O debate sobre tortura na linguagem sádica do atual governo, por Gustavo Cavalcante

Uma política que atua através do medo da população

Reprodução/Agência Câmara

O debate sobre tortura na linguagem sádica do atual governo

por Gustavo Cavalcante

A história do Brasil é forjada através do tema tortura cujo ato tardou para ser reconhecido como crime, demarcando situações que até hoje, no ano de 2019, não deixou de existir como prática natural em vários meios da sociedade. De adolescentes que sofrem nos corredores secretos de supermercados, ao encarceramento compulsivo que acumula pessoas sobre pessoas nas prisões, atordoadas pela ausência do poder público – que enfrenta crises na segurança pública e se abstém de investigações ligadas ao tema. Casos que reverberam um sentido de vingança, ou, “combate ao inimigo” personificado pelas drogas e, na conspiração bolsonarista, pelo terrorismo – muitas vezes referente a movimentos de esquerda. No Brasil, uma lei que definisse o que é tortura só veio em 1997 pela Lei 9.455/97. Mas para quem é autuado a responder, pode pegar somente dois anos de prisão.

Há quem diga que tortura – como cenas de cinema – é coisa do passado, se baseando no argumento da extinção dos manicômios. Todavia os espaços que enlouqueciam os loucos foram substituídos por uma ideia mais moderna, denominada comunidades terapeutas. Montadas para o combate ao vício de drogas – sempre perseguidas – as comunidades acabam por se revelar como espaços difíceis para fiscalizar não tendo um mapeamento exato de seus endereços. No âmbito nacional, não há um número exato de comunidades com esse mesmo fim, tão logo não se sabe como é o tratamento dado aos dependentes químicos.

“A tortura sempre será um ato escondido”, argumenta Henrique Apolinário, assessor de violência institucional da Conectas Direitos Humanos. “E é um problema estrutural, apesar do Brasil participar de todos os acordos de combate a tortura”. No país existem dois órgãos de fiscalização: o Comitê Nacional de Combate a Tortura – sendo 12 entidades da sociedade civil e 11 do governo – que fica por conta do Ministério da Justiça e o Ministério da Mulher, família e Direitos Humanos. O outro órgão é o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura – formado por 11 peritos escolhidos pelo Comitê, sendo a maioria da sociedade civil e se trata de casos remunerados. Desde 2014 possuem uma forte atividade de ir aos estados sem avisar e monitoram, mandando as recomendações para entidades locais e federais.

Mas essa realidade foi corrompida no governo Bolsonaro. Um de seus primeiros atos a frente da república foi desmontar esse sistema – ao menos o máximo que pôde. Os 11 peritos ligados ao Comitê Nacional trabalham assiduamente e, na virada de governo havia quatro vagas abertas por trocas de mandatos. Todavia, em abril, Bolsonaro lançou um decreto que exonerou a todos. Os órgãos ressurgiram mais recentemente, mas seus cargos não são mais remunerados.

Na segunda quinzena de outubro, depois de muita pressão e ameaças, haverá a primeira reunião do Comitê esse ano – sendo que o ideal fosse uma reunião a cada dois meses, a fim de debater novas medidas de combate e detalhar as denúncias de tortura recebidas no bimestre.

A atitude de exonerar cargos do Comitê vem do instinto populista de um presidente que já relatou – em sua vida de servidor público – várias vezes ser favorável a tortura. De casos como defender torturador na Câmara dos Deputados durante a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a casos em que impôs moralidade dentro da própria casa. Seu filho, Carlos Bolsonaro, vereador no Rio desde os 18 anos, nunca quis seguir carreira política. Mas aceitou o pleito em nome do pai – que o fez concorrer em eleição contra a própria mãe e depois nomeando a madrasta, de quem Carlos não gosta, como chefe em seu gabinete. “Carlos seria hoje um adulto disfuncional, em conflito com o mundo e consigo mesmo”, como narra a jornalista Malu Gaspar, na edição de julho/2019 da revista Piauí.

“O governo parte a todo momento para um discurso em que ataca entidades e busca esvaziá-las ao máximo, normatizando atos de tortura”, argumenta Henrique Apolinário. Para o jornalista Roberto Amaral, do Pensar Brasil, a complexidade de entender a ligação entre Bolsonaro e tortura vêm de bases muito baixas, se pensar num discurso para atacar a quem não é aliado. “O que intriga e espanta é a evidência de que o capitão é não apenas um defensor da masmorra, da tortura e do extermínio de adversários, mas, em todos os termos da definição, um sádico, que se vale da tortura psicológica para fazer sofrer seus desafetos”, argumenta o jornalista.

