London Has Fallen, ideologia e anacronismo

Em 09/04/2016 fui assistir a sequencia do filme Olympus Has Fallen. Desta vez, o protagonista interpretado por Gerard Butler (um segurança presidencial) e seu fiel escudeiro (o presidente dos EUA interpretado por Aaron Eckhart) trocam tiros para sobreviver em Londres depois um ataque terrorista que matou vários chefes de Estado. Quase duas horas depois de muita pancadaria, tiros, facadas, perseguições de carro e algumas piadas sem graça, o filme termina de maneira previsível: os mocinhos sobrevivem, os caras maus morrem.

Algumas coisas me chamaram a atenção neste filme. A primeira foi o nome do vilão: Barkawi. O nome é uma referência evidente a Aníbal Barca, general cartagines que invadiu a península italiana espalhando devastação no centro do império romano entre 218 a.C. e 201 a.C. Aníbal derrotou três grandes exércitos romanos (em Trasimeno, Ticino e Canas) e chegou a acampar com seu exército vitorioso nas proximidades de Roma aterrorizando os habitantes da cidade eterna. Séculos depois de ter sido derrotado, ele ainda inspirava reverência e temor. Quando os pais romanos queriam amedrontar seus filhos diziam “Hannibal ad portas” (Aníbal está nos portões).

O vilão Barkawi reduz a distância geográfica e temporal entre os EUA e Roma, revela a inimizade ancestral entre norte-americanos e cartagineses, recolocando em guerra dois inimigos irredutíveis desde a antiguidade clássica. O anacronismo da ideologia atrás das cameras é evidente.

Na estrutura profunda de London Has Fallen podemos ver o velho conflito entre civilizados e bárbaros, cujo principal ideólogo na antiguidade foi Políbio (203 a.C. a 120 a.C.). Esta anacronica maneira de interpretar o mundo moderno é reforçada por duas frases ditas no filme. Quando é descoberto, o traidor inglês afirma que agiu porque “o orçamento de defesa foi cortado e os bárbaros estão nos portões”. Pouco antes do final, o protagonista interpretado por Butler diz a um dos terroristas “há séculos vocês querem nos matar e daqui a mil anos nós ainda estaremos aqui para matar vocês.”

London Has Fallen é, portanto, uma perfeita adaptação cinematográfica da anacrônica, racista e militarista ideologia do eterno conflito entre civilizações, da guerra secular entre ocidentais civilizados e bárbaros orientais, defendida por autores como Samuel P. Huntington, Oriana Fallaci, Élie Barnavi, Alain Finkielkraut e Jean-Christophe Rufin. Ideologia esta que foi combatida com certa elegancia e eloquencia por Tzevtan Todorov https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-medo-dos-barbaros-resenha-do-livro-de-tzvetan-todorov.

Para um expectador comum, o filme não tem muito a dizer. A obra apenas reforça preconceitos difundidos diariamente pela imprensa. Mas para os militares, que parecem viver mergulhados na ideologia do conflito de civilizações em razão de suas preferências literárias https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/os-homens-de-armas-e-seus-livros-antigos London Has Fallen é, sem dúvida alguma, um verdadeiro manjar dos deuses.

Sobre a ideologia em filmes semelhantes vide ainda:

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/natural-born-killers-o-romantismo-absurdo-da-guerra-no-cinema-norte-americano

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-medo-dos-russos-e-a-materia-prima-do-filme-operacao-sombra-jack-ryan

https://jus.com.br/artigos/35479/the-best-job-i-ever-had

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/%E2%80%9Co-protetor%E2%80%9D-ou-como-micromegas-se-protegeria-do-americanismo-cinematografico

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador