O dia em que Joaquim Barbosa enganou seus alunos

Política, Sociedade | 11:36

O dia em que o professor Joaquim Barbosa enganou seus alunos

O enfático, barulhento e maniqueísta debate instaurado entre leitores da coluna a partir do post anterior escancara o clima de guerra entre facções existente no País. Noves fora, claro, algumas exceções que, concordando ou divergindo frente às observações sobre o lado positivo da política, dos políticos e, sobretudo, das instituições, conseguiram escapar do tom de agressividade da maioria dos comentários.

Joaquim Barbosa: Enganos na análise dos partidos e do Congresso?

O ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF: engano na análise dos partidos e do Congresso?

Um refinado amigo da coluna anotou algo a se pensar: “Não existe mais uma opinião, mas uma militância de opinião”, referindo-se à onda de resumir o debate a uma batalha entre petralhas e privataria. No meio do bolo, as teorias conspiratórias, as grosserias puras e simples, a necessidade de diminuir o autor ou o comentarista ao lado.

Há algum tempo a polarização política no Brasil nos deu, e a internet amplificou, a sensação de que, por aqui, é pau, é pedra ou o fim do caminho. Um mundo preto ou branco, sem tons de cinza.

Esta coluna não pretende assumir um dos lados mas, pretensiosamente, ajudar a encontrar matizes perdidos entre preconceitos carbonários.

E talvez aqui inspire mais raiva em muitos.

Um Joaquim Barbosa para chamar de seu

Um exemplo?

Joaquim Barbosa é hoje para muitos um Deus em forma de toga. Quando o iG publicou um perfil do ministro, dentro da série “Os 60 mais poderosos do País”, e afirmou coisas mais duras do que a média pretendia ler, quase 2 mil comentários empanturraram a página com agressões verbais ao texto – contra algumas centenas de comentários críticos às demonstrações de autoritarismo exibidas por Barbosa.

Com o julgamento do mensalão, o presidente do Supremo Tribunal Federal teria se transformado no ícone da luta contra a corrupção.

Como há alguns meses afirmou Maria Cristina Fernandes (uma das grandes jornalistas políticas do País), cada um tem um Joaquim Barbosa para chamar de seu.

Para os defensores das minorias e das liberdades individuais, o presidente do STF faz diferença no avanço das políticas de cotas, do reconhecimento do casamento gay e do direito ao aborto de anencéfalos.

Com o mensalão, os rebelados contra os conluios do poder aplaudem a “cadeia para os poderosos corruptos”. Também se regozijam com o enquadramento de juízes e advogados.

Terreno perigoso, este.

A ida dos presos de São Paulo, Belo Horizonte e Goiânia, cidades de suas residências, para cadeias em Brasília foi não só sem sentido como sem amparo legal, dizem alguns juristas. Um retrato da determinação de Joaquim Barbosa de  colocar algemas nos réus dos mensalão, cujo desfecho foi a conturbada sessão do STF de uma semana atrás, quando decididas as prisões sem esperar pelo fim dos recursos de defesa e surgido o revelador incidente envolvendo Barbosa e o procurador-geral Rodrigo Janot e o caso do despacho de um novo documento do processo sem o presidente da Corte os ler.

O fato é que mais uma vez Barbosa colheu palmas por meio de seu engenhoso e competente talento de montar argumentos para o distinto público – e não à toa tem recebido afagos e tentativas de sedução eleitoral do PSDB e seu pré-candidato presidencial, Aécio Neves (PSDB).

Digo mais uma vez porque, em maio, o presidente do Supremo já montara um outro plano, ao embarcar no terreno político-partidário. Ali ele conquistou mais uma tribo que não aquela das minorias, da toada conservadora ou da grita anticorrupção. Barbosa passou a mirar também naqueles que enxergam na inconsistência programática dos partidos brasileiros e  na prevalência do Executivo sobre o Congresso a fonte de muitos males da nação.

Uma mentirinha de Barbosa

Numa aula que deu no Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), naquele mês, Barbosa disse que as propostas de iniciativa de parlamentares aprovadas pelo Congresso não devem chegar a 15%, quando deveriam ser de 90%. Isso não só fomentaria partidos de “mentirinha” como explicaria ainda sua tese em torno da excepcional fraqueza do Legislativo – tese já apoiada por considerável maioria popular, incluindo radicais livres à esquerda e à direita, jovens manifestantes contra “tudo o que está aí”, classe média desiludida, senhores e senhoras insatisfeitos com as instituições representativas e a democracia brasileira.