O efeito populista enrustido numa figura política que defende morte a bandidos, regado por uma ilusão de combate a violência – que impregna nos programas de televisão deixando os cidadãos amedrontados – tem em seus discursos uma abordagem clara para a população pobre que a leva a aceitar a permissividade da agressão como exemplo. “Com estados falidos, como é o caso do Rio de Janeiro, a violência vem se exacerbando, e ocorre em debates de outsiders políticos uma canalização de que o inimigo ‘está logo ali. É o bandido’” comenta Henrique. E por conta das crises, as pessoas tendem a pensar que “está todo mundo mal, então está certo, não se deve passar a mão na cabeça de ninguém”.

A agressão como exemplo de moral é uma atitude em que essa população busca como forma de “mostrar serviço”. Assim se deu nos casos em supermercados em São Paulo recentemente – e após as duas histórias mais comentadas, a Folha realizou uma pesquisa onde mostra vários casos semelhantes em um certo período de tempo. Boa parte dos agressores que atuam com intenção de “dar um exemplo”, trabalham com serviços de segurança de instituições privadas. Mas Henrique detalha que essa demonstração de moralidade ainda vem do poder público: “O discurso da permissividade acaba ecoando nas instituições privadas, sobretudo as ligadas a políticos que lucram muito com a violência.” Motivo que também vem ligado a crises na segurança pública. “Muitas vezes projetos ligados a policiais que precisam de uma renda extra, o que combate com o psicológico da pessoa. Aonde vem o jargão ‘missão dada é missão cumprida’, e ao ver um indivíduo roubando, sabe-se que tem de resolver o problema, onde uma vez pego, o indivíduo é maltratado a duras penas com o objetivo policialesco de dar o exemplo. ‘Aqui nesse supermercado, se roubar, vai ser torturado’”, complementa o assessor da Conectas.

Em debates realizados na ONU, em centros acadêmicos e em projetos como as ONGs Conectas e Repórter Brasil, tem-se como um modo efetivo de combater a tortura, é trabalhar para que todos tenham acesso ao assunto, a fim de minar uma conscientização pessoal – num serviço que leve a campo desde o judiciário até o Ministério Público.  Num tema sensível em que não se tem como fugir, dá-se a importância de conscientizar a todas e, para aqueles que se negarem, deixá-los cientes de que serão responsabilizados.

O debate em comum de entidades citadas acima, também prevê que para uma boa atuação seguir a rigor a obtenção do máximo de informações – que virão através de uma fiscalização constante. Intenção que funcionaria caso houvesse uma abertura no sistema nacional de combate a tortura, levando para todos os estados e municípios, entidades que representem o tema.

De dentro das prisões aos cantos escuros que um corpo humano pode sofrer algum delito, torturas físicas e psicológicas se aglutinam. Almas atordoadas que jamais puderam esquecer de tal experiência, leva, em seu transtorno psicológico, a dúvida sem resposta exata do motivo que o fez passar pelo que passou – e o que faz passar os seus súditos, como nos casos em que se transfere o trauma por geração.

Com a crise econômica e incerteza no mercado, em que não se sabe quando haverá empregos, naturalmente ocorre aumento da violência – tanto estatal quanto social. Para Roberto Amaral, em situações como essa, é preciso diálogo a fim de propagar a paz e não o ódio – como vem ocorrendo com outsiders políticos em suas redes sociais. Mas é possível enxergar um modo de ir em busca para um futuro diferente, para que é a favor do fim da tortura. “A alternativa, uma vez mais e como sempre, está na política e, no caso concreto, no aprofundamento das contradições da direita e na ampliação social e política da resistência e o rumo dos acontecimentos será ditado pela mobilização social”.

Redação

1 Comentário

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  1. Não fiquei surpreso com o fato de Sérgio Moro comandar a tortura nos presídios. Quando era juiz ele ordenou prisões abusivas para obter delações seletivas transformando o processo penal em instrumento de tortura. O que causa espanto é o MPF agir como Coiteiro de torturador.

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