Morre única presa política que saiu viva da Casa da Morte, Inês Etienne

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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“Quero é que a Justiça do meu país reconheça que eu fui sequestrada, mantida em cárcere privado, estuprada três vezes”
 
 
Jornal GGN – “Professor, eu não quero um tostão de indenização. Esse dinheiro de indenização vem do povo e a grande vítima é o povo. […] O que eu quero é que a Justiça do meu país reconheça oficialmente que eu fui sequestrada, mantida em cárcere privado, estuprada três vezes por agentes públicos federais pagos com o dinheiro do povo brasileiro”, disse Inês Etienne em 1989, quando foi procurar justiça para os 96 dias em que esteve detida na Casa da Morte, durante a ditadura do regime militar.
 
A declaração foi dada ao jurista Fábio Konder Comparato, naquele ano. Ainda reconhecendo que a jurisprudência da época não admitia ações de indenização, que estavam prescritas, Comparato apresentou ação judicial à 17ª Vara da Justiça Federal de São Paulo.
 
Em dezembro de 2002, o Tribunal julgou procedente a ação, com o objetivo de registrar a existência de ação jurídica entre Inês e a União, por conta dos atos de cárcere privado e tortura praticados por militares no período entre 5 de maio e 11 de agosto de 1971, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
 
Lá se localizava um dos principais centros clandestinos utilizados pelo regime militar para a prática de graves violações de direitos humanos. Inês Etienne Romeu era a única sobrevivente, até hoje. A ex-guerrilheira forneceu as informações mais importantes da Casa da Morte, que a Comissão Nacional da Verdade incluiu em seu relatório.
 
Detenção ilegal e arbitrária, torturas, execuções, desaparecimentos forçados foram algumas práticas da Casa da Morte. O centro era mantido pelo CIE (Centro de Informações do Exército), em coordenação com os DOI-CODI, retirando os perseguidos políticos de suas dependências, alguns de outros estados, e levando para Petrópolis. De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, os destinos de vários desaparecidos estão ligados a esse centro clandestino do CIE.
 
A única presa política que conseguiu sair com vida da Casa da Morte morreu hoje, enquanto dormia, aos 72 anos.
 
Foi presa pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, em 5 de maio de 1971, por integrar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Levada para a delegacia, foi torturada, antes de chegar à Casa da Morte. Depois de três meses, os torturadores a libertaram, por acreditar que ela não participaria mais da luta armada e passaria a colaborar com o regime militar, segundo depoimentos do coronel Paulo Malhães, em 2014.
 
No ano passado, Inês identificou seis torturadores do centro, com base em fotografias. Cinco deles ainda estão vivos. Assista ao vídeo da ex-guerrilheira identificando seus torturadores:
 
https://www.youtube.com/watch?v=OkQ8i1zA3vc&feature=youtu.be width:700 height:394
 
Inês recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos de 2009, na categoria de Direito à Memória e à Verdade. “Sua missão é de heroísmo. Você não tem mais o que temer. Você venceu”, disse sua irmã Celina Romeu a Inês Etienne, em um encontro da Comissão Nacional da Verdade.
 
***
 
Torturadores identificados por Inês Etienne:
 

– FREDDIE PERDIGÃO PEREIRA

– RUBENS PAIM SAMPAIO

– UBIRAJARA RIBEIRO DE SOUZA

– RUBENS GOMES CARNEIRO

– LUIZ CLÁUDIO DE AZEREDO VIANNA

– ANTONIO FERNANDO HUGHES DE CARVALHO

Leia o volume 1 do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que traz relatos de Inês e informações da Casa da Morte:
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

8 Comentários

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  1. Que a Inês tenha o descanso

    Que a Inês tenha o descanso merecido, que todas as mazelas porque passou lhe sejam aliviadas. O contrário é o que desejo a seus torturadores, que nunca tenham descanso enquanto não pagarem pelo que fizeram. Vá em paz, Inês.

  2. Ha dois mil anos atras, antes
    Ha dois mil anos atras, antes de ser pendurado no madeiro, Jesus alertou. Muitos serão torturados e mortos por causa de meu nome. Descanse na paz de Cristo, Etiene.

  3. Além de ser vítima de
    Além de ser vítima de injustiças, está brasileira morreu sem ver os criminosos, todos conhecidos, presos pelos crimes que cometeram. Melhor teria ela feito se os matasse antes de morrer?

