NÃO É POSSÍVEL FICAR CALADA

O texto que eu reproduzo abaixo não é de minha autoria e é longo, mas vale a pena perder três ou quatro minutos para lê-lo. Uma análise séria e ponderada, de uma antiga militante pelas liberdades democráticas que vinha se mantendo calada até aqui, mas que percebeu que é momento de todos se posicionarem. Omissão, hoje, é quase covardia e poderá trazer consequências graves para esta e para as próximas gerações.

NÃO É POSSÍVEL FICAR CALADA

Maria da Graça Pinto Bulhões*

A realidade é mais complexa do que a luta do bem contra o mal, pregada pelas religiões e os maniqueísmos em geral. Mas é difícil entender o que é complexo, pois a dúvida nos assalta muitas vezes. E nada é mais confortável do que as certezas e nada mais desestabilizador do que as dúvidas.
 

POR UM LADO
 

Durante muitos anos, tenho feito duras críticas ao PT. Todas elas se relacionam, no essencial, à falta de uma postura democrática de respeito às demais forças políticas, as quais sempre foram criticadas pelo PT por não terem vontade política de fazer do Brasil um país socialmente justo.
Quando alguém argumentava que havia um contexto internacional e uma correlação de forças interna a serem avaliados para se entender os limites dos avanços progressistas no país, a resposta era sempre de que as lideranças dos outros partidos não tinham vontade política de mudar a realidade. O PT se apresentou, durante muito tempo, como o único partido que iria fazer tudo diferente, não iria administrar o capitalismo e sim mudar a estrutura da sociedade brasileira. E os partidos políticos que concordassem com seu programa poderiam segui-lo na travessia, muito mais como seguidores do que como pares.
No discurso do PT por muitos anos, Getúlio Vargas, Jango e Brizola haviam sido simples lideranças populistas, que não contribuíram para as mudanças no país, e o Partido Comunista Brasileiro havia traído a classe trabalhadora, se aliando a uma burguesia nacional que, na verdade, era entreguista. O PT faria tudo diferente, porque tinha vontade política. Eleito para governar o país, o PT reconheceu que havia o contexto internacional e uma correlação de forças interna muito desigual para que fosse feita boa parte das mudanças prometidas. Conheço várias pessoas que acreditaram neste discurso de assalto ao paraíso, apoiaram o PT com entusiasmo e hoje o combatem com veemência ainda maior, indo da ilusão à total desilusão.
Não apenas muitas das mudanças prometidas não puderam ser realizadas, como o PT considerou que seria preciso, para implementar seu projeto para o Brasil, jogar o jogo das velhas raposas políticas que sempre governaram o país no atual sistema político. Para ter governabilidade, com os votos necessários no Congresso Nacional, foi feita uma política de balcão, comprando, literalmente, os aliados. E para financiar as campanhas, com propagandas e viagens por todo o país, entre outros gastos, buscaram os fundos em grandes empresas, como é a tradição para todos os partidos políticos no Brasil. Nesta negociata, é claro, os operadores das transações financeiras tiram sua parte e muitos petistas enriqueceram. E cresceu também o patrimônio de quadros do PT que tiveram acesso a cargos e se acostumaram a usar as mordomias do poder em proveito próprio, prática antiga também de quadros de outros partidos que foram governo. O PT deixou de ser o partido mobilizador da militância e passou a ser uma máquina política muito semelhante à dos demais partidos.
Ao mesmo tempo, porém, os governos petistas realizaram um processo de inserção social no país cujo indicador maior, que sintetiza muitos outros, foi a retirada do Brasil do mapa mundial da fome, fato reconhecido mundialmente, permitindo que uma população da mesma dimensão da população da Bélgica passasse a participar do consumo de bens que foram da possibilidade de alimentação diária ao acesso à Universidade. Na Universidade, a participação percentual da população negra cresceu de forma inédita e a participação da população de mais baixa renda foi garantida com um amplo financiamento público. Inegavelmente, o PT priorizou a questão social, com uma política de valorização do salário mínimo e com políticas públicas para atender a população em piores condições sócio-econômicas.

