MPF cobra ações da Sesai sobre prevenção ao coronavírus nos territórios indígenas

Medida foi tomada após reportagem da agência Amazônia Real revelar que as organizações indígenas estão tomando providências para impedir a disseminação da doença nas aldeias

Povos indígenas Yanomami se reúnem com xamãs para tomar medidas contra a doença respiratória. O território deles fica entre os estados do Amazonas e Roraima. | Foto: Hutukara Associação Yanomami

da Amazônia Real 

Ministério Público cobra ações da Sesai sobre prevenção ao coronavírus nos territórios indígenas

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Manaus (AM) – O Ministério Público Federal (MPF) instaurou na segunda-feira (16) um procedimento para apurar as medidas que estão sendo implementadas pelas instituições de saúde, entre elas a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde. O objetivo é prevenir a disseminação do coronavírus (Covid-19) entre os povos indígenas e comunidades tradicionais, que incluem ribeirinhos e quilombolas, no estado do Amazonas.

A decisão, de acordo com o MPF, é para garantir o tratamento adequado as populações, inclusive os indígenas Warao, que são refugiados venezuelanos e vivem em abrigos da capital amazonense. Os órgãos de saúde terão cinco dias para se pronunciar.

Conforme a agência Amazônia Real publicou neste domingo (15), a Sesai não tinha divulgado medidas e nem anunciou investimentos para prevenir a disseminação da doença respiratória Covid-19 nas terras indígenas do Brasil, onde vivem povos reconhecidos pela saúde pública como vulneráveis e de imunidade baixa.

No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que está em curso no mundo uma pandemia do novo coronavírus. Não há registro da doenças respiratório na população indígena do Brasil.

Em nota enviada à reportagem, o MPF disse que encaminhou ofícios aos seguintes órgãos: Ministério da Saúde, Sesai, Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Palmares, Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam) e Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema).

O documento cobra “informações sobre medidas preventivas quanto à disseminação do coronavírus entre povos indígenas e comunidades tradicionais no Amazonas, adotadas para garantir o acesso à informação e à implementação de protocolo de prevenção da doença pelos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais (ribeirinhas, extrativistas) no estado do Amazonas”. E além disso, informações sobre medidas visando a notificação e tratamento adequado de casos suspeitos ou diagnosticados entre os grupos.

O que diz o Ministério da Saúde?

Nesta terça-feira (17), o Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informaram à imprensa que elaboraram o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (Covid-19) em Povos Indígenas. Uma versão eletrônica preliminar foi enviada na sexta-feira (13) aos 34 Distritos Especiais Indígenas (Dsei’s) e às Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios. Na ocasião, a Sesai não divulgou o documento à Amazônia Real.

O documento do plano de contingência para os indígenas foi disponibilizado para colaboradores, gestores, indígenas e público em geral no site: www.saude.gov.br/saude-indigena.

Segundo a Sesai, o plano de contingência foi preparado em conjunto com o Centro de Operações de Emergência (COE) do Ministério da Saúde e estabelece procedimentos para o atendimento aos indígenas “que eventualmente sejam atingidos pelo coronavírus”. A nota enviada à reportagem também diz que “os documentos ainda indicam ações que incluem a priorização de pacientes com sintomas do coronavírus, a recomendação à Funai de aumento da restrição de acesso de pessoas a territórios indígenas e o fluxo de atendimento a pacientes com a doença na rede pública de saúde”.

Em entrevista à Amazônia Real, o médico sanitarista Douglas Rodrigues, do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), disse que teve acesso ao documento preliminar do plano de contingência nacional e infecção do novo coronavírus da Sesai. Para ele, “o documento é geral, faz determinação aos Distritos no plano geral”, mas “não há nada de muito concreto”.

Para Douglas Rodrigues, os distritos têm poucas capacidades técnicas de fazerem um plano de contingência sozinhos. “Precisarão de ajuda”, disse o médico.

“A Sesai pressupõe que os distritos tenham condições de fazer seus planos. Mas ela não detalha: ‘garantir que os distritos mantenham seus insumos’. Mas garantir de que forma? Garantir de que maneira, se os distritos não podem comprar seus insumos e medicamentos”, afirma o médico sanitarista, que trabalhou por mais de 50 anos com os povos do Parque Nacional do Xingu.

