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  1. Voz de mágoa de Dori se espraia em CD por trilhas e trilhos do B
    Segunda-feira, 03/04/2017, às 11:47, por Mauro Ferreira

    Voz de mágoa de Dori se espraia em CD por trilhas e trilhos do Brasil rural


    O subtítulo de Voz de mágoa – álbum de Dori Caymmi editado via Acari Records – está escrito entre parênteses na capa, como se fosse informação secundária, mas este subtítulo, Música do Brasil, diz muito mais sobre o cancioneiro deste nacionalista cantor, compositor e violonista carioca, descendente da linhagem vocal e musical de um certo Dorival Caymmi (1914 –  2008), do que se possa supor. Assim como os álbuns antecessores Poesia musicada (2011) e Setenta anos (2014), Voz de mágoa se baseia na obra criada por Dori a partir da escrita fina do compositor carioca Paulo César Pinheiro, de quem o parceiro musicou 13 poemas que geraram 13 das 16 composições que compõem o repertório autoral deste disco produzido e arranjado pelo próprio Dori.

    Como o universo da poesia imagética de Pinheiro gravita basicamente em torno do chamado Brasil profundo, ambientado em universo rural cortado por matas, ventos, rios e mares que correm no próprio tempo, longe das urgências urbanas, Voz de mágoa já dá alguns sinais de repetição ao longo do repertório, ainda que haja muita beleza neste cancioneiro gravado por Dori somente com o próprio violão, tal como no álbum Setenta anos. É um risco natural corrido por compositor de produção compulsiva que, desde 2009, ano do esplêndido disco Mundo de dentro, já lançou cinco álbuns nos últimos oito anos com repertório inteiramente autoral, em grande parte composto com Paulo César Pinheiro, parceiro desde 1969, ano em que os amigos fizeram Evangelho, música que seria lançada em disco por Dori em 1972. Portanto, Voz de mágoa celebra 45 anos da primeira gravação dessa parceria afinada.

    A dupla de compositores soa mais surpreendente no samba-canção Disco, na (sutil) estilização de repente feita em Sombra e até mesmo em Padroeiro, samba que retrata a cidade do Rio de Janeiro (RJ) manchada com o vermelho do sangue jorrado cotidianamente na paisagem violenta e que de certa forma é sequência de outro samba da dupla de temática similar, Saudade do Rio (1998), lançado na voz da mana Nana Caymmi (em Padroeiro, o violão geralmente autossuficiente de Dori não supre a falta da percussão, por mais que ele seja violonista herdeiro do toque de Dorival, mais buliçoso). Como Nana, aliás, Dori herdou do pai um canto profundo que remete aos graves de Dorival, de quem o filho do meio emula com mais sobriedade o gênero canção praieira em Manhã de pescaria. Já maturado, o canto de Dori valoriza e adensa canções e toadas afins como Água do mar, Bico de pena, Mina d’água, Mudança de lua e Preta Velha.

    Dois títulos desse cancioneiro ambientado no Brasil rural, Viver na fazenda e a música-título Voz de mágoa, já foram apresentados por Maria Bethânia no show Abraçar e agradecer (2015) e gravados pela cantora no CD e DVD de 2016 que perpetuam a gravação ao vivo do espetáculo comemorativo dos 50 anos da intérprete. A primeira soa mais bela na voz de Bethânia. Já Voz de mágoa encontra em Dori o intérprete ideal pelo tom lamentoso impresso no canto (e na alma) do artista.

    Fora do universo poético de Paulo César Pinheiro, o álbum Voz de mágoa navega alto quando mergulha em águas lusitanas na canção No coração da procela, música feita por Dori em parceria com o bandolinista Pedro Amorim e letrada por Paulo Frederico. Parceria póstuma de Dori com o escritor baiano Jorge Amado (1912 – 2001), Me levem embora se diferencia por ter letra escrita sob ótica feminina. A canção foi lançada na voz de Ivete Sangalo na trilha sonora do remake da novela Gabriela (TV Globo, 2012), baseado em famoso livro de Amado.

    No fim, Serra do espinhaço – primeira e única parceria de Dori com o letrista mineiro Fernando Brant (1946 – 2013) – reassenta o álbum Voz de mágoa no chão deste Brasil brasileiro. No caso, a canção segue pelo trilho das Geraes, mas a linha deste trem de ferro se cruza sem choque com o trilho poético de Paulo César Pinheiro, poeta deste solo rural banhado por rios e mares dos quais emerge a profunda voz de mágoa de Dori Caymmi, compositor obstinado na construção da trilha sonora de Brasil que resiste em nichos, grotões e neste disco coerente com o nacionalismo do grande artista. (Cotação: * * * 1/2)

    (Crédito da imagem: capa do álbum Voz de mágoa. Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro em foto de Myriam Villas Boas. Projeto gráfico de Gabriel Leite)

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