Não devemos entregar nosso futuro às empresas de tecnologia, por Martin Wolf

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Das empresas mais valiosas do planeta, oito são do setor de tecnologia. Juntas movimentam US$ 4,7 trilhões, o que representa 30% da capitalização de mercado se juntarmos as outras 92 que formam esse grupo de 100 mais valiosas. Martin Wolf lista uma série de dados que colocam essas empresas no ranking, e que precisa nos alertar para algo importante.

Wolf faz uma série de indagações que deveriam ser analisadas. Dentre elas, qual o impacto dos gigantes de tecnologia na mídia? Visto que a mídia é parte vital de uma sociedade livre e democrática, Google e Facebook são os principais protagonistas, mas também abocanham 63% de toda a receita com publicidade digital nos EUA.

E, por fim, as atividades que este setor abarca terão impacto significativo nos mercados de trabalho e, caso a inteligência artificial continue a avançar, sobre nosso lugar no mundo. E o que implicaria? Nosso futuro é muito importante para ser entregue de bandeja para o setor de tecnologia que, mesmo realizando mágicas, ninguém o elegeu como mestre do universo. E, arremata Wolf, as autoridades precisam compreender intelectualmente o que está acontecendo e esse esforço deve começar agora.

Leia o artigo a seguir.

na Folha

Não devemos entregar nosso futuro às empresas de tecnologia

por Martin Wolf

Oito das empresas mais valiosas do planeta operam no setor de tecnologia. A capitalização de mercado combinada dessas companhias é de US$ 4,7 trilhões. Isso representa 30% da capitalização de mercado combinada das outras 92 companhias que formam o grupo de 100 empresas mundiais mais valiosas. Dessas oito companhias, cinco (Apple, Alphabet, Microsoft, Amazon e Facebok) são dos Estados Unidos, duas (Alibaba e Tencent) da China e uma (Samsung) da Coreia do Sul. A empresa de tecnologia europeia com capitalização de mercado mais alta, a SAP, ocupa o 60º posto entre as empresas de maior capitalização no planeta.

O valor de mercado atual dessas empresas pode ser excessivo. Os rankings relativos do mercado também podem se provar incorretos. Além disso, os negócios em que elas estão envolvidas são todos diferentes em aspectos importantes. Mesmo assim, a proeminência conquistada por esses grupos de tecnologia tem de estar nos dizendo algo de importante.

Quais são as questões despertadas por números assim notáveis, portanto? Não responderei com uma consideração dos aspectos econômicos da economia digital em si (por mais interessantes e importantes que sejam), exceto na medida em que eles possam influenciar a economia mais ampla e a sociedade. E nem tomarei por foco os benefícios gerados pelo colapso nos custos da geração e distribuição de informação. Meu foco abaixo são sete desafios mais amplos.

Primeiro, quais são as implicações do notável domínio dos Estados Unidos? Por exemplo, cinco das 10 mais valiosas companhias norte-americanas são do setor de tecnologia, enquanto na Europa não há empresas de tecnologia nessa lista. De fato, a companhia europeia com valor de mercado mais alto é a Royal Dutch Shell. Já a ExxonMobil, sua contraparte norte-americana de valor de mercado mais alto, é apenas a oitava mais valiosa entre as companhias dos Estados Unidos.

A visão otimista pode ser que o que importa é a capacidade de tirar vantagem daquilo que os grupos de tecnologia norte-americanos ou chineses criam. A visão pessimista é a de que, se a economia de um país não estiver no jogo da tecnologia, não participará de maneira algumas dos jogos econômicos do futuro. Suspeito que a segunda visão seja a correta.

Segundo, qual é o embasamento econômico dessas avaliações tão extraordinárias? A resposta deve ser: o monopólio. Em 30 de setembro, o valor contábil das ações da Apple era de US$ 134 bilhões, e seu valor de mercado estava próximo dos US$ 900 bilhões. A diferença deve refletir a expectativa de lucros “supranormais” duradouros. Isso talvez não resulte de comportamento maligno, mas de inovação, escopo e economias de escala, o que inclui os efeitos de rede que ajudam a reter clientes. No entanto, apenas um monopólio seria capaz de produzir esses lucros supranormais.

Terceiro, como devemos pensar sobre normas de concorrência para empresas que desfrutam de posições monopolistas tão poderosas? A questão envolve determinar se essas posições são temporárias – como argumentaria o grande economista austríaco Joseph Schumpeter, com sua ideia de “destruição criativa” – ou duradouras. Isso sugere diversas respostas, mas ao menos uma delas parece bem direta. Schumpeter argumentaria que novos ingressantes são uma condição necessária para a erosão desses monopólios temporários,. Se for esse o caso, os gigantes da tecnologia deveriam ser rigorosamente impedidos de adquirir potenciais concorrentes. Isso certamente é anticompetitivo.