Medidas por conta própria

Apib adiou o Acampamento Terra Livre, em Brasília. | Foto: Yanahin matala Waurá/Amazônia Real/2018

No Brasil, a Sesai atende uma população de 760.350 indígenas através de 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei). Na Amazônia Legal, são 25 Dsei’s que dão assistência para uma população de 433.363 pessoas. Até o momento não há registro de casos suspeitos de coronavírus na população indígenas brasileiras.

Anteriormente, a Sesai informou que o Ministério da Saúde vai contratar 5.811 médicos brasileiros para reforçar o atendimento à população durante a pandemia do coronavírus. Alguns desses profissionais irão atender “19 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei´s) ”, disse o Ministério da Saúde.

Cientes sobre a precariedade das ações da Sesai, principalmente em regiões remotas e de difícil acesso da Amazônia, onde vivem povos isolados, as organizações mais importantes do Movimento Indígena Nacional tomaram medidas, por conta própria, para impedir o avanço do coronavírus nas aldeias.

16º Acampamento Terra Livre (ATL), evento que reúne todos os anos, no mês de abril, milhares de indígenas de várias etnias, em Brasília, foi adiado por tempo indeterminado.

A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) suspendeu o ingresso de pessoas não-indígenas a terras indígenas do Alto Rio Negro, localizadas entre os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos, no noroeste do estado do Amazonas, na fronteira com a Colômbia e Venezuela.

Questionado pela reportagem sobre o acompanhamento da situação junto aos indígenas, o MPF informou que só participa presencialmente das reuniões e assembleias dos povos indígenas quando é convidado, “pois são espaços independentes de exercícios da autonomia dos indígenas. De toda forma, acompanha as deliberações dos movimentos indígenas por meio de contato com lideranças, reuniões e informes encaminhados pelas entidades”, diz a nota.

Especificamente sobre as medidas que as organizações indígenas tomaram para prevenir nas aldeias o novo coronavírus, o MPF disse que recebeu comunicado oficial da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) sobre o cancelamento do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, e que inclusive o anexou ao procedimento.

O MPF informou que esteve reunido com indígenas Tenharim recentemente. “Eles disseram não ter recebido nenhum esclarecimento até o momento sobre como atuar frente à emergência provocada pela pandemia”, informou. O território tradicional dos Tenharim fica no sul do Estado do Amazonas, nos municípios de Humaitá e Manicoré, em uma região de forte pressão de desmatamento e trânsito de pessoas não-indígenas.

O que dizem os órgãos notificados pelo MPF?

Assistência de saúde é precária na Terra Indigena Vale do Javari, no Amazonas. | Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam) disse que não foi notificada pelo MPF e acrescentou que “o Ministério da Saúde elaborou um Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (Covid-19) em Povos Indígenas”. Portanto, sugeriu que a reportagem procurasse a Sesai, o que já fizemos anteriormente.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema), informou que criou uma Portaria Emergencial onde suspende por tempo indeterminado e revoga autorizações já expedidas para a realização de eventos, filmes, visitas e pesquisas nas 42 Unidades de Conservação Estaduais. Além disso, suspendeu as reuniões presenciais de conselhos, reuniões comunitárias, encontro de gestores, realizados pela Secretaria, a participação de servidores e colaboradores em eventos de qualquer natureza ou em viagens intermunicipais. Segundo a assessoria, a medida, que deve ser publicada na próxima edição do Diário Oficial do Estado (DOE), “atende a recomendação do Ministério da Saúde e do Governo do Amazonas, para evitar aglomerações, preservar a saúde das populações – tanto na capital, como no interior do Estado – e conter a propagação do novo Covid-19”.

A assessoria de imprensa do Incra respondeu dizendo que não foi notificada pelo MPF. Sobre a prevenção e combate ao novo coronavírus, o órgão disse que “em áreas de assentamento, de regularização fundiária, terras quilombolas, indígenas, entre outras, cabe ao Ministério da Saúde a coordenação e o acompanhamento das ações, em articulação com as secretarias estaduais e municipais de e a Funasa – embora essa autarquia esteja atenta às diretrizes superiores do Governo Federal a respeito do assunto”.