Barbosa disse mais: afirmou que o Congresso é “ineficiente” e incapaz de deliberar, que não nos identificamos com os partidos que estão no Parlamento. Em sua verve de analista político, ainda defendeu a mudança no atual sistema político, pregando o sistema distrital.

Barbosa estava enganado. Como professor ou como presidente da Corte, despreza não só os ritos, mas também os fatos. (Algo, sublinhe-se, que a população insatisfeita com o Congresso e os políticos, por exemplo, não tem obrigação de saber.)

Quem tiver a paciência de buscar estudos sobre as atividades parlamentares mundo afora vai saber que o Executivo tem o poder de agenda sobre a maior parte dos legislativos do planeta. Portanto, Barbosa se equivoca ao imaginar que deveria ser o Legislativo o grande predominante das iniciativas de propostas aprovadas.

Há várias décadas assiste-se a uma crescente perda de autonomia dos parlamentares frente aos governos. As duas grandes guerras mundiais exacerbaram essa concentração de poderes.

Hoje, estudos legislativos mostram que tanto a taxa de sucesso dos governos em fazer aprovar seus projetos quanto a predominância de iniciativas do Executivo na pauta aprovada rondam os 90%. Em outras palavras: o contrário do que defendeu o presidente do Supremo.

De um estudo do Banco Mundial, é possível extrair uma frase exemplar: “O Parlamento é um corpo que reage às medidas do Executivo. Esse contexto do Executivo forte e Parlamento reativo limita a modernização sem mudanças constitucionais sísmicas”. Não se refere ao Brasil – lamentaria Barbosa – mas ao Reino Unido, berço da democracia representativa. John Stuart Mill deve estar se contorcendo no túmulo.

Sistema político podre e singular no Brasil? Nem tanto

E no Brasil? O leitor pode ir ao que escreveu o cientista político Fernando Limongi, da USP. Quando se dizia que o País precisava de reforma política para se tornar governável, o professor publicou “Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional”. Era 1999, e Limongi mostrava ali, voto a voto, que o Executivo não tinha embaraços para formar maioria – logo, a relação com o Congresso não deixava o Brasil ingovernável.

Em 2008, quando o debate havia migrado para a fisiologia paralisante das comissões de Orçamento, ele e Argelina Figueiredo, do Iuperj (hoje IESP), escreveram “Política orçamentária no presidencialismo de coalizão”. O tema é chatíssimo para a maioria dos (e)leitores, mas a dupla mostrou algo pedagógico: as emendas comprometem migalhas do investimento; e, ao rifá-las da lei orçamentária, arriscava-se ao empobrecimento da representação.

Em outro estudo, Limongi apresentava outras evidências e concluía: “Nada autoriza a tratar o sistema político brasileiro como singular. Coalizões obedecem e são regidas pelo princípio partidário. Não há paralisia ou síndrome a contornar”.

Ou: “É equivocado insistir em caracterizar nosso sistema por suas alegadas falhas, pelas suas carências. Inverter a perspectiva, no entanto, só torna a tarefa mais difícil, pois implica aceitar a necessidade de explicar o real, não de condená-lo ou censurá-lo. Para fazê-lo, para apreender como de fato opera o sistema político brasileiro, é preciso (…) reconhecer que não existem diferentes tradições ou idiomas em disputa”.

Em outro texto, Limongi afirma:

“Não há nada de novo na insatisfação com a mesmice da política. Mais do que isto, a crítica à rotina de uma vida democrática destituída de opções reais não é propriamente nova ou específica ao Brasil. Sentimentos desta natureza estão presentes em todos os regimes democráticos ao redor do mundo. Parte desta frustração, paradoxalmente, é consequência direta da própria democratização dos governos representativos que trouxe consigo os partidos políticos e a profissionalização da atividade política. Porque vivemos em um regime democrático, somos governados por estes personagens mesquinhos, menores, que vivem da política, que só fazem isto para viver, incluindo correr atrás de dinheiro para financiar suas campanhas eleitorais. Muito do que passa por novo ou é visto como específico ao Brasil não é senão a manifestação de velhas tensões inerentes ao governo representativo. Não é demais pedir cautela. Nem tudo está errado. Insatisfação e demandas por mudanças não é o mesmo que revolução”.

O título deste artigo diz muito a quem acredita em tinturas de democracia direta para varrer do mapa o atual modelo de democracia representativa: “Vontade popular pronta e acabada é presunção”. 

