Nota Pública contra o cancelamento do Memorial da Anistia

Representantes do CASC- Comitê Assessoramento da Sociedade Civil para Anistia, entidades de anistiados políticos e organizações da sociedade civil e de Direitos Humanos, vem à público manifestar sua completa indignação em relação ao anúncio de cancelamento definitivo da continuidade da implementação do Memorial da Anistia Politica feito pela Ministra de Direitos Humanos, das Mulheres e da Familia do governo federal.

O Memorial da Anistia Politica é um dever do Estado brasileiro centrado na agenda de Justiça de Transição brasileira: a luta por verdade, memoria, reparação e justiça aos que foram atingidos por atos de exceção durante a ditadura militar, visando fortalecer a não repetição dos erros do passado e difundir os valores democráticos.

Todo o Acervo próprio da Comissão de Anistia, que contém mais de 70.000 processos com historias da repressão desde a perspectiva das vitimas, foi declarado Patrimônio Regional da Humanidade da UNESCO e hoje está somado a outros acervos que foram sendo produzidos e doados ao órgão. Assim que, muito além de um museu com uma exposição cultural, o projeto do Memorial da Anistia incluía um Centro de Documentação e Pesquisa como órgão para gerar conteúdos e para a preservação do acervo e a difusão permanente da memoria, das liberdades públicas e da democracia.

A implantação de uma sede física do Memorial da Anistia segue o exemplo de outros países do mundo que ergueram seus museus de memoria e consciencia em favor das vitimas, como por exemplo, o Museu do Apartheid na África do Sul, o Museu de Memoria do Chile, o Espaço Memoria da Ex-Esma na Argentina, o Museu do Holocausto em Jerusalém, Washington e Berlim, o Museu Gulag na Russia, o Museu da história afro-americana e escravidão nos Estados Unidos, inúmeros outros museus e lugares de memória sobre os Conflitos Armadas na America Central, entre tantos outros exemplos.

Principalmente, a implementação do Memorial também é parte dos compromissos assumidos pelo Brasil perante organismos internacionais: nos processos de avaliação periódica do Comitê de Direitos Humanos da ONU e nos informes de cumprimento de sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação aos crimes e violações de direitos humanos do passado recente.

Devido a estas obrigações do Estado Brasileira o projeto de implantação do Memorial da Anistia foi oficialmente incluído nos dois últimos Planos Plurianuais do Brasil e os seus recursos foram aprovados anualmente pelas sucessivas leis orçamentárias, desde 2009.

Como é de público conhecimento, em seus 10 anos de história, o Memorial da Anistia viveu problemas administrativos e fatores técnicos supervenientes notórios ao largo de sua implementação por parte da UFMG, entidade responsável em executa-lo, e que acarretaram o atraso e elevação dos custos de sua obras até que sofreu interrupção de sua continuidade em 2016. Apesar destas dificuldades administrativas, órgãos de controle e o Ministério Público Federal indicaram a importância de concluí-lo.

A tentativa de desmoralizar este importante projeto de Memória para o país, para assim tentar justificar a decisão política do governo federal de cancelá-lo, não será aceita pelo conjunto dos movimentos de direitos humanos. Muitas notícias criadas para estigmatizar o projeto são insustentáveis, a saber:

1. O projeto do Memorial da Anistia foi concebido em 2008 e iniciou a sua implementação preliminar em 2009. Na primeira fase, o Ministério da Justiça descentralizou recursos orçamentários próprios para que fossem executados pela UFMG, por meio de Termo de Cooperação, no valor de R$ 2.030.000,00, dos quais apenas R$ 325.039,00 foram utilizados. O restante foi devolvido ao Tesouro Nacional a título de despesa não executada. Além disso, o MEC providenciou um crédito suplementar ao orçamento da UFMG, em novembro 2009, com base em remanejamento de dotações que não seriam executadas naquele ano pelo Ministério da Justiça. Desta maneira, é simples retórica política insinuar que se tenha deixado de investir no sistema penitenciário ou de segurança para iniciar a implementação do Memorial (uma simples pesquisa em dados públicos revela que naquele ano de 2009, o programa de aprimoramento da execução penal, por exemplo, tinha uma dotação aprovada pelo Congresso Nacional de mais de R$ 186 milhões e um pouco mais de 50% desse valor foi efetivamente executado). Contudo, concretamente, os valores destinados especificamente à obra do Memorial não puderam ser utilizados pela UFMG devido ao pouco tempo hábil para a abertura dos processos de licitações naquele ano, também tendo sido, portanto, devolvidos ao Tesouro Nacional pela Universidade. Estas informações constam nos registros dos Termos Aditivos do Convênio de Cooperação Técnica do Memorial e é de conhecimento geral há 10 anos, não tendo havido ressalva pelas consultorias jurídicos da UFMG ou do MJ. Todos os demais anos seguintes o projeto foi financiado com fontes diretas próprias e específicas da ação do programa de preservação do acervo e divulgação da anistia do Ministério da Justiça transferidos para a UFMG.

2. Todos os valores e a planilha de custos do Memorial foram desenvolvidos detalhada e pormenorizadamente em seus respectivos projetos executivos, licitados publicamente pela UFMG, e assim, seu custo refletia os valores de mercado da época.

3. O primeiro projeto completo tinha orçamento de R$ 15 milhões de reais (2010) que em 2016 já havia sido atualizado para R$ 25 milhões, mediante sucessivas solicitações de termos aditivos por parte da UFMG. O montante que foi efetivamente gasto, segundo informação oficial e pública da UFMG foi ao redor de R$ 12 milhões. Assim que, segundo informação pública, os cálculos indicavam que faltariam cerca de R$ 3 milhões para finalizar a obra física da nova edificação. E faltariam também outros R$ 10 milhões, que estariam sendo captados via patrocínio para finalizar outros objetos do Projeto (recuperação estrutural do prédio histórico “Coleginho” e a exposição de longa duração), sem ônus para a Administração. Todos os princípios da Administração Pública brasileira estabelecem que após um investimento significativo já realizado, o interesse público é o de se evitar a descontinuidade de qualquer obra como medida razoável em razão dos investimentos já realizados e da necessidade social do projeto. Houve recomendação do Ministerio Público Federal neste sentido. Inclusive, se é verdade que haverá uma nova destinação para o prédio em fase de finalização, tal qual anunciado publicamente pela Ministra, necessariamente se exigiria investimentos para o seu término, o que revela a factibilidade de finaliza-lo, de maneira que parece não haver justificativa financeira para cancelar e desvia-lo de sua finalidade original.

4. De 2009 a 2016 nunca houve nenhuma descontinuidade das transferências das obrigações financeiras do Projeto. Em 2016, todos os projetos executivos e toda a obra de construção já haviam sido licitados publicamente pela UFMG e estavam em plena execução. A decisão de se interromper os repasses financeiros para o cumprimento contratual é a causa real da paralização das obras e do projeto, impactando diretamente na sua situação atual. Conhecemos na imprensa que as autoridades da Universidade sempre declararam a sua plena disponibilidade para esclarecer de maneira transparente cada detalhe da implementação deste importante projeto.

5. Os recursos para o Memorial da Anistia não se confundem e nunca se confundiram com os recursos de pagamentos das anistias políticas. São orçamentos e fontes pagadoras distintas que não concorrem entre si e não se comunicam. Enquanto que o primeiro é resultados da conquista de um orçamento adicional para um projeto específico aprovado pelo Congresso Nacional em sucessivas leis orçamentárias anuais, para o cumprimento do dever de memória do Estado via projetos executados até então pelo Ministério da Justiça, por sua vez, o pagamento das indenizações aos anistiados políticos são provenientes de fontes obrigatórias do Ministério do Planejamento (para os anistiados civis) e do Ministério da Defesa (para os anistiados militares). É incorreto associar estes valores ou recursos.

