos indefesos e contra os poderosos. Chegam a ignorar suas manobras em conluio com o galo. Kkkkk.

Pobrezinhos…

Quanto à árvore da prosperidade, há um projeto para transferi-la a outros quintais onde o dono tem maiores interesses. Com isso, o sonho dos passarinhos vira fumaça, mas enfim, eu disse que se trata de um galinheiro ordinário.

OBSERVAÇÃO: Àqueles que sentiram a ausência de um pássaro, bicudo e muito exibido, informo que ele foi poupado. Prática, aliás, corrente em todo este processo.

Redação

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