Números mostram que atuação de ministério no caso de criança grávida após estupro foi atípica

Ministério de Damares recebeu 15.316 denúncias de abuso sexual de menores em 2019, mas registros oficiais mostram apenas uma viagem para acompanhar esse tipo de violação

Foto: Agência Brasil

do HuffPost

Números mostram que atuação de ministério no caso de criança grávida após estupro foi atípica

por Marcella Fernandes

Uma movimentação atípica do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) marcou o tratamento dado ao caso da menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada no Espírito Santo. Os dois altos representantes do ministério que viajaram ao interior do estado para acompanhar a situação não atuaram de forma semelhante em milhares de outros casos de abuso sexual de menores denunciados durante a gestão da ministra Damares Alves.

canal de denúncias do ministério registrou 15.316 denúncias de abuso sexual de menores em 2019. Desse total, 2.970 eram meninas de 8 a 11 anos. Outras 4.539 tinham entre 12 e 14 anos.

Das viagens realizadas pelos dois servidores registradas no Portal da Transparência apenas uma foi para acompanhar denúncias de violação sexual de crianças.

Não há informação de quantos desses abusos resultaram em gravidez, mas, um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indica que, para vítimas de até 13 anos, esse índice foi de 10,6% em 2011.

Profissionais do Judiciário e do Executivo que atuam em casos de abuso sexual de menores ouvidos pelo HuffPost Brasil em caráter reservado relatam que a conduta dos integrantes do governo federal vista no caso não é comum. A história ganhou repercussão nacional após a ministra compartilhar uma notícia da imprensa local nas redes sociais.

Por envolver uma menor de idade e ser um crime sexual, o caso deveria tramitar em sigilo. A propagação de dados sigilosos quase inviabilizou que a criança conseguisse ter acesso ao aborto legal e é apontada como mais uma agressão sofrida pela vítima. A pasta nega o vazamento de informações, que está sendo investigado.

Na última quarta-feira (19), o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) propôs uma ação civil pública para que a ativista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, pague R$ 1,32 milhão ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente como forma de indenização a título de dano moral coletivo. Ela divulgou nas redes sociais, de forma ilegal, informações como o nome da vítima e o local em que o aborto legal seria feito.

Por quatro meses, Sara chefiou a Coordenação-Geral de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade do Departamento de Promoção da Dignidade da Mulher, da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), dentro do ministério de Damares.

Em 8 de agosto, a criança de 10 anos deu entrada no Hospital Estadual Roberto Silvares, em São Mateus (ES), cidade onde morava. No atendimento, a equipe de saúde identificou que ela estava na grávida e com diabetes gestacional. A menina relatou que sofreu violência sexual do tio nos últimos 4 anos. O caso foi comunicado à polícia e ao conselho tutelar, e a menina foi encaminhada para um abrigo. Antes, ela morava com a avó.

No dia seguinte, uma notícia com o título “Menina de 10 anos engravida após sofrer estupros em São Mateus” foi publicada em um jornal local, sem o nome da vítima. A publicação foi compartilhada por Damares em 10 de agosto, e alcançou mais de 3.000 retuítes. Na postagem, a ministra escreveu: “Minha equipe já está entrando em contato com as autoridades de São Mateus para ajudar a criança, sua família e para acompanhar o processo criminal até o fim”.

Em 8 de agosto, gravidez de menina de 10 anos foi diagnosticada em hospital em São Mateus (ES). No dia seguinte, notícia foi publicada pela mídia local e compartilhada pela ministra Damares Alves. | REPRODUÇÃO/TWITTER

Também em 10 de agosto, Damares compartilhou conteúdo semelhante no Instagram. A publicação foi curtida por mais de 40 mil pessoas.

Assessores do ministério fazem um monitoramento midiático sistemático de casos locais de violações de direitos alinhados à agenda da ministra. Pastora evangélica e assessora de Magno Malta quando o político foi senador pelo Espírito Santo, Damares compartilha com o ex-parlamentar a bandeira de combate à pedofilia – mas também contrária ao aborto.

A mesma causa é abraçada pelo deputado estadual Delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos), pré-candidato a prefeito de Vitória (ES). Em 13 de agosto, ele fez uma transmissão vivo pelo Instagram junto com os dois enviados do ministério a Sã Mateus: Alinne Duarte de Andrade, coordenadora-geral de Fortalecimento de Garantias de Direitos da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, e Wendell Benevides Matos, coordenador-geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.

No vídeo, o parlamentar e os integrantes do ministério elogiam o avanço das investigações para prender o agressor após conversarem com autoridades policiais e da assistência social em São Mateus. A coordenadora da secretaria do MMFDH  diz que foi uma “honra estar presente nessa missão”. “Voltamos com a sensação de dever cumprido”, afirma.

Nenhum dos 3 menciona o acesso da vítima ao aborto legal. No dia seguinte, o Hucam (Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes), na capital do estado, se recusou a fazer o procedimento, contrariando decisão do juiz Antonio Moreira Fernandes. A negativa do serviço de saúde é alvo de questionamento do Ministério Público Federal no Espírito Santo e considerada um ponto de virada na repercussão nacional do caso, de acordo com fontes ouvidas pelo HuffPost Brasil.

Em 13 de agosto, a ministra postou uma foto em sua página do Facebook de dois funcionários do ministério acompanhados por Pazolini em que diz que a pasta acompanhava a situação desde o dia 10, e que, “ao longo da semana, aconteceram reuniões com o Conselho Tutelar e autoridade do município, além de contatos com a família da criança”. Segundo a ministra, Aline e Wendel “estiveram na cidade de São Mateus para mais reuniões, visitas às famílias e [para] conhecer detalhes das investigações”.

Posteriormente, a publicação foi editada e incluiu o seguinte trecho: “Nenhum membro da família da menina participou das reuniões com a equipe do ministério. A equipe do ministério também não fez visita à família, pois o inquérito não estava concluído, não havia decisão judicial e nenhuma necessidade de visita foi identificada (…) Os servidores do ministério não estiveram em nenhum outro lugar desacompanhado dos delegados ou conselheiros tutelares”.

Damares publica que funcionários do MMFDH “estiveram na cidade de São Mateus para mais reuniões, visitas às famílias e conhecer detalhes das investigações” e depois afirma que “equipe do ministério não fez visita à família”. | REPRODUÇÃO/FACEBOOK
As viagens de Alinne e Wendell

Essa é a segunda vez que os dois funcionários desse escalão do ministério fazem uma viagem para acompanhar algum caso de abuso sexual de menor de idade, de acordo com informações do Portal da Transparência.

Nomeada como coordenadora-geral dos Direitos da Criança e do Adolescente em 11 de fevereiro de 2019, Alinne Duarte de Andrade fez 5 viagens a trabalho desde essa data até agosto de 2020. A única relativa a um caso desse tipo foi uma missão em novembro de 2019 para Sobral (CE) com o objetivo de “coleta de subsídios capazes de formar um juízo de atuação na defesa de direitos humanos das crianças e adolescentes”. Wendell também estava presente na comitiva.

Na época, foi noticiado que o conselho tutelar do município cearense recebeu em 3 anos 9 denúncias de abuso sexual dentro de escolas. As vítimas tinham entre 3 e 15 anos e as agressões teriam ocorrido entre 2017 e 2019.

Entre as outras viagens de Alline, está uma para o arquipélago do Marajó (PA), em dezembro de 2019, para ações da Secretaria da Criança e do Adolescente. No início do ano, Damares lançou o programa “Abrace Marajó”, que teria entre os objetivos combater o abuso de menores na região. A ministra chegou a viajar para o local em janeiro, após vir a público uma denúncia de que um bebê teria sofrido esse tipo de agressão. Um laudo médico não constatou violência sexual.

Alinne de Andrade, coordenadora-geral de Fortalecimento de Garantias de Direitos da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o deputado estadual Delegado Lorenzo Pazolini (PSL) e Wendell Benevides Matos, coordenador-geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. | REPRODUÇÃO/ INSTAGRAM

A coordenadora da Secretaria da Criança e do Adolescente também viajou para São Tomé e Príncipe, em outubro de 2019, para “apresentação do modelo brasileiro de atendimento a crianças e adolescentes em situação de violência”. Em setembro do mesmo ano, consta viagem para “capacitação de agentes do sistema de garantia de direitos” de Rondônia.

A quinta viagem foi para Salvador (BA), em março de 2019, para reunião da Comissão Permanente da Infância e Juventude. De acordo com o currículo disponibilizado pelo MMFDH, Alinne tem formação em psicologia e era diretora de unidade escolar ligada à Secretaria Municipal de Educação de Salvador antes de integrar o governo federal.

Na viagem a São Mateus, Alinne foi acompanhada do ouvidor nacional de Direitos humanos, Wendell Benevides Matos, que é policial rodoviário federal desde 2006. Ele assumiu o cargo no MMFDH em 16 de maio de 2019.

Há 6 viagens registradas no nome do servidor no Portal da Transparência. Além da ida à Sobral, em novembro de 2019, ele integrou “missão de urgência designada pela ministra” para Rondônia em janeiro, tendo em vista notícia de que uma mulher sem mãos e pernas teve benefício negado por não poder assinar documentos oficiais que autorizam o pagamento do auxílio pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em Porto Velho.

Em dezembro de 2019, Wendell foi parte de missão no interior do Maranhão para “coleta de subsídios capazes de formar um juízo de atuação na defesa de direitos humanos”. Em outubro, acompanhou a ministra em um curso da Polícia Rodoviária Federal em Florianópolis (SC).

O policial participou de seminário no Rio de Janeiro em setembro de 2019 e de reunião para tratar de uma cooperação entre a ouvidoria e a Secretaria de Assistência Social do Piauí no mês anterior. Em maio, acompanhou visita ao centro de atendimento do Disque 100 em Salvador.

Disque 100 registrou 15.316 denúncias de abuso sexual de menores no ano passado. Desse total, 2.970 eram meninas de 8 a 11 anos. Outras 4.539 tinham entre 12 e 14 anos e 3.068, entre 15 e 17 anos. | MIGUEL SCHINCARIOL VIA GETTY IMAGES
Pressão de manifestantes ‘pró-vida’ sobre a família

Desde 1940, o Código Penal não considera crime o aborto em caso de estupro ou de risco de vida da gestante. A criança de 10 anos com diabetes gestacional se enquadrava nos dois casos. Ainda assim, a vítima enfrentou diversas barreiras para conseguir o acesso ao aborto legal. O vazamento de informações levou a uma mobilização de ativistas contrários ao aborto, tanto no município em que morava quanto em frente ao Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), hospital em Recife (PE) em que fez o procedimento no último domingo (16), após decisão judicial.

A pressão sob a família para evitar o aborto legal começou em São Mateus. Ativistas religiosos que se auto-intitulam “pró-vida” chegaram a ir à casa em que a menina morava. Isso ocorreu depois que integrantes do MMFDH passaram a atuar no caso, de acordo com autoridades envolvidas na investigação ouvidas pelo HuffPost Brasil.

Um dos ativistas é Pedro Teodoro, pré-candidato a vereador pelo PSL na cidade. Na última quinta-feira (20), ele foi denunciado pelo Ministério Público do Espírito Santo no âmbito da investigação do vazamento dos dados sigilosos. De acordo com o MP, ele responderá “por ter exposto indevidamente dados da criança, inclusive foto, além de, seguindo orientação de Sara Giromini, ter invadido a residência da família da vítima, manifestando-se de forma contrária à interrupção da gravidez, ameaçando a responsável pela criança”.

Em áudios publicados pela imprensa, um grupo de manifestantes do qual Teodoro fazia parte ofereceu assistência de profissionais de saúde para que a criança mantivesse a gestação. Em uma gravação, um homem do grupo diz ter acesso à ministra de Direitos Humanos. “Conversei ontem com a assessora da ministra Damares, só para você saber o nível de informação que eu tenho. Olha onde chegou, à ministra Damares!”, diz.

Pessoas ligadas a duas instituições que atuam também para evitar a interrupção da gravidez já haviam procurado autoridades do Espírito Santo envolvidas no caso antes mesmo dos funcionários de Damares chegarem ao estado. A promoção de organizações desse tipo é uma das bandeiras de parlamentares contrários ao aborto.

De acordo com pessoas envolvidas na investigação, a pressão de extremistas aumentou após a chegada de integrantes do MMFDH à cidade. Profissionais com experiência em casos de agressão sexual a menores relataram, em caráter reservado, que “nunca viram algo igual acontecer”, ao ser referirem à atuação do governo federal.

Aline e Wendell se reuniram com integrantes do conselho tutelar, da secretaria de assistência social e da delegacia onde o crime de estupro de vulnerável foi registrado. Os servidores não se encontraram com integrantes do Ministério Público ou com o juiz Antonio Moreira Fernandes, que concedeu a decisão a favor do aborto legal.

Pedofilia x estupro de vulnerável
Apesar de o discurso político usar o termo pedofilia, o crime de praticar relação sexual com menor de 14 anos é designado estupro de vulnerável. A pena é de 8 a 15 anos de reclusão, de acordo com o Código Penal. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), por sua vez, prevê como delito submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual, com pena de 4 a 10 anos de prisão.
A pedofilia, por sua vez, é entendida como uma doença pela OMS (Organização Mundial de Saúde) desde os anos 1960. É considerada um transtorno sexual que se manifesta “por pensamentos sexuais persistentes, fantasias, impulsos ou comportamentos envolvendo crianças e pré-púberes”.

