Lula: Morte e ressurreição de um líder latino-americano, por Alexandre Fortes

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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na NACLA

Lula: Morte e ressurreição de um líder latino-americano 

por Alexandre Fortes 

“Oh,  ele se eleva no coração de todo o povo:
E o que pareceria errado em nós,
Seu semblante, em rica alquimia, 
Transformará em virtude e justeza (…)
Portanto, pense nele como um ovo de serpente
Que, chocado, iria, como é da sua índole, engendrar o mal,
E mate-o na casca.”
The Life and Death of Julius Caesar, William Shakespeare 

Tal como os assassinos de Júlio César na peça de Shakespeare, os promotores e juízes que condenaram Lula se consideram guardiões das virtudes republicanas ameaçadas por um projeto de poder inescrupuloso, baseado na manipulação das massas. O responsável pela acusação no julgamento do último dia 24 de janeiro atacou o que classificou como “tropa de choque” mobilizada em favor do réu, especialmente no mundo acadêmico. Na visão do promotor, ao associar a perseguição ao ex-presidente à destruição dos avanços sociais do país na última década, seus apoiadores estariam promovendo um “sebastianismo primário” , de consequências nefastas para o país. 

No papel de autoproclamados depuradores das instituições nacionais, em muito similar ao dos militares golpistas de 1964, os membros do aparato policial-judiciário, operando em conjunto com a grande mídia, produziram um deslocamento de sentido em relação ao próprio conceito de corrupção, que supostamente seria o alvo da sua atuação. 
O processo contra Lula ilustra bem essas metamorfoses semânticas. Tradicionalmente, classifica-se como corrupto um político que utiliza o poder conquistado para enriquecimento pessoal. Ora, como a própria Operação Lava-Jato demonstrou, gerentes de segundo escalão da Petrobras acumularam bens de centenas de milhões de dólares. Portanto, não faria sentido conceber que o suposto líder supremo do esquema de desvios de recursos da gigante petroleira estatal fosse recompensado com a reforma de um apartamento de classe média e de um sítio de lazer de segunda categoria, nenhum dos dois registrados em seu nome. Na verdade, se a motivação de Lula na vida pública fosse o enriquecimento ilícito, ele poderia ter acumulado patrimônio bastante superior ao atual desde o período em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, em meados dos anos 1970. 
De fato, o que a “Lava-Jato” demonstrou à exaustão foi a existência de um imenso sistema de financiamento ilegal no qual parcela do lucro extraordinário obtidos por um cartel de grandes empreiteiras eram distribuídos a políticos de todos os partidos com influência significativa nos poderes Executivo e Legislativo. Isso explica as doações milionárias registradas na contabilidade paralela das empresas para políticos do oposicionista PSDB, que, entretanto, foram poupados de detenções e da perda de mandatos parlamentares. A apuração das denúncias, nestes casos, segue o padrão usual da impunidade das elites brasileiras, sendo conduzida com a lentidão necessária à prescrição dos crimes eventualmente comprovados. 
Mas a “corrupção” pela qual o ex-operário foi condenado é outra. Como diziam os políticos da antiga União Democrática Nacional, o partido baseado na classe média urbana cuja razão de ser era o combate implacável ao presidente Getúlio Vargas e ao seu legado, “a maior corrupção é comprar o apoio do povo” com benefícios sociais. Nessa concepção elitista da política, se o processo político gerar o apoio a líderes que melhorem a vida dos setores subalternos, sua legitimidade estará sob suspeita, e medidas “purgadoras” se tornam necessárias. Em nome da democracia, recorre-se ao golpe. 
A condenação do ex-presidente da República a 12 anos de prisão constitui o mais recente marco na evolução da grande operação política em curso no Brasil desde 2013. Os objetivos do novo bloco de poder em gestação no país sempre foram bastante claros: derrubar a presidenta Dilma Rousseff, já que não foi possível derrotá-la nas urnas; reverter o processo de redução da desigualdade material e simbólica iniciado em 2003; revogar os direitos sociais estabelecidos pela legislação trabalhista da Era Vargas e os direitos sociais estabelecidos pela Constituição de 1988; aniquilar as pretensões a uma elevação do patamar de desenvolvimento nacional e a qualquer protagonismo do Brasil no cenário internacional; destruir Lula politicamente e impedir que ele volte a ser eleito para a presidência da República; criminalizar, e se possível banir, o Partido dos Trabalhadores. 
Embora inicialmente os golpistas tenham avançado sem enfrentar maiores dificuldades, a resistência da esquerda e dos movimentos sociais, particularmente ao longo do último ano, tem obtido algum sucesso em mitigar ou retardar a plena implementação do programa reacionário descrito acima.
 