A decisão de cancelar este relevante projeto deve ser lido como uma decisão exclusivamente política da Ministra, que sabe e deve assumir publicamente que não existe uma coincidência na orientação política do seu governo com um projeto dessa natureza pois que o atual Presidente da Republica nega e, pior, justifica a repressão e toda as formas de violência da ditadura brutal.

Essa decisão deve ser entendida tal qual ela se constitui: um descumprimento do governo com suas obrigações internacionais, um descaso com a memória e a história dos anistiados e anistiadas políticos, e uma decisão política de responsabilidade exclusiva do governo Bolsonaro que revela a sua visão contrária aos direitos humanos das vítimas do passado ditatorial.

15 de agosto de 2019.

CASC – Comitê de Assessoramento da Sociedade Civil para Anistia.
AAMA – Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Política do Brasil.
Fórum de Ex Presos Políticos do Estado de São Paulo.
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro.
Fórum Memória, Verdade e Justiça ES.
Plenária Anistia Rio de Janeiro.
Grupo de Pesquisa e Justiça de Transição, do Programa de Pó Graduação em Direito da UnB.
Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia.
GTMN FI – Grupo Tortura Nunca Mais de Foz do Iguaçu.
GTNM RJ – Grupo Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro.
Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos.
Comissão da Memória e Verdade da OAB-DF.
Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou (Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Estado de Ceará).
ADJD – Núcleo Paraíba.
CDHMP FI – Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu.
CENDHEC – Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social.
UMNA – União de Mobilização Nacional pela Anistia.
Associação dos Anistiados Políticos dos Correios no Estado do Rio de Janeiro.
Instituto Augusto Boal.
Instituto Vladimir Herzog.
Projeto Clínicas do Testemunho, Núcleo RS.
Coletivo Aparecidos Políticos.
Coletivo RJ por Memória, Verdade e Justiça.
Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça.
Instituto Sérgio Miranda.
ASTAPE CAXIAS – Associação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas da Petrobrás e Subsidiárias.
Núcleo de Preservação da Memória Política de São Paulo.
ANAPAP – Associação Nacional dos Anistiados Políticos Aposentados e Pensionistas.
ANAPECT – Associação Nacional dos Anistiados Políticos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
ANAP- VR. Associação Nacional dos Anistiados Políticos de Volta Redonda.
Comissão Nacional de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Goiás.
ABRASPET – Associação Brasileira dos Anistiados Políticos do Sistema Petrobrás.
CPV – Comissão Popular da Verdade.
Ocupa DOPS.
Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça.
Equipe Clínico Política do RJ.
Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ.
Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil da Construção Civil de Volta Redonda e Região Sul Fluminense.
Sindicato dos Trabalhadores de Volta Redonda e Sul Fluminense.
Conselho Municipal de Direitos Humanos de Volta Redonda.
Fórum de Justiça de Volta Redonda.
CTJ – Centro de Estudos de Justiça de Transição da Faculdade de Direito da UFMG.
AMAFABRA
Núcleo de Estudos políticos do ISEM.
Núcleo dos Músicos do ISEM.
Instituto Tito de Alencar Lima.
COVET – MG – Comissão da Verdade dos Trabalhadores e do Movimento Sindical em Minas Gerais.
Comitê Carlos de Ré da Verdade e da Justiça.
Grupo de Pesquisa Direito à Memória e a Verdade e Justiça de Transição da PUC-RS.
Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.
Grupos de Pesquisa Percursos, Fragmentos, Narrativas: História do Direito e Constitucionalismo (UnB-CNPq).
Grupo de Pesquisa Constitucionalismo na América Latina (UFRGS).
ABAP – Associação Brasileira de Anistiados Políticos.
SINDIPETRO – RJ.
AMA.A – Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC.
Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUC-Rio
Instituto João Goulart

Luis Nassif

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