Lista de Livros: Fenomenologia do Espírito (V. I, P. III), de G. W. F. Hegel

O meio-termo que encerra juntos os dois extremos - o entendimento e o interior - é o ser da força desenvolvido, que doravante é para o entendimento mesmo, um evanescente

Lista de Livros: Fenomenologia do Espírito (Volume I, Parte III), de Georg Wilhelm Friedrich Hegel

Editora: Vozes

ISBN: 85-326-0687-3

Tradução: Paulo Meneses

Opinião: bom

Páginas: 272

Sinopse: Ver Parte I

 

“143 – (…) O meio-termo que encerra juntos os dois extremos – o entendimento e o interior – é o ser da força desenvolvido, que doravante é para o entendimento mesmo, um evanescente. Por isso se chama fenômeno; pois aparência é o nome dado ao ser que imediatamente é em si mesmo um não ser. Porém, não é apenas um aparecer, mas sim fenômeno, uma totalidade do aparecer. Essa totalidade como totalidade ou universal é o que constitui o interior: o jogo de forças com sua reflexão sobre si mesmo.

Para a consciência, as essências da percepção estão nele postas de maneira objetiva, tais como são em si, isto é: como momentos que se transmudam imediatamente em seu contrário, sem descanso nem ser: o Uno, imediatamente no universal; o essencial, imediatamente no inessencial, e vice-versa, Esse jogo de forças é, pois, o Negativo desenvolvido; mas sua verdade é o positivo, a saber, o universal, ou o objeto em si essente.

Para a consciência, o ser deste objeto é mediado pelo movimento do fenômeno; movimento em que o ser da percepção e o Sensível objetivo têm, em geral, somente uma significação negativa; e assim, a consciência a partir dele se reflete em si como no verdadeiro. Mas como é consciência, torna a fazer do verdadeiro um Interior objetivo: distingue, de sua reflexão sobre si mesma, a reflexão das coisas; como também, para ela, o movimento mediador é ainda um movimento objetivo.

Portanto, esse interior é para a consciência como um extremo a ela oposto. Mas é também, para ela, o verdadeiro porque nele tem como no Em si, ao mesmo tempo, a certeza de si mesma, ou o momento do ser para si; embora não esteja ainda consciente desse fundamento, pois o ser para si, que o interior deveria ter nele, não seria outra coisa que o movimento negativo. Para a consciência, porém, esse movimento negativo ainda é o fenômeno objetivo evanescente – não ainda seu próprio ser para si. O interior, portanto, é para ela o conceito; mas a consciência ainda não conhece a natureza do conceito.

144 – Nesse Verdadeiro interior, como no Absoluto-Universal – que expurgado da oposição entre universal e singular veio a ser para o entendimento – agora, pela primeira vez, descerra-se sobre o mundo sensível como o mundo aparente, um mundo suprassensível como o verdadeiro. Patenteia-se sobre o aquém evanescente o além permanente: um Em si que é a primeira, e portanto inacabada, manifestação da razão; ou seja, apenas o puro elemento, em que a verdade tem sua essência.”

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“155 – Com efeito: esse movimento, se o examinarmos mais de perto, é igualmente o contrário de si mesmo: põe uma diferença que, para nós, não é diferença nenhuma; e além disso, ele mesmo a suprassume como diferença.

É a mesma mudança que se apresentava como jogo de forças: nesse havia a diferença entre solicitante e solicitada, entre a força exteriorizada e a recalcada sobre si mesma. Porém eram diferenças que em verdade não eram diferenças nenhumas, e que por isso tornavam a suprassumir-se imediatamente. O que está presente não é a mera unidade, de modo que nenhuma diferença seria posta; mas sim, esse movimento, que faz certamente uma diferença; mas, por não ser diferença nenhuma, é de novo suprassumida.

Com o explicar, portanto, as mudanças e permutas que antes estavam fora do interior – só no fenômeno – penetraram no próprio suprassensível; nossa consciência, porém, se transferiu como objeto ao outro lado – para o entendimento – e nele experimenta a mudança.