Segundo os relatos, um dos momentos críticos foi em 14 de agosto, um dia após os funcionários do MMFDH chegarem ao Espírito Santo, quando o Hucam negou o atendimento. A decisão, contestada juridicamente, foi comemorada por manifestantes “pró-vida”. No dia anterior, a hashtag #gravidezaos10mata ficou nos assuntos mais comentados do Twitter e a história passou a ser noticiada amplamente.

‘Operação de guerra’ para garantir aborto legal 

A partir desse momento, foi montada uma “operação de guerra” para garantir que a menina fizesse o procedimento em segurança. A divulgação recorrente de dados sigilosos fez com que fossem necessárias mudanças na logística e uma atuação rápida, envolvendo transporte de madrugada com escolta. 

Havia um acordo para que a criança fosse atendida em Uberlândia (MG), mas após um recuo do hospital que a receberia, foi necessário recorrer ao Cisam. A ida para Recife no domingo pela manhã estava sob sigilo, mas a informação foi vazada no momento do voo. Quando a criança chegou na cidade, manifestantes já estavam a postos. 

No dia, Sara Giromini divulgou diversas informações sigilosas, inclusive que o procedimento seria feito no Cisam. Militantes se aglomeraram em frente ao local, tentaram invadi-lo e chamaram a criança e os profissionais de saúde de assassinos.

Segundo os relatos, autoridades de instituições de ambos os estados envolvidas tentaram barrar o procedimento diversas vezes.

O procedimento médico foi concluído na segunda-feira (17) e a menina foi inserida no Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência (Provita), oferecido pelo governo do Espírito Santo, que prevê medidas como mudança de nome e de endereço. Como a mãe morreu e o pai está preso, a menina morava com a avó.

Todo ano, mais de 20 meninas de 10 a 14 anos dão à luz no Brasil. Toda relação sexual com menor de 14 anos é considerada crime de estupro de vulnerável. | PILAR OLIVARES / REUTERS

Presidente do Instituto Liberta, voltado à proteção de crianças e adolescentes, Luciana Temer ressalta que a necessidade de mudar de identidade é mais uma violação que a vítima enfrenta neste caso. ”Lógico que tem de fazer como forma de proteção, mas também é uma grande violação. Sou vítima e vou ter uma identidade trocada, vou ter de me esconder? Essa necessidade decorre dessa exposição que essa menina teve da divulgação dos dados”, afirmou ao HuffPost Brasil.

A sequência de violações inclui as agressões sexuais por 4 anos, a manutenção da gravidez resultado do estupro e a violência institucional com a negativa do atendimento na saúde. “Neste caso, um dia é demora. O Estado não poderia ter deixado essa menina um dia sem fazer esse aborto”, afirma a advogada e professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Foram 8 dias desde o diagnóstico de gravidez até o procedimento.

A especialista chama atenção para a necessidade de prevenção a esse tipo de agressão e a dimensão do problema no Brasil. “Se na escola dessa menina, a sexualidade fosse tratada abertamente e adequadamente, essa menina poderia ter pedido socorro antes”, afirma Temer. “São milhares de casos de meninas violadas. Esse caso trágico ficou muito emblemático por causa dessa sucessão de violações, o que também não é uma exceção. Então que esse episódio sirva para dar luz a uma situação de violência que é cotidiana no Brasil. Os dados são claros em relação a isso. E que é invisibilizada”, afirma.

Todo ano, mais de 20 mil meninas de 10 a 14 anos dão à luz no Brasil. Toda relação sexual com menor de 14 anos é considerada crime de estupro de vulnerável. Nesses casos, não importa a idade do agressor ou eventual consentimento, de acordo com o Código Penal.

“São milhares de casos de meninas violadas. Esse caso trágico ficou muito emblemático por causa dessa sucessão de violações, o que também não é uma exceção” – Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta

Sobre o deslocamento para outra cidade ou estado para ter acesso ao aborto legal, a advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski, do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil), afirma que isso é comum em casos de mulheres vítimas de estupro devido às barreiras institucionais. A instituição acompanha o cumprimento desse tipo de previsão legal.

