O beijo gay na Globo

Luciano Alvarenga

Não vou tratar aqui de como é mais interessante pro sistema econômico de mercado, em que tudo está convertido à mercadoria e ao consumo, de que uma sociedade gay ou, hetero sem família, é mais conveniente.

Faz mais de trinta anos que a Globo traz em suas novelas, personagens gays. Ao mesmo tempo em que o Brasil completava sua precária urbanização, as novelas traziam em cada personagem, em cada história um pouco mais da vida real, ou, inventada, dos gays. Sempre bacanas, honestos, sinceros, leais, bem humorados, os gays foram retratados nas novelas como pessoas boas e interessantes. A exceção do Félix, o gay mal, nenhum personagem gay, nestes trinta anos, era canalha, mau caráter, corrupto.

Ao mesmo tempo em que a Globo construía a imagem do gay ideal, os heterossexuais foram, nestes trinta anos, ficando cada vez mais sórdidos. Ladrões, vigaristas, traidores compulsivos, corruptos, golpistas e interesseiros. Ser hetero nas telenovelas da Globo é ser do mal incorrigivelmente. E o hetero que não é mal é otário, pelo menos até o penúltimo capítulo.

Nos anos 1990, não eram poucos os heteros que pensavam não ser possível vida feliz fora da homossexualidade, tamanha era a idealização da vida e do amor gay. A impressão geral, graças à propaganda nas mídias, via novelas, artigos de jornal e revistas, filmes e reportagens era que gay não sofria, não traía, não vivia mal. Tudo impressão, claro, a realidade não era essa, como hoje sabemos bem.

O beijo na boca dos personagens gays, no último capítulo da novela “Amor à Vida”, veio com sabor de anticlímax. Foi apenas um beijo, sem graça e sem convicção. Um beijo como qualquer outro.

O próprio Félix, o gay mal, ainda que convertido no fim da novela ao script de gay bonzinho da Globo, revelava que os gays são todos assim, como todos os outros. Bons e ruins, sórdidos e honestos.

Entretanto, se o tal beijo nada mudará nos preconceitos e na ampliação do debate sobre os gays, por outro lado, o beijo surge no momento mesmo da emergência de uma enorme onda conservadora que vem se formando no Brasil e no mundo. Depois de mais de 40 anos de ventos progressistas, liberais e libertinos, os ventos agora, são outros.

A Globo traz o tal beijo num momento em que ele está completamente destituído de significado simbólico, político e cultural. Parece-me mesmo, que marca o fim de uma grande narrativa, a dos gays, nas telenovelas; ainda que lá continuem aparecendo, não serão mais os mesmos.

Mas mais do que isso.

É o início de uma grande virada nos debates culturais no país. Depois de saírem do armário, da união civil gay, da adoção e do beijo na novela das nove, o que veremos, agora, é o refluxo dessas questões do centro do debate. Pelo menos no sentido de que a causa gay perderá terreno e espaço.

Irônico isso, tendo em vista que, nenhum grupo exterior às igrejas, colocou o tema do casamento e da família mais a sério do que os gays. Ao contrário, o que se viu nestes últimos quarenta anos foi uma campanha sistemática da mídia, dos intelectuais, publicações livrescas contra a família e o casamento. Os gays tentaram sair da marginalidade social se incluindo na sociedade, via instituições e comportamentos caros aos grupos ditos “normais”. Mas não foram aceitos.

Ocorre que agora, são exatamente as igrejas, ou parte significativa delas e, a sociedade nelas contidas que, reclamam a família e o casamento como exclusividade heterossexual.

O Brasil não volta a ser mais conservador, simplesmente nunca deixou de sê-lo. E como disse um entrevistado, de mais ou menos uns 60 anos, num trabalho em vídeo que desenvolvi com minha turma de jornalismo da Unirp: “Eu não concordo com os gays, mas só não digo isso por que não posso”.

Luciano Alvarenga

 

Redação

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