156 – Essa mudança não é ainda uma mudança da Coisa mesma, mas antes, se apresenta justamente como mudança pura, já que o conteúdo dos momentos da mudança permanece o mesmo. Porém, enquanto o conceito como conceito do entendimento é o mesmo que o interior das coisas, essa mudança vem a ser para o entendimento como lei do interior. Assim, ele experimenta, como sendo lei do próprio fenômeno, que diferenças vêm-a-ser que não são diferenças nenhumas, ou que o homônimo se repele de si mesmo; e também, que as diferenças são apenas tais que não são nenhumas, e se suprassumem; ou, que o heterônimo se atrai.

É uma segunda-lei cujo conteúdo se opõe ao que antes se chamava lei (a saber, de que a diferença permanecia constantemente igual a si mesma) – pois essa nova lei exprime, antes, o tornar-se desigual do igual, e tornar-se igual do desigual. O conceito induz a carência de pensamento a reunir as duas leis e a tornar-se consciente de sua oposição. A segunda lei, sem dúvida, é também uma lei, ou um ser interior igual a si mesmo; mas é antes uma igualdade consigo mesma da desigualdade – uma constância da inconstância.

No jogo de forças, essa lei se mostrava justamente como esse transitar absoluto ou como mudança pura: o homônimo, a força, se decompõe numa oposição que primeiro se manifesta como uma diferença independente, mas que de fato demonstra não ser diferença nenhuma. Com efeito, é o homônimo que se repele de si mesmo, e esse repelido se atrai, essencialmente, porque ele é o mesmo. A diferença estabelecida – já que não é nenhuma – se suprassume de novo. Com isso se apresenta como diferença da Coisa mesma, ou como diferença absoluta; e essa diferença da Coisa é também o mesmo que o homônimo que se repeliu de si e desse modo põe somente uma oposição que não é nenhuma.

157 – Através desse princípio, o primeiro suprassensível, o reino tranquilo das leis, a cópia imediata do mundo percebido, transmuda-se em seu contrário. A lei era em geral o que permanece igual consigo, assim como suas diferenças. Agora, o que é posto, é que lei e diferenças são, ambas, o contrário delas mesmas: o igual a si, antes se repele de si; e o desigual a si, antes se põe como igual a si. De fato, só com essa determinação a diferença é interior, ou diferença em si mesma, enquanto o igual é desigual a si, e o desigual é igual a si.

Esse segundo mundo suprassensível é dessa maneira um mundo invertido; e na verdade, enquanto um lado já estava presente no primeiro mundo suprassensível, é o inverso desse primeiro. Com isso, o interior está completo como fenômeno. Pois o primeiro mundo suprassensível era apenas a elevação imediata do mundo percebido ao elemento universal; tinha seu modelo nesse mundo percebido, que ainda retinha para si o princípio da mudança e da alteração. O primeiro reino das leis carecia desse princípio, mas agora o adquire como mundo invertido.”

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“159 – (…) O crime efetivo tem sua inversão e seu Em si como possibilidade na intenção como tal – mas não numa boa intenção, pois a verdade da intenção é somente o ato mesmo.

Todavia, segundo seu conteúdo, o crime tem sua reflexão sobre si – ou sua inversão – no castigo efetivo, o qual é a reconciliação da lei com a efetividade que se lhe opôs no crime. Enfim, o castigo efetivo tem sua efetividade invertida nele mesmo: uma efetivação tal da lei que através dela a atividade, que tem por castigo, se suprassume a si mesma. A lei, de ativa que era, volta a ser lei tranquila e vigente, e se extinguem o movimento da individualidade contra a lei e o movimento da lei contra a individualidade.

160 – Assim, da representação da inversão que constitui a essência de um dos lados do mundo suprassensível, deve-se manter longe a representação sensível da consolidação das diferenças num distinto elemento do subsistir: deve-se representar e aprender em sua pureza esse conceito absoluto da diferença como diferença interior – o repelir-se fora de si mesmo do homônimo como homônimo, e o ser igual do desigual enquanto desigual. Há que pensar a mudança pura, ou a oposição em si mesma: a contradição.

