Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Neurogadget que promete sonhos lúcidos é sintoma da cultura dos aplicativos

Um aplicativo que promete para o usuário sonhos lúcidos. É o “Aurora”, criado por uma start up californiana e previsto para ser lançado no segundo semestre desse ano, que promete tornar os sonhos tão produtivos e eficientes que farão a terça parte da vida que passamos dormindo valer a pena. O neurogadget Aurora é um sintoma tanto da cultura atual dos aplicativos que cria nos usuários uma falsa ilusão de racionalidade e planejamento de onde nem os sonhos parecem escapar; e de uma agenda tecnognóstica que une neurociências, ciências computacionais e Inteligência Artificial com o propósito de efetuar a cartografia e topografia da mente com objetivos de manipulação e controle social.

Em postagem anterior discutíamos como o cinema parece antecipar uma espécie de agenda tecnocientífica – sobre isso clique aqui. Dessa vez, os diversos filmes que abordaram o tema dos sonhos lúcidos (Vanilla SkyA OrigemSonhando Acordado, entre outros) parecem ter se antecipado ou inspiraram um aplicativo criado pela IWinks, uma start up de San Diego, nos EUA: o “Aurora”, aplicativo que promete ao usuário criar sonhos lúcidos a partir de um dispositivo que mede as ondas cerebrais e o movimento dos olhos.

O sonho lúcido ocorre no momento em que o sonhador começa a ter uma relação de estranheza com o fluxo dos acontecimentos oníricos e passa a questionar a própria realidade. Consciente que se encontra num sonho, passa então a interferir na lógica onírica. O aplicativo “Aurora” supostamente promete criar essa situação para o usuário a partir do momento em que o dispositivo percebe os movimentos REM e a alteração das ondas cerebrais, enviando jogos de luzes e sons personalizados para o usuário que, sem despertar, perceberá que está num sonho – veja abaixo o video promocional do aplicativo.  

O Aurora é usado com uma fita na cabeça que mede as ondas cerebrais e os movimentos dos olhos, funcionando com uma ligação Bluetooth a uma app para smartphone.

O texto promocional do produto que estará disponível para o mercado em junho desse ano é eloquente: “A ideia de sonho lúcido tem sido perseguida por séculos. Nesse estado tudo é possível: zoom através do espaço, combater dragões cuspidores de fogo ou tornar-se presidente, tudo a partir do conforto e segurança da sua própria cama” – sobre essa notícia clique aqui e aqui.

Assim o neurocientista e engenheiro elétrico co-criador do Aurora, Dany Schoonover, descreve sua experiência com o aplicativo: “Eu vi as luzes e percebi que estava sonhando e, como eu estava caindo, ao invés disso eu comecei a voar”. Para ele, os estudos apontaram uma menor incidência de pesadelos. Com essa possibilidade de controle dos sonhos, o sistema promete melhorar a qualidade do sono: “passamos um terço de nossa vida dormindo. Por que não tirar o máximo proveito desse tempo?”, questiona a IWinks.

Para Schnoover, além da melhora da qualidade do sono e diminuição do stress, haveria uma melhora do desempenho das atividades reais: “ao executar uma tarefa em um sonho lúcido, como jogar basquete ou tocar piano, aumenta sua capacidade de jogar ou tocar na vida real”.

Mas já existem opiniões especializadas críticas ao projeto como a Dra. Rachel Salas, diretora do Centro de Distúrbios do Sono John Hopkins. Para ela o produto apenas explora o fascínio das pessoas pelos sonhos e que o dispositivo nada mais faz do que insuflar ainda mais o problema da insônia.

Pode ser que tudo seja especulação, um mero factoide promocional de uma start up californiana, mas a ideia por trás desse aplicativo é um sintoma não só das transformações atuais da tecnociência mas principalmente da forma como os aplicativos estão invadindo o nosso cotidiano criando uma verdadeira cultura, uma forma de pensar e compreender o mundo a partir do ponto de vista de um usuário de gadgets.

A ciência se transforma em gagdgets e aplicativos

Na pós-modernidade a ciência transformou-se em tecnociência e a tecnologia em gadgets. Filosoficamente isso significa dizer que no passado o desenvolvimento científico era impulsionado por aquilo que podemos chamar de topos projetado, uma consciência inquieta que queria enxergar longe, transpor o estado atual do sonhador para uma utopia futura realizada pela ciência. A ciência era impulsionada por uma ideia de totalização, aspirava a um projeto de planejamento global seja social, urbana etc. Uma invenção como, por exemplo, o automóvel não era uma mera criação de um gadget, mas implicava numa concepção global de organização espacial por meio do planejamento urbano, industrial e de transportes.

Hoje, esse topos projetado está sendo substituído por um logos concêntrico. A tecnologia até continua sofisticada, porém perde o seu caráter de planejamento, totalização e controle. A Ciência abandonou qualquer projeto que aspirava à universalidade, ao planejamento da totalidade global, social ou urbana. Ao assumir a forma de tecnociência, ela privatiza e individualiza seus propósitos. Abandona o macro para concentrar-se no micro: gadgets tecnológicos sofisticadíssimos e prédios inteligentes conectados com velozes fibras óticas enquanto as ruas e o entorno público são dominados pelo caos da poluição, trânsito e lixo.

A tecnologia transforma-se em gadget: as pessoas lidam com sofisticados aparelhos a partir de complexas telas, manipulam telematicamente eventos distantes, perscrutam, vigiam e controlam. Porém, diferente das utopias e distopias de controle e totalização do passado, apenas intervêm pontualmente, fragmentariamente, o que só fomenta o caos e a desordem.