  4. Segue em paz companheira

    Em 1983 trabalhei como pesquisador e estagiário no Arquivo do Estado de São, nesta época ainda localizado na Rua Dona Antonia de Queiróz, uma travessa entre as rua Augusta e a rua da Consolação, Era um prédio antigo, um tecelagem do final do séc. XIX e início do XX. O Diretor do Arquivo era o prof. dr. José Sebastião Witter e Inês Etienne Romeu a vice-diretora. Achava sempre interessante aquela mulher altiva, decidida, sempre disponível e  atenciosa. Foi em uma tarde de quarta-feira em que discutíamos as questões relacionadas ao “futuro políitico do Brasil” que o Guilherme, amigo nosso e estudande de geografia (eu aluno da História) tocou no assunto da tortura. Os demais colegas fizeram referência à Inês. Honestamente, eu jamais pensaria que aquela mulher era a pessoa que eu havia lido ser vítima de atrocidades cometidas por “seres humanos” que sob o pretexto da “luta contra a subversão”, na verdade como todos eles, um bando de canalhas que só queriam saber do dinheiro das expropriações; um bando de psicopatas e doentes que, de dia torturavam e de noite eram “verdadeiros cordeirinhos” de suas mulheres que deles faziam gato e sapato. A companheira Inês que resistiu a casa de todos os horrores, que resistiu a atos perpretados por desequilibrados e drogados, que resistiu ao inferno… Ali estava! Tranquila, trabalhadora e zelando pelo patrimônio público. Sorriso franco e aberto! Algumas vezes coincidiu de eu almoçar em uma padaria de nome Paquistão (cujo dono era um português) e ver Inês sair, após almoçar, possivelmente com canalhas ainda a lhe vigiar, No entanto, o que mais me marcou foi sua frase, já no ano de 1984, quando evidenciou-se a derrota das eleições diretas em uma campanha nacional. Ao ver a foto de Ulisses Guimarães ela disse “este é o meu candidato, o velho dr, Ulisses!”. Eu, nos arroubos da juventude petista, por mais que a frase de desaprovação viesse a minha boca, olhando a altivez daquela mulher! Sorri! Aprendendo o que é respeito ao pensamento do outro, Hoje quando vejo esse bando de “trolls”, de idiotas que não sabem o que é uma pacanda de tortura, que acham que os militares são “seres iluminados pelo espítio santo” e não entendem que foi durante este período que os “malufs da vida prosperam” digo apenas: ” Ave nave, segue companheira! Vai iluminar o caminho dos infelizes que te fizeram sofrer”! Tu és um exemplo, embora teu nome não esteja nos livros didáticos de história do Brasil! Você me ensinou, com atitudes concretas e sérias, que não há outro caminho honesto que não seja aquele aberto por nossas mãos! Segue companheira, segue em paz!

    1. Ao querido Wellington, sobre nossa querida Inês!

      Oi Wellington, talvez vc não se lembre de mim e eu tb estou tentando lembrar de você. Mas provavelmente trabalhamos juntos no mesmo período no Arquivo do Estado. Também fiz história e fiz parte da equipe de pesquisadores sobre os 50 anos da USP. Desculpe-me escrever depois de um ano, nem sei se essa mensagem vai chegar a você. Mas me emocionei com o seu depoimento e sempre penso na Inês. 

      Escrevo porque justamente hoje enviei o seguinte e-mail para minha lista:

      Querid@s,

      Divulgo, a pedido da Adriana, supervisora do educativo do Arquivo Histórico de São Paulo, evento da Comissão de Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, a se realizar no dia 27/04, às 19 hs, que vai homenagear a ex-presa política e que faleceu no ano passado, Inês Etienne Romeu, que apesar de ter sido a única sobrevivente da chamada Casa da Morte e ter sofrido todo tipo de tortura no regime militar, sempre continuou lutando contra a opressão e as formas de ditaduras e violências que persistem em nosso país.

      Pessoalmente, tive o privilégio de trabalhar durante um ano com a Inês, em 1984, no Arquivo do Estado de São Paulo, quando da pesquisa 50 anos de USP.
      Uma homenagem justa para manter a memória de uma grande lutadora, sobretudo nesse momento que estamos revivendo retrocessos e tentativa de golpe à nossa tão jovem e duramente conquistada democracia.
      Se puderem, prestigiem e divulguem!

      obrigada,

      Bel

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