Com efeito, na diferença que é uma diferença interior, o oposto não é somente um dos dois – aliás seria um essente, e não um oposto; mas sim o oposto de um oposto, ou seja, nele está dado imediatamente o Outro. Ponho, na certa, o contrário do lado de cá: e, do lado de lá, o Outro de que é o contrário; portanto de um lado, o contrário em si e para si sem o Outro. Mas, justamente porque tenho o contrário em si e para si, é o contrário de si mesmo, ou seja, já tem de fato o Outro imediatamente em si mesmo.

Assim o mundo suprassensível, que é o mundo invertido, tem, ao mesmo tempo, o outro mundo ultrapassado, e dentro de si mesmo: é para si o invertido, isto é, o invertido de si mesmo; é ele mesmo e seu oposto numa unidade. Só assim ele é a diferença como interior, ou como diferença em si mesmo, ou como infinitude.

161 – Nós vemos que, graças à infinitude, a lei cumpriu-se em si mesma como necessidade, e que todos os momentos do fenômeno foram recolhidos ao interior.

Conforme resulta do que precede, o simples da lei é a infinitude, e isto significa o seguinte:

a) a lei é igual a si mesmo, o qual porém é a diferença em si; ou é homônimo, que se repele de si mesmo, ou se fraciona. O que se chamava força simples desdobra-se a si mesmo, e é, por sua infinitude, a lei.

b) a fração, que constitui as partes representadas na lei, se apresenta como subsistente. Essas partes, consideradas sem o conceito da diferença interior, são o espaço e o tempo, ou a distância e a velocidade, que surgem como momentos da gravidade. Mas são também indiferentes e sem necessidade, um em relação ao outro, e em relação à gravidade mesma; assim como essa gravidade simples em relação a eles ou a eletricidade simples em relação ao positivo e ao negativo.

c) entretanto, por meio do conceito de diferença interior, esse desigual e indiferente, espaço e tempo etc. são uma diferença que não é diferença nenhuma, ou somente uma diferença de homônimo; e sua essência é a unidade. Em sua relação recíproca são animados como o positivo e o negativo; mas seu ser consiste antes em pôr-se como não ser, em suprassumir-se na unidade. Subsistem ambos os termos diferentes, são em si e são em si como opostos; isto é, cada qual é o oposto de si mesmo, tem o seu outro nele, e os dois são apenas uma unidade.

Esta infinitude simples – ou o conceito absoluto – deve-se chamar a essência simples da vida, a alma do mundo, o sangue universal, que onipresente não é perturbado nem interrompido por nenhuma diferença, mas que antes é todas as diferenças como também seu Ser suprassumido; assim, pulsa em si sem mover-se, treme em si sem inquietar-se. É igual para si mesma, pois as diferenças são tautológicas: são diferenças que não são diferenças nenhumas. Portanto, essa essência igual a si mesma só a si mesma se refere. A si mesma; eis aí o Outro ao qual a relação se dirige, e o relacionar-se consigo mesma é, antes, o tracionar-se, ou, justamente, aquela igualdade consigo mesma é a diferença interior.

Essas frações são por isso em si e para si mesmas. Cada qual é um contrário – o contrário de Outro – de forma que em cada um o Outro já é enunciado ao mesmo tempo em que ele. Ou seja: um não é o contrário de Outro, mas somente o contrário puro; e assim, cada um é, em si mesmo, o contrário de si. Ou, de modo geral, não é um contrário, senão puramente para si, uma pura essência igual a si mesma, que não tem nela diferença nenhuma. Assim, não precisamos indagar – e menos ainda considerar como filosofia a angústia com tal questão, ou então tê-la por insolúvel para a filosofia – como brota dessa pura essência, e como vem para fora dela, a diferença ou o Ser Outro; pois já ocorreu o fracionamento, a diferença foi excluída do igual a si mesmo, e posta de lado. Assim, o que devia ser o igual a si mesmo, já é antes uma das frações, em vez de ser a essência absoluta.

