O Comitê de Direitos Humanos da ONU e o corporativismo dos juízes Brasileiros

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O Comitê de Direitos Humanos da ONU e o corporativismo dos juízes Brasileiros

Claudia Maria Barbosa

Luiz Moreira

A pressa com que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais (AJUFE) emitiram notas criticando a ação do ex-presidente Lula de acionar o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), para lhe garantir julgamento justo e imparcial, talvez possa justificar em parte a fragilidade e os equívocos nelas contidos.

O Brasil é, desde 1992, signatário do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU e, desde 2009, também de seu Protocolo Facultativo, que expressamente prevê a possibilidade de particulares encaminharem comunicação escrita ao referido Comitê, quando se sentirem ameaçados pela violação dos direitos protegidos pelo citado Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU.

O ex-presidente Lula não fez nada de diferente do que poderia fazer qualquer cidadão, inclusive um ex-presidente ungido duas vezes ao poder pelo voto dos brasileiros e que deixou seu segundo mandato com 80% de aprovação popular.

Ao acusar Lula de procurar o Comitê de Direitos Humanos da ONU “para constranger o andamento de investigações em curso”, a AMB a um só tempo revela sua ignorância quanto ao alcance do Direito Internacional no Direito brasileiro e, portanto, ao Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, como expressa sua má vontade em relação à ONU.

Conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, os Tratados de Direitos Humanos de que o Brasil é signatário, têm caráter de norma supralegal, sendo de observância obrigatória para todos, especialmente para o Poder Judiciário.

Em sua nota a AMB parece confundir força e independência com irresponsabilidade. A força do Judiciário decorre da legitimidade que advém de sua atuação dentro dos estritos parâmetros normativos e de sua defesa intransigente da Constituição.

Nesse sentido, a independência judicial é condição necessária, mas não suficiente, para a vigência do Estado de Direito, especialmente para aquele que se afirma democrático. Assim, espera-se que o Judiciário brasileiro mantenha-se contra majoritário, evitando “jogar para a torcida” ao invés de preservar imparcialmente as regras do jogo.

A Constituição da República preconiza a separação, o respeito e a harmonia entre os Poderes, mas também assegura que não existam poderes irresponsáveis, de maneira que todo exercício do poder obedeça a parâmetros jurídicos, passíveis de controle.

No Brasil de hoje há o papel politico do Judiciário, evidenciado pela parcialidade de alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e pela seletividade e pelos métodos extravagantes do juiz Sérgio Moro, levanta questionamentos sobre o que se pode esperar do Judiciário brasileiro, tornando atual a já clássica pergunta sobre “quem controla os julgadores…”.

A AMB, difícil saber se intencionalmente ou não, aproveita a crítica ao ex-presidente Lula para posicionar-se contra o Projeto de Lei do Senado 280, de 2016, que trata do abuso de poder cometido por autoridades. Certamente a AMB não desconhece que essa iniciativa não é patrocinada pelo partido do ex-presidente Lula, nem por ele e nem pela Presidenta Dilma, em cujos governos foram aprovados inúmeros e variados mecanismos de combate à corrupção.

A AMB expressamente declara que sua vigência “jamais tornaria possível uma investigação como a Lava Jato”. O que a AMB não diz é que referido projeto de lei apenas tipifica como abuso de poder ações que já são reprovadas pela Constituição, pelo Código de Processo Penal e pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos. A novidade do projeto de lei, em tramitação no Senado, consiste no reconhecimento de que os controles sobre determinados órgãos e autoridades podem não ser eficazes ou não resultarem em punições efetivas. Nunca é demais rememorar que, no Brasil, juízes que cometem crimes não são demitidos, mas aposentados compulsoriamente, preservando vencimentos proporcionais ao seu tempo de serviço.

É constrangedor perceber que a AMB possa ter receio que juízes sejam punidos por se valerem de métodos e de procedimentos ilegais, proibidos tanto pelo direito brasileiro, quanto pelas normas internacionais.

É um desrespeito à cultura jurídica nacional que AMB e AJUFE pretendam estabelecer um “vale tudo” jurídico, admitindo que o sucesso de processos judiciais possa decorrer da violação ao direito e à Constituição. Ninguém está acima da lei, nem magistrados, nem cidadãos.

