“Não vou responder ao GGN”: Lava Jato escondeu da imprensa a cooperação ilegal com EUA e Suíça

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Blog do Nassif aparece em mensagens da Operação Spoofing, em episódio envolvendo ocultação de informações que podem levar à nulidade de acordos firmados na Lava Jato

Jornal GGN – A Lava Jato escondeu da defesa de Lula, do Supremo Tribunal Federal e até mesmo da imprensa – no caso, deste GGN – informações a respeito da cooperação jurídica internacional com ajuda dos Estados Unidos e da Suíça.

Desde o início da investigação, advogados e setores da imprensa levantaram indícios de que havia uma série de irregularidades na relação entre os procuradores brasileiros e autoridades estrangeiras. As suspeitas ganharam outra dimensão a partir de mensagens hackeadas da força-tarefa, apreendidas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Spoofing. Se confirmadas, as ilegalidades podem anular acordos e sentenças proferidas na Lava Jato.

Na última sexta (26), a defesa de Lula, após analisar parte do material da Spoofing, informou ao Supremo da existência de uma mensagem disparada no chat dos procuradores em dezembro de 2016.

No texto, um dos membros da Lava Jato que recebeu uma demanda da redação do GGN sobre cooperação internacional admite que não houve “MLAT” (sigla em inglês para aplicação do tratado de assistência jurídica mútua em matéria penal) no acordo da Odebrecht com participação dos Estados Unidos e da Suíça.

Para impedir que a verdade sobre a cooperação irregular viesse à tona, o procurador decidiu que não iria responder aos questionamentos do GGN.

“Caros, o blog do Nassif está perguntando sobre acordos com os EUA, na linha das perguntas da defesa do Lula. Estou respondendo sucintamente dizendo que seguimos todos os procedimentos”, escreveu o procurador. E continuou: “Porém, isso me alertou que escrevemos no acordo da ODE [Odebrecht] que a divisão [da multa imposta à empreiteira] seria estabelecida conjuntamente pelas autoridades dos três países [Brasil, Suíça e Estados Unidos], sendo que nesse caso não haverá MLAT…”, admitiu.

“Talvez fosse melhor ter escrito diferente [no acordo]”, considerou.

Ao final, depois de pensar sobre o assunto, o procurador decidiu abafar o caso. “Refletindo melhor, não vou responder ao GGN.”

A mensagem confirma, em tese, que a relação da Lava Jato com suíços e estadunidenses se deu “sem a observância do procedimento previsto nos Acordos que o Brasil firmou com tais países (Decretos nºs 3.810/2001 e 6.974/2009)”, defendem os advogados de Lula no STF.

ACORDO TRILATERAL DA ODEBRECHT

A Odebrecht assinou um acordo de leniência de natureza trilateral que implicou no pagamento de 3,8 bilhões de reais em multa. A força-tarefa da Lava Jato, “sem nenhuma autorização”, assumiu neste acordo o papel de representante do Estado brasileiro e acompanhou as negociações com Suíça e Estados Unidos, no intuito de ter papel decisivo na destinação dos recursos em solo nacional.

“É evidente que o documento [acordo trilateral] somente poderia ter sido firmado com a observância dos MLATs e com a adequada representação do Estado brasileiro, como foi apontado pela Defesa Técnica do Reclamante. À toda evidência, o problema não é e jamais foi de ‘redação’ [do acordo, como sugerido pelo procurador no chat], mas, sim, de legalidade para a prática de atos internacionais entre países soberanos“, anotou a defesa de Lula.

DISSIMULAÇÃO PERMANENTE

A força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba sempre negou sua influência sobre a atuação de outros países na Lava Jato, mesmo quando questionada oficialmente pela defesa dos réus, nos autos dos processos, ou por setores da imprensa não alinhados ao lavajatismo, como o GGN.

Em outubro de 2019, por exemplo, por ocasião da produção de uma série documental inédita sobre o papel dos Estados Unidos na Lava Jato, o GGN enviou questionamentos aos procuradores, solicitando detalhes sobre a cooperação internacional no caso da Petrobras.

A força-tarefa negou, mais uma vez, que tivesse registros de informações que deveriam ser públicas ou constar dos autos. E insistiu que “as trocas de informação com autoridades norte-americanas sempre seguiram as balizas legais.”

COOPERAÇÃO IRREGULAR

As mensagens da Operação Spoofing, contudo, mostram que e-mails e chats de Telegram – canais não oficiais – foram usados para comunicação direta – ou seja, à revelia da autoridade central brasileira – entre os procuradores da Lava Jato e agentes estrangeiros em diversas oportunidades, com o intuito de trocar elementos de prova que poderiam ser e foram usados na persecução penal.

“De fato, embora diversas mensagens analisadas tornem indiscutível que essas agências norte-americanas receberam informalmente material da “lava jato” para aplicar penalidades contra brasileiros e empresas brasileiras e
também enviaram informalmente — sob o rótulo de “inteligência” — material para orientar investigações, inclusive contra o Reclamante, não há nos autos dos processos abertos contra este último qualquer documento ou comunicação oficial
sobre essa relação”
, destacou a defesa de Lula.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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