Já a Fundação Nacional do Índio (Funai), através da assessoria de imprensa, respondeu que “demandas relacionadas a questões judiciais devem ser encaminhadas para a Advocacia-Geral da União, responsável pela representação dos órgãos do Poder Executivo Federal no âmbito judicial”.

Questionada, a assessoria de imprensa do MPF explicou à reportagem que os órgãos foram oficiados e comunicados por correio eletrônico sobre o procedimento, mas o documento oficial será entregue pelos Correios e depende do prazo de entrega. “Somente quando eles receberem a notificação, vai passar a valer o prazo de cinco dias para resposta”, explicou.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Palmares não responderam às perguntas da reportagem sobre as medidas que devem tomar para combater o coronavírus.

Restrição na fronteira de Roraima

Assembleia das Lideranças do Conselho Indígena de Roraima. | Foto: CIR

Nesta segunda-feira (16), outras organizações indígenas se manifestaram com relação a medidas para combater a disseminação do coronavírus nas aldeias. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) divulgou nota produzida durante a 49ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, que aconteceu na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Segundo a nota, eventos estão suspensos até que as instituições competentes de saúde do país declarem que a população brasileira está fora do risco de contaminação.

“Recomendamos aos Tuxauas e demais lideranças evitar receber visitas em suas comunidades e terras indígenas de pessoas provenientes de outros estados da Federação do Brasil e países como a Venezuela, Guiana e de locais de casos da doença que foram confirmados”, diz a nota. Leia nota na íntegra.

Uma das preocupações do CIR, neste momento, é com a disseminação de informações falsas e pânico entre os indígenas. “As pessoas estão muito assustadas. A Sesai ainda não falou nada com a gente. Cada caso precisa ser analisado, temos doenças como dengue, malária e a gripe comum nas nossas terras. Precisamos que o Estado se mobilize para ajudar, mas já temos um procedimento padrão de atendimento em saúde dentro das comunidades”, explica Edinho Batista Macuxi, vice coordenador do CIR.

“Não podemos adoecer as pessoas antes da doença propriamente dita chegar. Por isso, estamos tomando cuidado com a propagação de informações falsas para não adoecer ninguém psicologicamente. Além disso, é importante pensar numa maneira de dar atendimento aos indígenas considerando que ir aos hospitais, onde já tem pessoas doentes, pode agravar ainda mais a situação de quem busca assistência”, acrescenta Edinho Macuxi.

Efeito negativo de Bolsonaro

Governo do DF suspendeu aulas para evitar ampliação de casos do novo coronavírus. | Foto: Marcelo Camargo/ABr/2020

As críticas que o presidente da República, Jair Bolsonaro, vem fazendo sobre a repercussão da pandemia do novo coronavírus no Brasil, definindo como ‘histeria’, preocupam as lideranças indígenas.

Uma das declarações do presidente do Brasil desclassifica o potencial de disseminação da doença respiratória. “Tivemos vírus muito mais graves que não provocaram essa histeria. Certamente tem um interesse econômico nisso. Em 2009 teve um vírus também e não chegou nem perto disso. Mas era o PT no governo aqui e os democratas nos Estados Unidos”, disse Bolsonaro.

Segundo a secretária-executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a socióloga Cláudia Baré, existem indígenas que não estão tratando a questão com a gravidade que merece devido as declarações do presidente. “Estamos muito preocupados com a desinformação e com a pouca importância que o presidente Bolsonaro tem dado a situação. Isso não é brincadeira”, disse à Amazônia Real.

A Coiab suspendeu toda a sua agenda por tempo indeterminado ou até as autoridades declararem que a situação está sob controle.

Palestra sobre coronavírus em escola municipal de Manaus. | Foto: Marcio James/Semcom

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a contaminação pelo Covid-19 se espalha de maneira semelhante à gripe, pelo ar após a tosse, coriza e a liberação de gotículas de quem está infectado.

Os sintomas são: febre, tosse, coriza e dificuldade para respirar. Pessoas com mais de 50 anos de idade estão mais vulneráveis, principalmente os idosos.

Quem está com o sistema imunológico debilitado e possui doenças crônicas, como as cardiovasculares, diabetes ou infecções pulmonares também pode adoecer gravemente.

Medidas como fazer uma quarentena voluntária em casa tem sido a melhor forma de combater a doença no mundo.

Redação

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