Moro: nasce o Robespierre brasileiro, um artigo premonitório de Lewandowski

A lição extraída pelos estudiosos dessa singular época de desmandos e desatinos, cometidos a pretexto de restaurar a moral e os bons costumes, é que os puritanos de plantão quase sempre são substituídos por outros, autoproclamados salvadores da pátria.

Pureza fatal

Oxalá Brasil escape do risco dos paladinos da virtude

de 04/10/2018

Ruth Scurr, historiadora e crítica literária inglesa, em seu instigante livro “Pureza Fatal”, convida os leitores a uma reflexão sobre o destino daqueles que, no exercício do poder ou de uma parcela dele, se arrogam o papel de paladinos da virtude.

A autora traça a biografia de Maximilien de Robespierre (1758-1794), um dos principais líderes da Revolução Francesa do fim do século 18, que se tornou uma das figuras históricas mais controversas da era moderna.

A obra reconstitui a vida daquele modesto advogado provinciano que, em meio ao turbilhão político resultante da derrubada da monarquia absolutista e seu séquito de aristocratas decadentes, se transformou num implacável perseguidor daqueles que considerasse venais ou antirrevolucionários, enviando-os sem titubear para a guilhotina.

Denominado pelos admiradores de “incorruptível”, tinha poucos amigos, era circunspecto e arredio. Embora não conste que tenha sido subornado, terminou corrompido pela soberba e vaidade. Sua dramática trajetória retrata as contradições do próprio movimento revolucionário, que com mão de ferro conduziu por um breve e tormentoso período.

Integrante da facção dos jacobinos, a ala mais radical dos insurgentes, empenhou sua vigorosa eloquência para defender a condenação do rei Luís 16 à morte. Consolidou seu domínio instituindo o Comitê de Salvação Pública e a longa manus deste, o Tribunal Revolucionário, instrumentos que empregou para perseguir adversários, nos quais se incluíam os girondinos, de postura menos extremada.

Foi responsável pela instauração do Terror, regime sob o qual milhares de pessoas foram guilhotinadas, inclusive Georges Danton (1759-1794), um dos principais dirigentes do levante, porém mais conciliador.
Acabou destituído pela força e, em seguida, decapitado a mando de seus inimigos e antigos correligionários, fartos das arbitrariedades que perpetrou.

Os meritórios ideais que inspiraram os revolucionários franceses, expressos no lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, depois manipulados para combater supostos desvios éticos, foram logo suprimidos pelo jovem e ambicioso general Napoleão Bonaparte (1769-1821), o qual instaurou uma ditadura, aplaudida pelo povo, cansado dos intermináveis expurgos promovidos pelos jacobinos e também receoso do retorno da nobreza deposta.

Após diversas conquistas militares que desestabilizaram a Europa, Napoleão foi derrotado por uma coalizão de países, liderados pela Inglaterra, sendo preso e exilado na ilha de Santa Helena, onde acabou morrendo longe de tudo e de todos.

A lição extraída pelos estudiosos dessa singular época de desmandos e desatinos, cometidos a pretexto de restaurar a moral e os bons costumes, é que os puritanos de plantão quase sempre são substituídos por outros, autoproclamados salvadores da pátria. Já a normalidade institucional só é reconstituída após muitas lutas e provações, que não raro se estendem por várias gerações.

Oxalá possa o Brasil escapar desse fatídico vaticínio e trilhar, com desassombro, os rumos da plenitude democrática, cujo pressuposto é a livre manifestação da vontade popular, única legitimada para estabelecer os valores que balizam os rumos da nação.

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. Robespierre pertence àquela categoria de personagens que são retirados da obscuridade por uma conjunção de fatores do momento e trazidos para desempenhar um papel histórico fundamental. O irônico é que essa mesma História que os fez surgir, também deixa-os sem saída.

    Robespierre implantou o chamado Reino de Terror, espécie de estado de exceção para enfrentar uma coalizão de inimigos internos e externos. Mas depois de vencidos os inimigos, quando chegou a hora de retornar à normalidade, constatou que nada mais mantinha de pé o regime senão o terror que inspirava. Não podia mais parar, terminou derrubado por um golpezinho furreca. Não tinha mais o apoio da plebe parisiense, pois liquidara todos os seus líderes.

  2. Eu tenho a impressão que o autor não entendeu nada até agora da Revolução Francesa. Por favor leia os livros recentes do professor Peter McPhee, “Liberty or Death: The French Revolution”, 2016, e “Robespierre, a revolutionary life” de 2012. Vocês precisam aprender a verdadeira importância de Robespierre. Classificar o cara como ” modesto advogado provinciano” e “responsável pela instauração do Terror, regime sob o qual milhares de pessoas foram guilhotinadas”, é de uma ingenuidade espartana, de quem não entendeu o pior momento da revolução. Em 1793/1794 a Revolução estava entre dois fogos mortais. De um lado o perigo interno dos contra-revolucionários, cujo melhor exemplo foi o exército contra-revolucionário montado na região da Vendée. Do outro lado o perigo externo com a invasão de um exército austríaco pelo nordeste (naquela época a Áustria dominava os Países Baixos), invasão ao sudeste por um exército basicamente prussiano, e uma invasão ao sul por um exército espanhol. Esse pessoal todo tinha como objetivo resturar a monarquia. Foi somente a determinação de Robespierre e dos revolucionários verdadeiros que salvou o movimento. Num momento desse não tem outra solução. Você tem a obrigação de eliminar o seu adversário, pois senão o adversário te eliminará. Não dá para encarar a situação com um “espírito republicano”. E foi essencialmente pela determinação de Robespierre que o povo francês venceu. Lembra-te que hoje a maior parte dos especialistas (“scholars”) reconhecem que a revolução francesa foi o principal acontecimento ocidental de todos os tempos, quando os “sans-coullotes” mandaram verdadeiramente durante dois anos, 1791/92. A revolução acabou com o regime feudal. Isso tudo gracas à determinação de Robespierre.

  3. Agora Nassif, comparar o Moro ao Robespierre é brincadeira tua né? O Robespierre sempre esteve ao lado do povo francẽs e contra as elites. O Moro sempre esteve e vai estar com a elite brasileira e contra o povo. Não há nenhum termo de comparação.

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