O igual a si mesmo se fraciona, o que portanto significa também que se suprassume, já como fração; que se suprassume como ser Outro. Costuma-se dizer que a diferença não pode brotar da unidade; mas de fato a unidade é apenas um momento do fracionamento, é a abstração da simplicidade que defronta a diferença. Mas por ser abstração, é só um dos opostos, como já se disse. Ela é o fracionar-se, pois a unidade é um negativo, um oposto; assim é posta justamente como o que tem nele a oposição.”

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“165 – Nós vemos que no interior do fenômeno o entendimento na verdade não experimenta outra coisa que o fenômeno mesmo. Não o fenômeno do modo como é jogo de forças, mas sim, o jogo das forças em seus momentos absolutamente universais, e no movimento deles: de fato, o entendimento só faz experiência de si mesmo. A consciência, elevada sobre a percepção, apresenta-se concluída junto com o suprassensível através do meio-termo do fenômeno, mediante o qual divisa esse fundo das coisas. Agora estão coincidindo os dois extremos – um, o do puro interior; outro, o do interior que olha para dentro desse interior puro. Mas como desvaneceram enquanto extremos, desvaneceu também o meio termo enquanto algo outro que eles.

Levanta-se, pois, essa cortina sobre o interior e dá-se o olhar do interior para dentro do interior: o olhar do homônimo não diferente que a si mesmo se repele, e se põe como interior diferente; mas para o qual também se dá, imediatamente, a não diferenciação dos dois – a consciência de si. Fica patente que por trás da assim chamada cortina, que deve cobrir o interior, nada há para ver; a não ser que nós entremos lá dentro – tanto para ver como para que haja algo ali atrás que possa ser visto.

Mas ressalta, ao mesmo tempo, que não era possível chegar diretamente ali sem todos esses rodeios. Com efeito, esse saber, que é a verdade da representação do fenômeno e de seu interior, ele mesmo é apenas resultado de um movimento sinuoso. No seu percurso, desvanecem os modos de consciência – conhecimento sensível, percepção e entendimento; e também resultará que o conhecer daquilo que a consciência sabe enquanto sabe a si mesma, exige ainda mais rodeios.”

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“167 – Com a consciência de si entramos, pois, na terra pátria da verdade. Vejamos como surge inicialmente a figura da consciência de si. Se consideramos essa nova figura do saber – o saber de si mesmo – em relação com a precedente – o saber de Outro – sem dúvida, que este último desvaneceu; mas seus momentos foram ao mesmo tempo conservados; a perda consiste em que estes momentos aqui estão presentes como são em si. O ser visado da certeza sensível, a singularidade e a universalidade – a ela oposta – da percepção, assim como o interior vazio do entendimento, já não estão como essências, mas como momentos da consciência de si; quer dizer, como abstrações ou diferenças que ao mesmo tempo para a consciência são nulas ou não são diferenças nenhumas, mas essências puramente evanescentes. Assim, o que parece perdido é apenas o momento-principal, isto é, o subsistir simples e independente para a consciência. Mas de fato, porém, a consciência de si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser Outro. Como consciência de si é movimento; mas quando diferencia de si apenas a si mesma enquanto si mesma, então para ela a diferença é imediatamente suprassumida, como um ser Outro. A diferença não é; e a consciência de si é apenas a tautologia sem movimento do “Eu sou Eu”. Enquanto para ela a diferença não tem também a figura do ser, não é consciência de si.

Para a consciência de si, portanto, o ser Outro é como um ser, ou como momento diferente; mas para ela é também a unidade de si mesma com essa diferença, como segundo momento diferente. Com aquele primeiro momento, a consciência de si é como consciência e para ela é mantida toda a extensão do mundo sensível; mas ao mesmo tempo, só como referida ao segundo momento, a unidade da consciência de si consigo mesma, Por isso, o mundo sensível é para ela um subsistir, mas que é apenas um fenômeno, ou diferença que não tem em si nenhum ser. Porém essa oposição, entre seu fenômeno e sua verdade, tem por sua essência somente a verdade, isto é, a unidade da consciência de si consigo mesma. Essa unidade deve vir a ser essencial a ela, o que significa: a consciência de si é desejo, em geral.