São bons textos para o professor Barbosa ler e reconhecer pelo menos que sistemas políticos não forjam caráter.

 

11 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Agora colunista da folha criticam Joaquim Barbosa

    Alguns colunistas da Folha de S.Paulo começaram a criticar as lambanças do Joaquim Barbosa. Isso tem um propósito, que não é de apontar as injustiças cometidas pelo ministro, mas sim de fazer uma campanha para inviabilizar sua candidatura para presidente, pois pode se tornar um incomodo aos tucanos Serra e Aécio.

  2. [Joaquim Barbosa é hoje para

    [Joaquim Barbosa é hoje para muitos um Deus em forma de toga  ] Num país que o povo adora corrupto e honesto é mais o incompetente que  não teve oportunidade de meter a mão numa bufufa de recursos públisos, não acietiar que todo que quiser ter dirieito a isso por hereditariedade, é um metido a ser deus

  3. Começou a desconstrução da

    Começou a desconstrução da grande mídia sobre Joaquim Barbosa. Mas, isso já havia sendo feito pela mídia alternativa há um bom tempo. O que separa o tempo de deconstrução das duas mídias é o fim do julgamento do ‘mensalão’ petista e a indicação do julgamento do ‘mensalão’ tucano. O que me faz perguntar aos meus botões: não teria toda essa crise sido causada por uma tabela do JB e a grande mídia? Ou, ao que tudo indica, o que ocorrera nesse exdruxulo julgamento, indica que perder tres eleiçoes fez com que nossa elite tenha enlouquecido de forma plena. Jogar o Genoino numa prisão debaixo de show cinematografico, e a liberação de documentos pelo Pizzolato no exterior, se descobrira e se condenará a loucura na qual nossa elite se colocara para inventar e condenar o PT para encobrir a forma como se controla a politica brasileira através de doações ilegais e caixa 2. 

  4. De uma coisa eu tenho certeza

    De uma coisa eu tenho certeza absoluta: a extema competência profissional dos psicólogos do Itamarati. Não fosse isto, muito provavelmente, lá ele provocaria estragos maiores nas nossas relações internacionais Alguém consegue imagina-lo com embaixador? Deus é brasileiro!

  5. Joaquim Barbosa não enganou, ele ensinou errado

     

    Luis Nassif,

    Não sou crítico de artigos para os saber avaliar quanto a aceitação dos artigos junto aos demais leitores. Assim fico na dúvida sobre a razão para um post como este “O dia em que Joaquim Barbosa enganou seus alunos” de quinta-feira, 21/11/2013 às 04:58, reproduzindo post no IG do jornalista Rodrigo de Almeida e com o mesmo título do post aqui no seu blog. O post “O dia em que o professor Joaquim Barbosa enganou seus alunos” saiu no IG na quarta-feira, 20/11/2013 às 11:26.

    Reproduzido aqui neste post “O dia em que o professor Joaquim Barbosa enganou seus alunos”, pelo menos até agora, o post de Rodrigo de Almeida teve somente seis comentários. Muito pouco dada a importância do assunto e o atrativo que o nome do ministro Joaquim Barbosa representa.

    Penso que um pouco cabe ao texto de Rodrigo de Almeida que me pareceu ter uma profusão de idéias um tanto difíceis de acompanhar e com um título não muito adequado às discussões que ele propõe. Mais da metade do texto é realmente sobre as idéias a respeito da prática política no Brasil de Joaquim Barbosa expressas em aula no Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) no mês de maio de 2013, antes ainda das manifestações de junho deste ano. O que há de mais relevante na crítica que Rodrigo de Almeida faz a Joaquim Barbosa não é tanto o ataque às idéias de Joaquim Barbosa sobre a prática política no Brasil, mas a demonstração de que a particularização do Brasil é enganosa, pois os defeitos apontados por Joaquim Barbosa são generalizações sobre a prática política aplicáveis a qualquer lugar do mundo.

    Em meu entendimento um título mais adequado para o post de Rodrigo de Almeida seria: “A visão enviesada, distorcida ou enganosa de Joaquim Barbosa sobre a prática política brasileira”. Para ficar um título mais curto, os termos “enviesada” e “distorcida” podiam ser retirados. A minha intenção era só destacar que a percepção da prática política brasileira contém o viés de a considerar uma prática diferente do restante do mundo. Não penso que o ministro Joaquim Barbosa enganou seus alunos. Ele, em meu entendimento, ensinou errado. E ele ensinou errado não para enganar mas porque esta é uma percepção equivocada que a maioria das pessoas têm em qualquer lugar do mundo.

