Copom e juros reais, por Paulo Kliass

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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no Vermelho

Paulo Kliass: Copom e juros reais

As páginas de economia e os comentaristas especializados dos grandes jornalões só fazem comemorar a decisão da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Afinal, não é pra menos. Há meses que o governo de Temer e Meirelles vem garimpando arduamente, a cada dia que passa, alguma notícia alentadora para oferecer aos tomadores de decisão do PIB das finanças. 

por Paulo Kliass

São estes os verdadeiros membros que constituem essa entidade semi-mágica, semi-fantasmagórica chamada por eles com extrema naturalidade de “mercado”.

Em um momento de dificuldade de articulação da base aliada para votar a peça de resistência do governo (a Reforma da Previdência) e de algumas (in)definições de candidaturas à sucessão em 2018, a notícia terminou por não merecer o destaque que dela se pretendia obter. O fato é que os diretores do BC se reuniram para a 211ª reunião do Comitê e deliberaram pela décima redução consecutiva da taxa básica de juros de nossa economia. Durante os dias 5 e 6 deste mês a conjuntura econômica foi exaustivamente discutida e ao final da reunião foi anunciado que a taxa Selic seria reduzida para 7,0% ao ano.
A trajetória de queda da taxa oficial teve início em outubro do ano passado, quando ela foi baixada de 14,25% para 14,0%. A partir de então, houve uma série de reuniões do Copom e em cada uma delas a taxa sofria nova diminuição. Apesar da importância de uma política consistente de redução da política monetária, o fato é que as comemorações exageradas do oficialismo financista escondem algumas realidades que precisam ser mais bem analisadas.

Taxa nominal e taxa real

Quando as manchetes se entusiasmam com o fato e apontam a taxa de 7% como sendo a mais baixa de toda a sua série histórica, na verdade deixam de mencionar que o relevante para a dinâmica da economia não é o patamar da chamada “taxa nominal” de juros. Para se obter uma avaliação mais realista  a respeito do impacto dessa importante variável da política monetária, é necessário que seja calculada a chamada “taxa real” de juros. Ou seja, é necessário retirar da mesma os efeitos da inflação. 

Desse ponto de vista, a situação não oferece lá muitos motivos para tamanha explosão de rojões. Afinal, a política de austericídio foi exitosa em provocar a maior recessão da história brasileira. A diminuição inédita na atividade econômica vem reduzindo o PIB em quase 8% desde 2015, com as trágicas consequências em termos de falência de empresas e dos 13 milhões de desempregados e outros 13 milhões de subocupados a que chegamos atualmente.

Essa receita foi seguida à risca pela equipe econômica e só poderia mesmo provocar uma brutal queda na inflação, ainda que a um custo social e econômico elevadíssimo para os setores da base da pirâmide. A inflação acumulada dos últimos 12 meses, medida oficialmente pelo IPCA, está em 2,8%. Como não há demanda agregada suficiente para consumo, estamos mesmo diante de uma tendência para a baixa dos preços. Não há muito o quê comemorar em uma inflação baixa quando o desastre social impera por todos os lados em função da recessão intencionalmente provocada.

Além disso, quando cotejamos o nível da Selic de 7% com esse índice de inflação, verificamos que a taxa real de juros continua muito elevada. Estamos com algo em torno de 4% e permanecemos dentre as mais altas do mundo no quesito, perdendo apenas para Rússia e Turquia.

Taxa real já foi mais baixa

Por outro lado, é interessante observar que os chamados “especialistas” não mencionam o ocorrido em período não muito distante, quando houve também uma tentativa de redução do patamar da Selic. Refiro-me ao movimento do Copm entre 2011 e 2012, quando a Selic sofreu uma redução consecutiva ao longo de igual número de reuniões. Em agosto de 2011 ela foi reduzida para 12% e essa tendência de baixa vai até outubro de 2012, quando a taxa é fixada em 7,25%. E nesse nível ela ficou até abril de 2013.