A consciência tem de agora em diante, como consciência de si, um duplo objeto: um, o imediato, o objeto da certeza sensível e da percepção, o qual porém é marcado para ela com o sinal do negativo; o segundo objeto é justamente ela mesma, que é a essência verdadeira e que de início só está presente na oposição ao primeiro objeto. A consciência de si se apresenta aqui como o movimento no qual essa oposição é suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem a ser para ela.

168 – Para nós, ou em si, o objeto que para a consciência de si é o negativo, retomou sobre si mesmo, do seu lado; como do outro lado, a consciência também fez o mesmo. Mediante essa reflexão-sobre-si, o objeto veio a ser vida. O que a consciência de si diferencia de si como essente não tem apenas, enquanto é posto como essente, o modo da certeza sensível e da percepção, mas é também Ser refletido sobre si; o objeto do desejo imediato é um ser vivo.

Com efeito o Em si, ou o resultado universal da relação do entendimento com o interior das coisas, é o diferenciar do não diferenciável, ou a unidade do diferente. Mas essa unidade é também, como vimos, seu repelir-se de si mesmo; e esse conceito se fraciona na oposição entre a consciência de si e a vida. A consciência de si é a unidade para a qual é a infinita unidade das diferenças; mas a vida é apenas essa unidade mesma, de tal forma que não é, ao mesmo tempo, para si mesma. Assim, tão independente é em si seu objeto, quanto é independente a consciência. A consciência de si que pura e simplesmente é para si, e que marca imediatamente seu objeto com o caráter do negativo; ou que é, de início, desejo – vai fazer pois a experiência da independência desse objeto.

169 – A determinação da vida, tal como deriva do conceito ou do resultado universal, com o qual entramos nesta esfera, é suficiente para caracterizar a vida, sem que se deva desenvolver ainda mais sua natureza. Seu ciclo se encerra nos momentos seguintes. A essência é a infinitude, como o Ser suprassumido de todas as diferenças, o puro movimento de rotação, a quietude de si mesma como infinitude absolutamente inquieta, a independência mesma em que se dissolvem as diferenças do movimento; a essência simples do tempo, que tem, nessa igualdade consigo mesma, a figura sólida do espaço.

Porém, nesse meio simples e universal as diferenças estão também como diferenças; pois essa universal fluidez só possui sua natureza negativa enquanto é um suprassumir das mesmas; mas não pode suprassumir as diferenças se essas não têm um subsistir. Justamente essa fluidez, como a própria independência igual a si mesma, é o subsistir – ou a substância – das diferenças, que assim estão nela como membros distintos e partes para si essentes. O ser não tem mais o significado de abstração do ser, nem a essencialidade pura desses membros tem a significação de abstração da universalidade; mas o seu ser é agora justamente aquela fluida substância simples do puro movimento em si mesmo. Porém a diferença desses membros, uns em relação aos outros, como diferença não consiste, em geral, em nenhuma outra determinidade que não a determinidade dos momentos da infinitude ou do puro movimento mesmo.

170 – Os membros independentes são para si; mas esse Ser para si é antes, imediatamente, sua reflexão na unidade – como essa unidade é por sua vez o fracionamento em figuras independentes. A unidade se fracionou por ser unidade absolutamente negativa ou infinita; e, por ser ela o subsistir, também a diferença tem independência somente nela.

Essa independência da figura se manifesta como algo determinado, para Outro, posto que é uma fração; e assim, o suprassumir do fracionamento ocorre mediante um Outro. Mas esse suprassumir está nela mesma, porque justamente aquela fluidez é a substância das figuras independentes; ora, esta substância é infinita; logo, a figura é o fracionamento em seu subsistir mesmo, ou o suprassumir de seu Ser para si.