Quarto, qual seria o impacto macroeconômico dessas empresas? As contas da Apple oferecem, uma vez mais, um panorama fascinante. Os ativos totais da Apple eram de US$ 375 bilhões em 30 de setembro, mas seus ativos fixos eram de apenas US$ 34 bilhões. O valor dos investimentos em longo prazo da Apple era quase seis vezes mais alto que o de seus ativos fixos. Seu rendimento líquido nos 12 meses até 30 de setembro também era quase 40% mais alto do que os seus ativos fixos totais. Essa empresa evidentemente não tem maneira lucrativa de investir seus imensos lucros em seus próprios negócios. Ela se tornou um fundo de investimento anexo a uma máquina de inovação, e portanto representa um buraco negro para a demanda agregada. A ideia de que reduzir a alíquota dos impostos pagos pelas empresas resultaria em maior investimento em negócios como esse é ridícula.

Quinto, de que maneira negócios como esse deveriam ser tributados? Um aspecto da resposta a essa questão é que um imposto empresarial bem concebido deveria incidir sobre os monopólios rentistas. Uma maneira de fazê-lo seria classificar investimentos como despesas e elevar, não reduzir, a alíquota dos impostos empresariais. Outro aspecto, igualmente importante, seria reconhecer que impostos territoriais são inescapavelmente defeituosos na tributação de empresas mundiais de tecnologia, já que o local de sua produção é tão difícil de definir. A incapacidade de tributar as empresas de tecnologia de maneira que se equipare à tributação de seus concorrentes territoriais cria uma imensa distorção econômica.

Sexto, como devemos pensar sobre o impacto dos gigantes da tecnologia na mídia? A mídia não é apenas um negócio, mas um elemento vital em uma sociedade livre e democrática. Nesse aspecto, Google e Facebook são os principais protagonistas. Em 2017, essas duas empresas devem abocanhar 63% de toda a receita com publicidade digital nos Estados Unidos, e esse ramo da publicidade vem elevando sua proporção no faturamento publicitário total.

Mas esses negócios imensamente lucrativos operam como parasitas dos investimentos alheios na coleta de informações. No limite, se tornarão disseminadores altamente eficientes de não informação. Isso se vincula a ainda outro ponto: como agora sabemos, eles podem ser usados por pessoas mal intencionadas para a deliberada disseminação de falsidades perigosas. Esses fatos suscitam questões graves.

Por fim, as atividades em que o setor de tecnologia agora se engaja —aquilo que Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson definem como “máquina, plataforma, crowd (multidão)”— terão imenso impacto sobre os nossos mercados de trabalho e, se a inteligência artificial continuar a avançar, sobre o nosso lugar no mundo.

Quais são as implicações? São de que o nosso futuro é importante demais para ser completamente entregue ao setor de tecnologia. Este realizou coisas mágicas. Mas ninguém o elegeu como mestre do universo. As autoridades precisam compreender intelectualmente o que está acontecendo. E a hora de começar esse esforço é agora.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Talvez por limitação de espaço que tenha sido dado ………….

    Talvez por limitação de espaço que tenha sido dado ao jornalista que escreveu a matéria, ele tangenciou determinados assuntos e omitiu outros.

    O ponto central de toda esta discussão é quanto valem na realidade estas empresas, e a que ponto que de uma hora para outra elas podem terminar valendo nada.

    Vamos falar do Facebook, por exemplo, é uma das empresas que na bolsa vale muito mais na realidade este valor pode ser reduzido a zero num intervalo de dois ou três anos. A base da empresa está num PROGRAMA (vou usar uma notação antiga, porque dá mais sentido ao desenvolvimento do raciocínio) que na realidade não serve muito bem para a imensa maioria de aplicações que a pessoa utiliza, por exemplo, não há nenhuma forma de referência que se possa encontrar opiniões antigas de quem escreveu. Sobre este programa adicionou-se a possibilidade de agregar propagandas que ficam misturadas com os conteúdos tornando tudo meio cinza para o leitor. Caso venha alguém com capacidade de lançar outro programa que supere o Facebook e que faça uma bela propaganda na mídia as pessoas do Facebook, principalmente os recém-chegados em três anos ficarão somente velhinhos que demoraram muito para apreender a usar o Facebook.

  2. Já entregamos e faz uns 15

    Já entregamos e faz uns 15 anos. Só da ´para reverter no médio e longo prazo.

    No momento não há nem sinalização de que podemos reverter este quadro cruel. Nem a nível do setor privado nacional

    que é inepto e vive com a cabeça na bolha da narativa do mercado financeiro, muito menos governamental.

    A solução tera que vir de fora do sistema.

     

  3. não….

    Tudo isto nos EUA. Por Empresas que representam seus interesses. Imagina no Brasil? Mas por aqui nossa Esquerdopatia continua tentando liquidar a RGT. Estão tentando matar o cachorro já morto. Construir um futuro amarrados ao passado. Acorda Elite do Atraso e leiam a matéria. A nova RGT é internet. E a serpente já está entre nós. E novamente fizemos de tudo, inclusive dando apoio e financiando, para ter a peçonha entre nós. A nossa inocência e indescritível.  . 

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