    Aproveito para deixar algumas indicações de posts e artigos que avaliam como equivocada esta particularização da prática política no Brasil. Primeiro lembro que o post anterior de Ricardo de Almeida a que ele se refere logo no início e fora publicado no portal do IG domingo, 17/11/2013, intitula-se “Brasil namora com a intolerância e uma nova versão de fascismo?”. E o artigo do Fernando Limongi a que Rodrigo Almeida se refere no final do texto com o título “Vontade popular pronta e acabada é presunção” fora publicado no jornal Valor Econômico de segunda-feira, 01/07/2013, e pode ser visto no endereço a seguir:

    http://www.cebrap.org.br/v2/news/view/330

    E as indicações que eu falei em fazer são:

    1) o post “Limongi, a Mexicanização e a Reforma Política” de quarta-feira, 01/09/2010, e publicado no blog Na Prática a Teoria é Outra (do blogueiro Celso Rocha de Barros que infelizmente está em hibernação) e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://napraticaateoriaeoutra.org/?p=6867

    2) o post “Jânio de Freitas, clássico” de quinta-feira, 23/09/2010 também publicado no blog de Na Prática a Teoria é Outra e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://napraticaateoriaeoutra.org/?p=7094

    3) e o post “Grandes e espertos” de sexta-feira, 03/09/2010 às 00:01:00 BRT e publicado no blog de Alon Feuerwerker (Que também está em hibernação).

    Em meu entendimento, não se pode deixar de lado imposições culturais pertinentes aos diferentes países, mas há que se entender que determinadas instituições (A democracia representativa) tem um funcionamento muito claro e previsível que somente grandes alterações como a ausência de partidos políticos (Como é o caso do Irã), a inexistência da divisão dos poderes, ou situações parecidas poderiam ensejar estabelecer distinções quantitativa e qualitativamente expressivas entre os países.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 21/11/2013

    1. Erro na expedição das ordens de prisão não faz a AP 470 injusta

       

      Luis Nassif,

      A segunda frase do meu comentário enviado hoje, quinta-feira, 21/11/2013 às 14:11, ficou sem um complemento importante para a frase ter sentido. Reproduzo-a a seguir de modo completo. Queria eu dizer lá:

      “Assim fico na dúvida sobre a razão para um post como este “O dia em que Joaquim Barbosa enganou seus alunos” de quinta-feira, 21/11/2013 às 04:58, reproduzido do post publicado no IG, do jornalista Rodrigo de Almeida e com o mesmo título do post aqui no seu blog, tenha tido tão pouca repercussão”.

      E acrescento um ponto crítico no post de Rodrigo de Almeida que me ocorrera antes, mas eu esqueci de mencionar. Rodrigo de Almeida faz referência a um discurso de maio de 2013 em que Joaquim Barbosa expressa idéias distorcidas sobre a atividade política no Brasil e dá a entender pelo título que Joaquim Barbosa tinha enganado agora os alunos dele. O título do post “O dia em que Joaquim Barbosa enganou seus alunos” ficou forte como crítica a Joaquim Barbosa porque agora há uma percepção maior de que Joaquim Barbosa se enganou na expedição das ordens de prisão dos réus da Ação Penal 470.

      Aproveito e deixo indicado um post de hoje, 21/11/2013 às 17:48, e publicado aqui no seu blog com o título “Para Olívio Dutra, condenação de petistas é justa: “eu não os considero presos políticos”” em sugestão de Frederico69 que trouxe da edição impressa de hoje, quinta-feira, 21/11/2013, do Jornal do Comércio, a reportagem de Jimmy Azevedo intitulada “Olívio considera justa a prisão dos mensaleiros”

      e com o subtítulo “Petista afirma que respeita a decisão do ministro Joaquim Barbosa”. O endereço do post “Para Olívio Dutra, condenação de petistas é justa: “eu não os considero presos políticos”” é:

      https://jornalggn.com.br/noticia/para-olivio-dutra-condenacao-de-petistas-e-justa-eu-nao-os-considero-presos-politicos