E isso cria uma forma de pensar por gadgets fragmentários: o crime e violência crescem nas cidades? Blinde-se o carro. O trânsito está caótico? Baixe um aplicativo para android como o Waze de mapeamento de trânsito. Você está estressado e já acorda cansado? Compre o neurogadget Aurora? E assim por diante… Dessa maneira os aplicativos e gadgets criam uma falsa sensação de racionalidade, de segurança e planejamento. Suas ações pontuais e circunscritas à esfera privada do usuário renunciam a qualquer busca das causas públicas ou macrosociais da violência, do caos urbano e da péssima qualidade de vida. A ciência converte-se em tecnociência materializada por gadgets de ação pontual, fragmentada e privatizada, acelerando ainda mais o caos e desordem.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

6 Comentários

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  1. É um absurdo que um

    É um absurdo que um aplicativo destes seja lançado sem uma pesquisa séria da medicina. Interferir desta forma no sono tem tudo para ser desastroso e causar sérios problemas de saúde. Recobrar a lucidez durante um sonho não é uma experiência rara, tem explicações científicas e, para quem acredita, espiritualistas. Para algumas pessoas a experiência pode ser agradável, para outras pode ser extremamente desagradável. O fato é que NÃO é saudável brincar com o fenômeno, causa distúrbios no sono e pode ter resultados muito desagradáveis para a saúde. 

  2. teoria da tecnologia

    Não há uma teoria satisfatória para a tecnologia. O estudioso Kevin Kelly criou um conceito chamado Technium segundo qual a tecnologia é a única força restante a guiar a cultura. O próprio capitalismo deverá se render a força da tecnologia. Tecnologia está diretamente ligada a possibilidade de sobrevivencia, os gadgets são subprodutos transitórios da evolução tecnológica.

     

  3. Ilusão do planejamento

    Muito bom artigo, apenas duas observações:

    1- mais por chatice gramatical, acho errado falar em “falsa ilusão”, pois se é ilusão só pode ser falsa.

    2- não diria que esse tipo de projeto tem uma finalidade consciente de controle social; acho que a ilusão de racionalidade e planejamento atinge tanto os usuários quanto os desenvolvedores, é mais um sintoma de uma cultura hiperracionalista e eficientista: os formuladores de estratégias tecnológicas consideram que esse tipo de “autocontrole do inconsciente” é algo desejável, um indicativo de progresso em direção a uma vida isenta de incertezas e inseguranças, como se uma vida assim fosse possível.

  4. que bom

    ####
    Isto é o terror dos que pretendem dominar o mundo, no nível macro, que se esquecem do micro, do individual, do cidadão, da pessoa física, onde mora a problemática e a solucinática,
    Romper as amarras e as dominações dos cérebros é o que todo cidadão quer, e que todos os dominadores, (interesses de multinacionais comerciais, político  ideológicos, e religiosos), não querem, e fazem de tudo, o possível e o impossível, para vetar, proibir, boicotar, para que isto não vingue,
    Desde a hipnose, e ou outros meios, tais como programas de estímulos subliminares,
    E ate mesmo na parte física da coisa, é proibido aos de QI elevado, ou muito elevado acima da media, doarem óvulos e sêmen, para com este material produzir-se em larga escala, o material de maior valor na espécie humana, (inteligência), que são a produção de embriões oriundos de sêmen e óvulos de QI elevados, ou muito elevados acima da media, já que esta qualidade ou característica é recessiva, e só aparece se o embrião receber esta por parte de pai e de mãe, é o famoso (aa) da genética de Mendel,
    Tudo isto é proibido, e nas colônias, (Brasil no meio), compra se legislativos executivos e judiciários e a mídia para que isto não vingue, porque se não como ficam os impérios colonizadores e exploradores de sempre? Eles perdem a famosa boquinha da exploração de sempre, tudo isto é apenas luta pela sobrevivência a la Darwin,
    O bom da coisa é que esta e todas as outras tecnologias irão vencer de uma forma ou de outra, e de forma mais rápida do que a evolução natural, já que elas estão sendo estudadas e implementadas pelas melhores cabeças, e acabarão se impondo,  
    O cidadão tomar posse de sua cabeça, (a dele), sem precisar de salvador e ou de messias, ou coisa parecida realmente é o terror dos dominadores todos,
    E que faturam milhões,
    Os orientais não acreditam em messias e salvador, eles dizem que cada um precisa busca sua maestria, e seu nirvana, e não agirem infantilmente confiando em terceiros que irão “salva-lo” ou “explorá-lo”,
    ####
     

  5. Sonhos lúcidos

    Ha muito anos atras fiz um curso de controle mental do Método Silva. Desde então aprendi a ter sonhos lúcidos. Já cheguei a acordar para atender ao telefone , voltar a dormir e reiniciar o sonho do ponto onde estava. Duas vezes consegui interferir no sonho. Sempre que tenho um pesadelo, eu descarto e troco de sonho, não consigo saber qual será o próximo, mas se não gostar eu cancelo o sonho atual. Faço isso seguidamente.

    É tudo questão de treinamento mental, não é preciso nenhum aparelho. Antes de dormir, se quiser, me programo para acordar a hora que quiser e sempre dá certo. Só não consegui, ainda, programar um sonho, escolher com o que quero sonhar. Nem sei se devo, mas é possível.

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