Em relação a Lula, o saldo no momento é bastante dúbio. O processo de demonização da sua imagem foi conduzido gradualmente, visando que o momento da sua condenação coincidisse com seu total isolamento e desmoralização. Nos momentos de euforia do movimento pelo impeachment de Dilma, a direita brasileira sonhava com o dia em que a condenação do ex-presidente fosse celebrada por multidões nas ruas do país. Mas no dia 24 de fevereiro, as panelas silenciaram, e a mobilização em solidariedade ao réu superou amplamente o número de adversários que saíram às ruas para comemorar.
 
De um lado, a condenação foi obtida, baseada em evidências que, como disse Mark Weisbrot no New York Times, situam-se “muito aquém dos padrões que seriam levados a sério, por exemplo, no sistema judiciário dos Estados Unidos”. Isso, a princípio, torna remota a possibilidade que ele possa voltar a conquistar e exercer a Presidência da República, e gera o risco concreto do seu aprisionamento.
 
Por outro lado, a recepção popular a essa condenação está bastante distante do imaginado por seus inimigos há um ou dois anos. Evidentemente, Lula jamais voltará a obter os cerca de 90% de aprovação registrados ao final do seu segundo mandato presidencial. Mas, nesse momento, ele lidera, por ampla margem, as pesquisas de intenção de voto, o que gera inclusive temores sobre as consequências da eventual cassação da sua candidatura. 
Vários fatores podem explicar esse ressurgimento da adesão de cerca da metade da população deste país continental ao seu ex-presidente. O partidarismo da Justiça tornou-se auto-evidente. A agressividade da nova direita gestada no processo do impeachment começa a assustar eleitores moderados. Vários dos pré-candidatos no campo da centro-direita estão desmoralizados por denúncias de corrupção, assim como pela sua participação no impopular governo golpista de Temer. Há um contraste gritante entre esses frágeis aspirantes e um líder que, em poucos meses percorrendo o país, recuperou parcela significativa da sua base de apoio originou e tornou a mobilizá-la em defesa dos direitos conquistados a partir do seu governo. 
As forças progressistas do Brasil estão diante do imenso desafio de construírem uma nova alternativa política para o país, o que envolve a capacidade de realizar um balanço equilibrado sobre erros e acertos dos governos do PT.  Mas o jogo está longe de acabar, e nele, Lula continuará a desempenhar um papel fundamental. 

Alexandre Fortes – Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Tenho dúvidas quanto ao fato do Lula ser preso ou não. No entant

    Tenho dúvidas quanto ao fato do Lula ser preso ou não. No entanto, tenho certeza de que ele não vai conseguir se candidatar a presidente em 2018. O judiciário, principalmente as cortes superiores, está dominado por inimigos do ex-presidente. A Casa Grande investiu muito para derrubar a Dilma e impor a destruição da legislação trabalhista e a PEC da morte para desistir de tudo e devolver o Poder ao Lula.

    Acredito que o Lula deverá insistir na sua candidatura até a direita inviabilizá-la. Quando a candidatura do Lula for impugnada pelos ministros do TSE e STF o Lula deveria apoiar a candidatura do Roberto Requião. O senador do Paraná estaria para o Brasil assim como Bernie Sanders está para os EUA e o Jeremy Corbyn está para a Inglaterra. Se o Requião se filiasse ao PT seria um revez fulminante no golpe.

    1. Dirigentes não são burros

      Os dirigentes do PT não são burros. Lula sabe muito bem que deverá levar sua candidatura até os 46min do segundo tempo pois sabe também que a oligarquia juridico-policial-midiatica não vai deixá-lo ser candidato  muito menos ser o próximo presidente. A jogada de mestre está na chapa, na escolha do vice. Uma ala do PT prefere uma chapa puro sangue com a apresentação de Hadad como vice. Outra ala prefere uma união com aquela parcela do PMDB que é oposição a Temer sendo o o nome de maior destaque o de Roberto Requião. Pelas ultimas pesquisas de intenção de votos, dos 37% de pessoas que com toda certeza votariam em Lula se este for candidadto, 27% votariam COM CERTEZA em um nome apoiado por ele. Ou seja, este nome apoiado por Lula com certeza estará no segundo turno!! Neste caso, um vice que tenha visibilidade, que assuma nas caravanas as propostas de Lula e que comece a fazer este pacto social para melhoria do pais terá grande possibilidade de vi a ser o novo presidente. No frigir dos ovos, Lula pode ter perdido uma batalha importante mas não perdeu a guerra!!