171 – Distinguindo mais exatamente os momentos aí contidos, nós vemos que como primeiro momento se tem o subsistir das figuras independentes, ou a repressão do que o diferenciar é dentro de si, a saber: não ser nada em si, e não ter nenhum subsistir. Mas o segundo momento é a subjugação desse subsistir à infinitude das diferenças. No primeiro momento está a figura subsistente: como para si essente – ou a substância infinita em sua determinidade -, que surgindo em contraste com a substância universal nega essa fluidez e continuidade com ela, e se afirma como não dissolvida nesse universal: ao contrário, se conserva por sua separação dessa sua natureza inorgânica e pelo consumo da mesma.

No meio fluido universal, que é um tranquilo desdobrar-se em leque das figuras, a vida vem a ser, por isso mesmo, o movimento das figuras, isto é, a vida como processo. A fluidez universal simples é o Em si; a diferença das figuras é o Outro. Porém, devido a tal diferença, essa mesma fluidez vem a ser o Outro; pois ela agora é para a diferença, que é em si e para si mesma, e portanto o movimento infinito pelo qual aquele meio tranquilo é consumido; isto é, a vida como ser vivo.

Mas, por esse motivo, essa inversão é por sua vez a “inversidade” em si mesma. O que é consumido é a essência; a individualidade, que às custas do universal se mantém e se dá o sentimento de sua unidade consigo mesma, suprassume assim diretamente sua oposição com o outro, por meio da qual é para si. A unidade consigo mesma, que ela se outorga, é justamente a fluidez das diferenças ou a dissolução universal.

Inversamente, porém, o suprassumir da subsistência individual é também o produzi-la. Com efeito, como a essência da figura individual é a vida universal, e o para si essente é em si substância simples, então, ao pôr o outro dentro de si, suprassume essa sua simplicidade ou sua essência; isto é, a fraciona. Esse fracionamento da fluidez indiferenciada é precisamente o pôr da individualidade. Assim, a substância simples da vida é o seu fracionamento em figuras, e ao mesmo tempo a dissolução dessas diferenças subsistentes; e a dissolução do fracionamento é também um fracionar ou um articular de membros.

Assim, coincidem, um com o outro, os dois lados do movimento total que tinham sido diferenciados, a saber: a figuração, tranquilamente abrindo-se em leque no meio universal da independência, e o processo da vida. Esse último é tanto figuração quanto o suprassumir da figura. O primeiro, a figuração, é tanto um suprassumir quanto uma articulação de membros. O elemento fluido é apenas a abstração da essência, ou só é efetivo como figura. O articular-se em membros é, por sua vez, um fracionar do articulado, ou um dissolver do mesmo.

Esse circuito todo constitui a vida, a qual não é o que de início se enunciou: a continuidade imediata e a solidez de sua essência; nem é a figura subsistente e o Discreto para si essente: nem o puro processo deles; nem ainda o simples enfeixamento desses momentos; mas, sim, é o todo que se desenvolve, que dissolve seu desenvolvimento e que se conserva simples nesse movimento.

172 – Uma vez que partindo da primeira unidade imediata se retoma através dos momentos da figuração e do processo à unidade de ambos os momentos e, portanto, de novo à primeira substância simples, é que essa unidade refletida é outra que a primeira. Em contraste com a primeira unidade imediata – ou expressa como um ser -, esta segunda é a unidade universal que contém todos esses momentos como suprassumidos. É o gênero simples que no movimento da vida mesma não existe para si como este Simples; mas, neste resultado, a vida remete a outro que ela, a saber: à consciência para a qual a vida é como esta unidade, ou como gênero.

Mas essa outra vida, para a qual é o gênero enquanto tal, e que é para si mesma gênero – a consciência de si – inicialmente é para si mesma apenas como esta simples essência, e tem por objeto a si mesma como o puro Eu. Em sua experiência, que importa examinar agora, esse objeto abstrato vai enriquecer-se para ela e adquirir o desdobramento que nós vimos na vida.”