As notas da AMB e da AJUFE, ao sugerirem a infalibilidade de Sérgio Moro, apenas consolidam a ideia segundo a qual a alguns é permitida a adoção de práticas arbitrárias e indicam que os fins justificam os meios.

Como nenhum juiz é infalível e o direito brasileiro adota para si as normas da ONU, é de se esperar que as associações de juízes não assumam discursos de ódio contra a Organização das Nações Unidas, nem pretendam o “nós contra eles”, somente para garantir que os atos judiciais praticados por seus associados se sobreponham aos Direitos Humanos.

A reclamação do ex-presidente Lula é legal e singela. Ele exerceu seu direito de petição, isto é, solicitou que o Comitê de Direitos Humanos da ONU, não submetido às disputas partidárias e não sujeito à pressão da mídia brasileira, verifique se ele é vítima de perseguição, se seus direitos estão sendo violados e se Sérgio Moro se porta como juiz ou como acusador. Ele requer um julgamento isento e se submeterá a este novo julgamento: o resultado será o decidido pela ONU.

Em síntese: Lula que ser julgado, mas por juiz imparcial; Lula respeita a justiça, mas não quer ser justiçado.

Claudia Maria Barbosa – doutora em Direito, advogada, professora titular de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Luiz Moreira – doutor em Direito, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, ex Conselheiro Nacional do Ministério Público

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. O exemplo de Lula deveria ser

    O exemplo de Lula deveria ser seguidos por todos que se sintam injustiçados nesta operação com as arbitrariedades cometidas reiteradamente. Querem implantar um absolutismo judicial, com direito a Wi-Fi direto com Deus.

  2. Afinal uma nação só será

    Afinal uma nação só será efetivamente democrática se respeitar o Estado de Direito. No caso do Brasil, não tenho dúvida, que como o judiciário sempre (SEMPRE) agiu por aqui, ainda não houve, se quer, nação.

  3. Como Juiz de Direito

    Como Juiz de Direito (aposentado do TJSP) e membro da associação brasileira de juízes nomeada, lamento profundamente a apressada e injustificada Nota da AMB (elaborada por seu presidente) e, no seu todo, subscrevo o artigo acima.

    A AMB deveria, sim, estar preocupada com a (efetiva) independência dos Juízes, propugnando, entre outras medidas – além do estrito respeito à Lei Complementar nº 35, de 1979, e Código de Ética da Magistratura – a reforma do arcáico sistema processual brasileiro para afastar o Juiz Julgador de qualquer atividade investigativa e de instrução do processo penal.

    É claro, íncito está propugnar pela obrigação dos alguns Juízes respeitarem a CF (da qual são guardiões), seus fundamentos e princípios. 

  4. Leiam então o que apareceu no Consultor Jurídico HOJE.
    Prisão provisória não pode durar mais do que pena.Tribunal de Justiça de São Paulo permite que homem preso em junho de 2015, acusado de tentar furtar bicicletas em condomínio, e condenado a um ano de reclusão em julho de 2016 recorra em liberdade..Como são justos nossos juízes, principalmente os de primeira instância.

     

    http://www.conjur.com.br/2016-jul-28/prisao-flagrante-nao-durar-pena-imposta

  5. Discordo.
    Os juízes

    Discordo.

    Os juízes brasileiros eram CORPOrativistas.

    Agora que aderiram ao golpe de estado liderado pela dupla de PORCOS Michel Temer/Eduardo Cunha eles passaram por uma transformação.

    Na fase atual, os juízes brasileiros são PORCOrativistas.

  6. na verdade concordam com ele

    a nota das associações corporativistas de juízes, quando acusa Lula de querer constranger os que o julgam, não erra. Lula quer julgamento dentro da lei e pede à ONU ajuda para constranger aqueles que querem atacá-lo a se limitarem à autoridade que lhes foi delegada pelo Povo, nada além disto. Deveriam se preocupar com o mérito das acusações feitas por Lula. Afinal, caso a caso, os atentados jurídicos que ele recebeu são permitidos por qual lei?

    Lula está sendo acusado judicialmente de “obstrução da justiça”. Com toda a razão, foi ao tribunal da ONU buscar “OBSTRUÇÃO DA INJUSTIÇA”.

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