      1. O Requião é um grande orador, poderia muito bem dar continuidade

        O Requião é um grande orador, poderia muito bem dar continuidade as caravanas do Lula. Além disso, possui experiência política suficiente para gerir o governo federal.

        Ele foi 3 vezes governador do Paraná e 2 vezes senador, situação que o credencia a ser um interlocutor tarimbado na política. Também tem afinidade com os movimentos sociais como o MST e os sindicalistas.

        É um autêntico estadista de esquerda (bem diferente do oportunista Ciro Gomes). Na atual conjuntura, o Requião é a melhor alternativa ao Lula. O único entrave para a sua eventual sucessão ao Lula é esse apego doentio ao PMDB. 

        1. só que não

          O problema é que Requião nunca se sentiu mal no PMDB. Tem DNA oportunista como os pares. Só vai sair de lá quando não restar nenhuma vantagem em permanecer ou quando a vantagem de sair for maior, como por exemplo ser vice do Lula.

          Outra coisa que me deixa com dois pés atrás em relação a ele. É do Paraná, sede do golpismo atual.

    2. Wilton

      Vou na sua direção. Também acho complicado Lula conseguir levar adiante sua candidatura. Se insistir nisso, eles o prenderão. Eh tal a perversidade desse judiciario ativista, que vão até o fim com tudo isso.

      Ciro Gomes deu o tiro no pé. Pensou que se antecipando, não perderia quando cavalo encilhado passasse. Se antecipou tanto e de forma atabalhoada, que pulou para o nada. Então devemos pensar em plano B, que poderia ser a candidatura de um homem à priori sério como Roberto Requião. Acho que ele pode conseguir votos da direita responsavel, passando pelo centro e indo até a esquerda. 

      Se for realmente o homem politico que parece ser, interessa a toda esquerda, principalmente aos petistas, um candidato contra o atual sistema e que tenha força de carater, firmeza e grande apoio para corrigir os males que vêm sendo praticado pelo atual governo e pensar numa ampla reforma do Judiciario.

      1. Maria Luísa,

        O Requião talvez seja a carta na manga do Lula. Os golpistas só possuem um argumento para disputar as eleições de 2018: ser anti-Lula. Com a candidatura do Requião os golpistas ficariam completamente perdidos.

        Infelizmente o PT não possui alternativas ao Lula, mas isso não quer dizer que a esquerda não tenha. O Requião pode muito bem ingressar no PT e suceder o ex-presidente.

         Vale a pena lembrar que a Dilma era do PDT, a Gleisi Hoffmann era do PCdoB e o Lindberg era do PSTU.

  2. Urnas como filtro da soberania popular há 70 anos

    1 – US Foreign Policies Remain Unchanged Since 1948, de Eric Zuesse @ Strategic Culture

    2 – A Escola Superior de Guerra e o discurso democrático, de Luiz Claudio Duarte, Revista Diálogos, Universidade Estadual de Maringá, vol. 18, 2014

  3. Requião

    Acho que a chapa ideal vai ser, REQUIÃO PRESIDENTE e CELSO AMORIM vice presidente. Percebí no discurso a Lula na missa de ano de Morte de Da. Marisa ele destacando o Celso Amorim. Não falou em Hadad. Essa chapa não tem PT mas tem o sangue mais refinado da esquerda e do nacionalismo e isso destruiria o discurso de coxinhas que sempre demonisaram o PT.  Claro que Requião teria que sair do (P)MDB.

  4. E se ele ganhar?

    Não é só a cassação , mas muito mais a vitória de Lula que assusta os golpeistas, sejam eles de toga ou de colarinho branco. Eles continuam sem usar black tie. O que difere o tempo do Lula ao tempo da UDN anti getulista, é que o povo já aprendeu que pior do que  ser ladrão é ser um ladrão do mal. A questão nem é direita contra esquerda, pois nem Getúlio e nem Juscelino, vítma do golpe de 64, são de esquerda. Getúlio , inclusive, comandou uma ditadura de direita. A questão vai da negação das elites que se bastam em sua oligarquia e a ojeriza ao desenvolvimento do país.

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