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“178 – A consciência de si é em si e para si quando e por que é em si e para si para Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. O conceito dessa sua unidade em sua duplicação, ou da infinitude que se realiza na consciência de si, é um entrelaçamento multilateral e polissêmico. Assim seus momentos devem, de uma parte, ser mantidos rigorosamente separados, e de outra parte, nessa diferença, devem ser tomados ao mesmo tempo como não diferentes, ou seja, devem sempre ser tomados e reconhecidos em sua significação oposta.

O duplo sentido do diferente reside na própria essência da consciência de si: pois tem a essência de ser infinita, ou de ser imediatamente o contrário da determinidade na qual foi posta. O desdobramento do conceito dessa unidade espiritual, em sua duplicação, nos apresenta o movimento do reconhecimento.

179 – Para a consciência de si há outra consciência de si ou seja: ela veio para fora de si. Isso tem dupla significação: primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha numa outra essência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois não vê o Outro como essência, mas é a si mesma que vê no Outro.

180 – A consciência de si tem de suprassumir esse seu ser Outro. Esse é o suprassumir do primeiro sentido duplo, e por isso mesmo, um segundo sentido duplo: primeiro, deve proceder a suprassumir a outra essência independente, para assim vir a ser a certeza de si como essência; segundo, deve proceder a suprassumir a si mesma, pois ela mesma é esse Outro.

181 – Esse suprassumir de sentido duplo do seu ser Outro de duplo sentido é também um retorno, de duplo sentido, a si mesma; portanto, em primeiro lugar a consciência retoma a si mesma mediante esse suprassumir, pois se torna de novo igual a si mesma mediante esse suprassumir do seu ser Outro; segundo, restitui também a ela mesma a outra consciência de si, já que era para si no Outro. Suprassume esse seu ser no Outro, e deixa o Outro livre, de novo.”

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“242 (…) – A razão, tal como vem à cena imediatamente, como a certeza da consciência de ser toda a realidade, toma essa realidade no sentido da imediatez do ser, e toma também a unidade do Eu com essa essência objetiva no sentido de uma unidade imediata, na qual ainda não separou – e tornou a reunir – o momento do ser e o momento do Eu, ou seja: no sentido de uma unidade que a razão não conheceu ainda. Portanto, como consciência observadora vai às coisas, ‘visando’ tomá-las em verdade como coisas sensíveis, opostas ao Eu; só que o seu agir efetivo contradiz tal ‘visão’, pois a razão conhece as coisas, transforma seu ser sensível em conceitos, quer dizer, justamente em um ser que é ao mesmo tempo um Eu. Transforma assim o pensar em um pensar essente, ou o ser em um ser pensado; e afirma de fato que as coisas só têm verdade como conceitos. Para essa consciência observadora, somente resulta nesse processo o que as coisas são; mas para nós, o que é a consciência mesma. O resultado de seu movimento é, pois, que a consciência vem-a-ser, para si mesma, o que é em si.”

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“248 – Assim, esse observar que se restringe ao simples – ou que delimita a dispersão sensível mediante o universal – encontra em seu objeto a confusão de seu princípio; já que o determinado deve, por sua natureza, perder-se no seu contrário. Por isso a razão deve, antes, abandonar a determinidade inerte que tinha o semblante do permanecer, pela observação da mesma tal como é em verdade, a saber: como um referir-se ao seu contrário.

O que se chama “sinais-característicos essenciais” são determinidades em repouso: quando apreendidas e expressas assim, como simples, não apresentam o que constitui sua natureza, que é a de serem momentos evanescentes do movimento que se redobra sobre si mesmo.

Agora, quando o instinto-da-razão chega à determinidade conforme sua natureza, que consiste essencialmente em não ser para si, mas em passar ao seu oposto, então vai em busca da lei e do conceito da determinidade: procura-os, decerto, como efetividade essente. No entanto, essa determinidade desvanecerá, de fato, para o instinto de razão; e os lados da lei se tornarão puros momentos ou abstrações, de tal modo que a lei virá à luz na natureza do conceito, que tinha destruído em si o subsistir indiferente da efetividade sensível.”