Assim, é necessário verificarmos qual a dimensão real da Selic naquele semestre. Como a inflação variou em torno de 5% a 6%, a verdade é que a taxa real de juros repousou em nível bem mais reduzido do que o atual. Dependendo da metodologia de cálculo, chega-se a uma taxa real situada entre 1% e 2% anuais. Esse fato, inclusive, ajuda a explicar a pressão realizada pelo mercado financeiro sobre a presidenta Dilma, que terminou por abandonar essa via e aceitou a chantagem à época. Lembremo-nos que a orientação foi para que o Copom retomasse a rota altista. Por nove reuniões seguidas a Selic subiu e chegou a 11% em abril de 2014.

Outra dimensão relevante da análise da política monetária refere-se ao fenômeno que se dá no interior das instituições, depois de estabelecido o patamar da taxa oficial de juros. Trata-se de avaliar como os bancos e organizações congêneres fazem valer seu poder de oligopólio e como isso afeta a vida das empresas, famílias e indivíduos na ponta de tomadores de crédito. Nesse item também nosso país é campeão do mundo isolado há décadas.

“Spreads” seguem escandalosos

A prática do chamado “spread” é vergonhosa e eleva em muito o verdadeiro custo para o financiamento das atividades empresariais e também para os orçamentos domésticos. Por se tratar de um mercado com poucos e imensos agentes pelo lado da oferta, os demandantes de recursos não têm muita alternativa para satisfazer suas necessidades. Essa é uma das razões que ajuda a explicar o fato de que, apesar da recessão generalizada, o setor bancário e financeiro segue apresentando escandalosos lucros bilionários em seus resultados a cada semestre.

E, no período acima mencionado, Dilma havia decidido por orientar os bancos públicos federais (em especial, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) a reduzirem suas margens de ganho nas operações com a clientela. Além de reduzir o custo do crédito de fato, essa estratégia era um meio de pressionar os bancos privados a seguirem na mesma linha. A reação foi imediata! Com o argumento de que o governo estaria praticando populismo irresponsável e querendo reduzir os juros “na marra”, foi montada uma verdadeira operação de guerra nos meios de comunicação para desmoralizar tal alternativa de política monetária.

Mais uma vez o governo recuou à época e aceitou as chamadas “regras de mercado”. Os bancos federais esqueceram sua função de instituições financeiras públicas e voltaram o competir no mercado privado segunda a lógica de conglomerados como Itaú, Bradesco e congêneres.

A partir da estratégia do golpeachment, a banca privada não teve mais o que se preocupar. Seus representantes legítimos passaram ocupar diretamente os postos do Ministério da Fazenda e o do próprio BC. Mas isso não deveria autorizar os grandes meios de comunicação a falsearem a realidade dos números. A atual taxa real de juros não é a mais baixa de sua série histórica.

Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Que gente horrorosa, todos de

    Que gente horrorosa, todos de ternos pretos amassados como a cara deles, nenhuma diversidade de roupa e de cerebro, nenhuma originalidade, nenhum pensmento criativo, parecem saidos de uma comedia de Molière, cruz credo, Lord Keynes não se sentaria numa mesa dessas porque era uma pessoa de extremo bom gosto que não tinha muito interesse por economia.

    1. Por isso que eu peço um post

      Por isso que eu peço um post com os melhores momentos das suas conversas com Roberto Campos. Diversidade de ideias, inteligência.

  2. Então poderiamos esperar uma

    Então poderiamos esperar uma queda a esses patamares do juros reais, ja que a selic está novamente nos níveis daquele ano de Dilma mas a inflação muito menor hoje? Há expectativa de alta da inflação para 2018 mas ainda abaixo do centro da meta (4,50)  e expectativa para selic em 7,00 ancorada no decorrer de 2018. 6,75 não deve ocorrer devido a falta da reforma da previdência, como alegam. Poderíamos ver então juros reais novamente nesses patamares? Isso aconteceria nos títulos publicos pré indexados em taxa de juros+inflação? Sei que esse site não tem esse caráter, mas poderiamos ver essa queda dos juros reais novamente?

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