As barreiras incluem desde a falta de informações até negativas injustificadas por profissionais da saúde. A especialista afirma que, no caso de risco de vida da gestante, o serviço de saúde precisa assegurar o atendimento. Se a vítima estiver internada, é responsabilidade do serviço médico a remoção. “Quando não é internada e tem negado seu direito, ela sai de lá e vai para outro lugar”, afirma Barwinski.

A advogada conta que acompanhou um caso de uma vítima de estupro que chegou a ser encaminhada a outra cidade pelo Ministério Público, mas não tinha o nome ou endereço do hospital que a atenderia. “Há um grande desconhecimento, porque as faculdades de direito e de medicina não gostam de falar sobre isso porque tem como um tabu. Não é. Para o Direito, é um direito fundamental e para a Medicina, é uma questão de saúde grave, por ser decorrente de uma violência”, completa.

No caso da menina no Espírito Santo, Barwinski afirma que “a prioridade absoluta é o interesse da menina, a saúde e a integridade dela”. “Até onde sei, a menina queria, pediu, não havia discordância com representante legal dela, então não havia por que aguardar”, completa. Para a advogada, a interferência externa com a divulgação de dados sigilosos suprimiu a vontade da vítima, ”que era a única que deveria ser ouvida e a única interessada”.

“A prioridade absoluta é o interesse da menina, a saúde e a integridade dela” –Sandra Lia Bazzo Barwinski, advogada do Cladem
Ministério nega vazamento de dados sigilosos

A bancada do PSol na Câmara dos Deputados protocolou uma representação contra a ativista Sara Giromini no Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), ligada ao Ministério Público Federal (MPF). O PCdoB entrou com uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal para que o vazamento de informações seja investigado.

Caso seja comprovado que funcionários do MMFDH vazaram informações sigilosas a mando da ministra Damares Alves, a denúncia precisaria ser feita pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. A pasta nega ter divulgado dados confidenciais.

Em ofício enviado ao ministro da Justiça, André Mendonça, na última quarta-feira (19), a ministra afirma estar “ciente da competência local para apuração específica” e pede que Mendonça “tome as necessárias providências com vistas à elucidação dos fatos, inclusive com o encaminhamento do caso à Polícia Federal e articulação com a Polícia Judiciária do Estado do Espírito Santo”.

Em nota publicada no dia anterior, o MMFDH afirma que “após registro de denúncia relacionada ao caso no Disque 100 (Disque Direitos Humanos), técnicos do ministério realizaram reunião virtual com membros do conselho tutelar e da secretaria de assistência social do município”. “Durante o encontro, constataram, diante de diversos outros casos de violações de direitos de crianças e adolescentes na região, a necessidade de melhorar a rede de proteção local”, diz o texto.

Em seguida, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos enviaram técnicos “para acompanhar, presencialmente, todos os desdobramentos desse e de outros casos, com o objetivo de tomar as medidas cabíveis”.

De acordo com a nota, os técnicos “não sabiam o nome da criança, nem o endereço da família” e “jamais tiveram contato com qualquer pessoa próxima à criança”. Esse trecho contraria as publicações de Damares nas redes sociais, segundo as quais a equipe entrou em contato com a família da vítima.

“A atuação do ministério limita-se ao relacionamento com as autoridades municipais durante o período de investigação. Esses cuidados evidenciam que este ministério não é responsável por qualquer vazamento de informação sigilosa em relação ao caso. O MMFDH respeita e age de acordo com a lei e sob os princípios da administração pública. Lamentável que um caso tão triste tenha suscitado, desde o início da última semana, uma campanha desnecessária contra o envolvimento do ministério”, diz a nota.

O MMFDH não respondeu a questionamento feito pelo HuffPost Brasil sobre quando a denúncia foi registrada no Disque 100, se integrantes da pasta realizaram reuniões com o conselho tutelar dos mais de 15 mil casos de abuso sexual de menores registrados em 2019 e se os dois servidores chegaram a viajar para acompanhar violações semelhantes. Também não foi esclarecida a contribuição específica do governo federal no caso.

Por email, a assessoria de imprensa respondeu que na nota enviada foi informado “o que é possível divulgar sobre a atuação do MMFDH em relação ao caso”. “De modo a garantir a preservação de informações sigilosas relacionadas ao direito à infância, conforme prevê o ECA, questionamentos pontuais não devem ser respondidos”, segundo o texto.

Redação

2 Comentários

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  1. Esse negócio de a igreja chegar primeiro não vai resolver nada…
    o que tem que chegar primeiro são as leis de proteção vigentes

    ninguém pode esconder isso, estas leis, das vítimas e de seus parentes

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