 

POR OUTRO LADO
 

Quando era governo, o partido que polarizou com o PT em termos de projetos para o Brasil, o PSDB, levou à frente uma política de estabilização da economia, que foi mantida em suas linhas mais gerais pelo governo petista; organizou políticas públicas necessárias para a melhoria dos serviços básicos à população, como por exemplo, na educação, o sistema nacional de avaliação das redes escolares de ensino fundamental e médio, mantido no fundamental pelos governos petistas; criou em várias destas políticas conselhos com a participação dos segmentos sociais envolvidos, bem como criou critérios para a distribuição dos recursos das políticas sociais entre os estados da federação, independente do partido no governo, diferentemente do que tradicionalmente ocorria no país; criou também um fundo nacional com recursos nacionais, estaduais e municipais para a manutenção do ensino fundamental, distribuindo-os democraticamente de forma proporcional ao número de matrículas públicas de cada município.
Enfim, os governos do PSDB buscaram organizar um estado mais moderno e democrático na distribuição dos recursos públicos, no que se refere às políticas sociais. Sempre defendendo a democracia em seu discurso, os governos do PSDB não foram capazes, no entanto, de realizar a inserção social que os governos petistas fizeram. E, em termos de práticas de financiamento de campanhas e de compra dos votos necessários à aprovação de suas políticas, dançaram a dança vigente, sob um manto de silêncio em relação às negociatas com dinheiro público. O mensalão mineiro do PSDB foi pioneiro. As acusações em relação partido foram várias. O jornalista Paulo Francis foi processado por ter afirmado a existência de roubo na Petrobrás durante o governo do PSDB. E o Procurador Geral da República era chamado de engavetador geral da república, pois nada era investigado, como se nada houvesse a investigar.
O PT na oposição era criticado pelo PSDB, pois sua postura era de “ quanto pior melhor” e de criticar tudo que fosse feito como muito pouco e insuficiente, e até como algo feito só para iludir o povo. Frente ao governo do PT, no entanto, o PSDB passou, na condição de oposição, a apostar no quanto pior melhor, rejeitando, no Parlamento, propostas que o próprio partido havia defendido, mesmo que esta rejeição prejudicasse a situação do país. O PSDB aliou-se a figuras como o Eduardo Cunha, comprovadamente corrupto e não merecedor de respeito por sua forma de atuação mafiosa na Câmara Federal, para desgastar o governo Dilma.
Derrotado nas últimas eleições, O PSDB passou a buscar o poder pelo caminho à disposição, jogando fora, na prática, seu discurso democrático. Vale tudo para chegar ao poder, ou é através de processo relativo a práticas orçamentárias do governo Dilma, ou é por processo relativo a contas de campanha. Como se as mesmas práticas orçamentárias não tivessem sido usadas antes ou se as campanhas do PSDB fossem isentas de contribuições duvidosas.
Não obtendo vitória e com pressa, o PSDB, com o apoio da rede Globo e demais empresas de mídia corporativa, que cresceram na sombra e apoiando a ditadura militar, passou a contar com aliados não apenas de direita, mas golpistas, como setores do Judiciário e lideranças do quilate de Bolsonaro. Onde ficou o PSDB que sempre defendeu a democracia como caminho? Quer depor a presidente Dilma de qualquer forma. Incentiva procuradores federais imbuídos do espírito jacobino a prenderem Lula, para acabarem com suas possibilidades de concorrer à presidência em 2018. Usam contra Lula acusações menores do que as que se pode fazer a lideranças do PSDB como, por exemplo, Aécio Neves, entre outras. Como se favores não tivessem sido feitos a Fernando Henrique Cardoso por grandes empresas, como ocorreu, por exemplo, com o Instituto criado por FHC com contribuições empresariais. Como se sobre os processos de privatização realizados por governos do PSDB não pairassem denúncias de enriquecimentos ilícitos. E para todo este ataque, o PSDB conta com o quarto poder no Brasil: a grande imprensa e principalmente a rede Globo.

