O ‘autoimperialismo’ é brasileiro, por Leão Serva

O ‘autoimperialismo’ é brasileiro

por Leão Serva

da Folha

 

Devia ser estrangeiro o menino que gritou “o rei está nu”. Só uma pessoa que vem de fora pode notar os distúrbios da psicologia de massas de um povo. É essa a qualidade que faz o escritor Benjamin Moser, norte-americano radicado na Holanda, criticar defeitos da cultura brasileira que autores locais não discutem, como faz nos três ensaios do precioso “Autoimperialismo” (ed. Planeta), que será lançado em São Paulo na quarta (6).

O livro é torturante para o leitor que acredita em algumas colunas vertebrais do orgulho nacional, a começar pela essência, a ideia de que o destino nos reservou um futuro “Brasil Grande”, que molda quase tudo de mais caro que produzimos ao longo dos séculos desde a Independência. Moser aponta casos paradigmáticos como: a urbanização da avenida Central (depois Rio Branco), no Rio, em 1906; a construção de Brasília, 50 anos depois; e um século mais tarde, o absurdo Museu do Amanhã, também no Rio, um “projeto de 100 milhões de dólares” construído “numa cidade onde tantas vezes museus e bibliotecas são fechados por não haver recursos para mantê-los”, entre outros exemplos.

A recentidade das faraônicas obras olímpicas, casadas com a falência do Rio antes de os jogos começarem, comprova a atualidade da ideologia do “gigante adormecido”. Ressalta a razão do opúsculo que começa afirmando o absurdo de Brasília, a capital construída no meio do nada com uma arquitetura monumental, autoritária como as obras de Hitler, Stálin ou Nicolae Ceausescu. O primeiro texto se chama “Cemitério da Esperança – Brasília aos 50”.

É o terceiro capítulo que dá nome ao livro: “Autoimperialismo” mostra como o destruidor do Brasil tem sido sempre o Brasil. Se países latino-americanos podem atribuir seus males ao imperialismo europeu ou norte-americano, em nosso caso temos em nossa própria gente a origem da destruição: “A ameaça, no Brasil, era sempre interna. E ver isso era se maravilhar com a frequência com que o discurso de guerra fora dirigido não contra o estrangeiro, mas contra o próprio país (…) “. “A polícia invadia favelas; os favelados invadiam as praias; os agricultores sem terra invadiam fazendas; fazendeiros invadiam reservas ambientais; colonos invadiam reservas indígenas.” O Brasil invade a si mesmo, conclui o autor.

Quem vê a capa da Folha do domingo (3) entende o que fala Benjamin Moser: o país nem deglutiu os malefícios (morais, econômicos, climáticos) causados pela obra faraônica da hidrelétrica de Belo Monte e a quadrilha, formada por empreiteiras e governantes corruptos, se prepara para impingir-nos mais uma grande barragem em um rio amazônico, o Tapajós. O “autoimperialismo” abre mais uma frente de guerra contra o Brasil.

CQD

Em 9.mai, sob o título “Aqui não tem remédio”, esta coluna narrou o teste de um serviço que a prefeitura anunciou como solução para a endêmica falta de medicamentos na rede pública municipal. No dia seguinte, uma carta do secretário de Comunicação tergiversou: disse que a administração entregaria três hospitais até o fim do mandato. Sobre remédios, nada. Um mês depois, o Ministério Público Estadual resolveu testar o serviço. E concluiu o que os usuários do SUS sabem desde 2013: aqui não tem remédio.

Redação

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