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“260 – (…) Aquele agir singular, que é somente meio, passa através de sua singularidade à determinação de uma necessidade totalmente singular e contingente. Portanto, segundo esse conteúdo imediato, é totalmente sem lei o que o orgânico faz para a conservação de si mesmo como indivíduo – ou como gênero -, já que o universal e o conceito incidem fora dele. Seria, pois, o seu agir uma operosidade vazia, sem conteúdo nela mesma; não seria sequer a operosidade de uma máquina, pois essa tem um fim, e sua operosidade tem, por isso, um conteúdo determinado. Abandonado assim pelo universal, seria apenas atividade de um essente como essente; quer dizer, atividade que ao mesmo tempo não reflete sobre si – como a de um ácido ou de uma base. Seria uma operosidade não destacável de seu ser-aí imediato, inclusive do ser-aí que se perde na relação a seu oposto, mas que poderia suster-se.

Porém o ser, cuja operosidade aqui se examina, é posto como uma coisa que se conserva em sua relação com o seu oposto. A atividade, como tal, é apenas a pura forma, carente de essência de seu ser-para-si. Não incide fora dela sua substância, que não é o ser simplesmente determinado, mas o universal: ou seja, o seu fim.

É a atividade que em si mesma retoma a si, sem ser a si mesma reconduzida por qualquer coisa de estranho.

261 – Mas, por isso, essa unidade da universalidade e da atividade não é para essa consciência observadora; com efeito, tal unidade é essencialmente o movimento interior do orgânico e só pode ser captada como conceito. Ora, o observar procura os momentos na forma do ser e do permanecer; e como a totalidade orgânica consiste essencialmente em que nela não estão contidos nem podem ser encontrados os momentos, a consciência transforma a oposição numa que seja conforme a seu modo de ver.”

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“300 – (…) O que é enunciado como lei fixa e permanente em si pode ser somente como um momento da unidade refletindo-se em si, e surgir apenas como uma grandeza evanescente. Porém quando essas leis são arrancadas, pela operação que as examina, a esse conjunto coeso do movimento e expostas isoladamente, o conteúdo não lhes vem a faltar, pois têm nelas um conteúdo determinado; o que lhes falta é antes a forma, que é sua essência.

De fato, essas leis não são a verdade do pensamento; não porque devam ser apenas formais, e não ter nenhum conteúdo, mas antes pela razão oposta: porque em sua determinidade – ou justamente como um conteúdo ao qual a forma foi subtraída – devem valer como algo de absoluto. Em sua verdade, como momentos evanescentes na unidade do pensar, deveriam ser tomadas como saber, ou como movimento pensante, mas não como leis do saber. Mas o observar não é o saber mesmo, e não o conhece; ao contrário, inverte a natureza do saber dando-lhe a figura do ser, isto é, só entende sua negatividade como leis do ser.

É bastante, neste ponto, ter indicado a partir da natureza universal da Coisa a nenhuma verdade das assim chamadas leis do pensamento. Um desenvolvimento mais preciso pertence à filosofia especulativa, na qual essas leis se mostram como em verdade são, a saber, como momentos singulares evanescentes cuia verdade é tão somente o todo do movimento pensante: o próprio saber.

301 – Essa unidade negativa do pensar é para si mesma, ou melhor, é o ser-para-si-mesmo, o princípio da individualidade; e é, em sua realidade, consciência operante. Pela natureza da Coisa, a consciência observadora será conduzida até essa outra consciência, como realidade daquelas leis. Mas porque esse nexo entre as leis de pensar e a consciência operante não é evidente para a consciência observadora, ela acredita que o pensar, em suas leis, fica de um lado, e que de outro lado recebe outro ser naquilo que lhe é objeto agora, ou seja, na consciência operante. Essa consciência é para si de modo que suprassume o ser Outro, e tem sua efetividade nessa intuição de si mesmo como o negativo.”

Redação

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