 

CONCLUSÃO
 

Frente a tanto desespero, a conclusão que me fica é só uma: o PSDB não tem candidato para 2018 e quer impedir que o PT tenha. Nada democrático. Negação total do discurso que o partido fez durante tantos anos. Coerente com seu discurso seria o PSDB vencer Lula e o PT por suas propostas e práticas de governo, por seus acertos e não pela tentativa de aniquilação da história das lideranças adversárias, como tantas vezes estas mesmas lideranças tentaram fazer com o PSDB, ainda que sem contar com o poder da grande mídia e de setor do Judiciário.
Lula não é santo e os petistas não são santos, eles jogaram o jogo dos financiamentos eleitorais e partidários e das benesses do poder que as velhas raposas políticas sempre jogaram no Brasil e sujaram as mãos no meio do jogo. Mas o PSDB, sem falar nos partidos que já roubavam há muito mais tempo, também não é santo, por mais que a grande imprensa e o poder judiciário teimem em silenciar sobre suas lideranças, pelo menos as vivas. Só alguém muito ingênuo ou mal-intencionado para afirmar que sobre lideranças do PSDB não existem suspeitas e denúncias relativas às mesmas práticas de que acusam o PT.
Como ficam as pessoas que vêm criticamente o PT e o PSDB, além dos demais partidos, neste momento? Escondidas em casa? Não. A geração que atravessou anos muito duros durante a ditadura e lutou por um Brasil socialmente mais justo e democrático não consegue ficar calada agora. De tudo o que avançamos, duas coisas são fundamentais: o respeito às regras do jogo democrático e a justiça social.
Por isto, neste momento, partidos e lideranças que querem romper o jogo democrático, criar o caos e dar golpe político em lideranças eleitas pelo voto, mesmo que estas tenham uma avaliação majoritariamente negativa de seu governo, não me representam. Forças políticas golpistas precisam ser contidas e não apoiadas.
O que precisamos, neste momento, é a manutenção da democracia, com o respeito aos direitos individuais, sem figuras salvadoras da pátria e sim com lideranças políticas de diferentes partidos que sejam capazes de colocar os seus interesses e os de seus partidos abaixo dos interesses maiores do país e de seu povo. Precisamos renovar as regras do jogo político e fazer as reformas urgentes e fundamentais para que o Brasil retome seu crescimento com distribuição da riqueza e democracia. Sem esta depuração política, só ganham os que estão confortáveis com a situação hoje vivida pelo país que, como historicamente ocorreu, são poucos.
À ampla maioria da população, interessa a manutenção da democracia, o desenvolvimento do país e a justiça social.

* Socióloga e docente aposentada da UFRGS.

Redação

1 Comentário

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  1. Maria da Graça, parabéns pelo

    Maria da Graça, parabéns pelo texto. A sociedade brasileira não forjou, ainda, lideranças e projetos de Nação com capacidade de atender os 204 milhões de habitantes. A maioria da população é órfã da verdadeira cidadania. Devemos avançar no caminho da democracia, construir e aprimorar formas de participação social para que os brasileiros tenham condições sociais, econômicas, culturais e ambientais para assumirem como protagonistas o seu destino. O conflito é válido, mas deve ser articulado dentro das normas democráticas. Textos como o seu, são uma demonstração que o jogo democrático não pode ser rompido e novas formas de convívio devem ser buscadas para atenderem aos interesses da maioria do povo brasileiro e fortalecer a Nação. Incentivar a luta fratricida, a destruição da biodiversidade, a concentração de renda e riqueza, desrespeitar os povos indígenas, matar os jovens negros, manter a mulher como cidadã de segunda classe, não garantir a infraestrutura básica e a mobilidades nos grandes centros urbanos é jogar contra o Brasil. Necessitamos construir uma convivência pacífica entre as forças sociais em disputa, elas não necessitam abdicar de seus projetos, mas o PROJETO DE BRASIL terá que se sobrepor aos partidos, facções, tendências e grupos. O Brasil merece e clama pela nossa união.

     

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