      Tenho defendido a correção do julgamento da Ação Penal 470 pelo STF e avalio como eu disse lá no post “Para Olívio dutra, condenação de petista é justa: “eu não os considero presos políticos”” em comentário que enviei hoje, quinta-feira, 21/11/2013 às 14:11, que Joaquim Barbosa foi além da previsão legal na expedição das ordens de prisão de alguns dos réus. Como eu concordo com a maior parte das idéias que Rodrigo de Almeida apresentou no post dele “O dia em que Joaquim Barbosa enganou seus alunos”, considerei que seria mais adequado fazer também alguns reparos no que ele disse para salientar a minha divergência com o que ele escreveu. Então que fique a expansão da crítica e o elogio que de certo modo eu nem cheguei a fazer no meu primeiro comentário para um post que traz muitas informações importantes para a compreensão da realidade política brasileira.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 21/11/2013

  6. Estão matando o Genuíno e quer que agente fique quietinho ?

     De novo essa historinha pra boi dormir, colocando no mesmo balaio os que defendem os petistas dessas  barbaridades contra a conhecida turba da direita.

    tenha santa paciência

  7. Eu apresentaria, ainda,

    Eu apresentaria, ainda, outros estudos e argumentos de grande envergadura que desmentem o senso comum do Joaquim Barbosa. Em sua tese de doutorado, por exemplo, o cientista político Jairo Marconi Nicolau demonstra, amparado em dados e teorias bastante sólidas, que a fragmentação partidária no Brasil não se deve ao sistema eleitoral vigente no país. Para isso, ele analisa a fórmula eleitoral, a magnitude dos distritos e o processo de escolha dos candidatos intralista e conclui que nenhum destes elementos próprios do sistema eleitoral são responsáveis pela fragmentação partidária no Brasil. Pelo contrário, a fórmula eleitoral, D’Hondt, usada no Brasil até favorece os grandes partidos em detrimento dos pequenos. Assim, a magnitude dos distritos, por mais elevada que seja, não favorece aos pequenos partidos, ao menos não para que se tornem partidos efetivos, com capacidade de influenciar os rumos das políticas públicas e a gestão do Estado. Estes fatos têm dois desdobramentos: um efeito mecânico, que leva os pequenos partidos a não avançar no espaço do poder, e um efeito psicológico, que leva muitos eleitores a abandonar os candidatos de pequenos partidos para não perder seu voto. Por isso, o que determinaria, de fato, a fragmentação partidária no Brasil seria algo exterior ao sistema eleitoral: seria o comportamento das elites políticas que, para garantir o mínimo de influência, ou se manter ou disputar fatias do poder, constantemente mudariam de sigla ou criariam novas siglas, as quais estariam fadadas a desaparecer no curto ou médio prazo. Qualquer semelhança com o PSD, DEM, PFL et caterva não é mera semelhança. Assim, mais que o sistema eleitoral, seria necessário investigar profundamente o comportamento, a cultura e a personalidade das elites políticas brasileiras. Enfim, os partidos não se explicam por si no Brasil, mas pelo comportamento das suas elites políticas. E o sistema eleitoral, constantemente acusado por um tal “inferno partidário” no Brasil, é o bode expiatório cuja supressão ou transformação atenderia muito mais a interesses não revelados, de algumas elites políticas não acostumadas ao exercício da vida democrática. Outrossim, é preciso discutir com mais rigor se o multipartidarismo é, de fato, um percalço, um retrocesso, um engodo ou se ele é benéfico, qualifica a democracia. Neste ponto, há duas correntes de debate na Ciência Política: a majoritária, que defende que a celeridade das decisões e a capacidade de um governo de impor programas (capacidade decisória, decisividade) como os indicadores básicos de qualidade das democracias; e, a proporcionalista, que defende que a qualidade das políticas democráticas se deve à quantidade de agentes sociais que estas políticas atendem ou atingem (capacidade resolutória, resolutividade). Para aqueles que entendem a qualidade de uma democracia como sendo a capacidade decisória, então a redução do número de veto players, de agentes com capacidade de veto do jogo político numa democracia, como os partidos, instâncias judiciárias, sociedade civil etc. é o mais adequado. Por isso, as reformas que eles propõem são sempre no sentido de elevar o poder do executivo e reduzir o poder de outras instâncias ou instituições sociais. O Joaquim Barbosa é, claramente, adepto desta corrente, com um diferencial que não existe na Ciência Política: ele quer concentrar o poder nas mãos do judiciário e não do executivo, que é por ele desprezado e desmoralizado. A segunda corrente, vai em direção contrária, defende que quanto maior o número de veto players maior a qualidade das decisões democráticas, das políticas públicas, pois isto é fundamental para que as políticas públicas possam atingir e satisfazer os interesses do máximo de agentes sociais numa sociedade complexa e multifacetada como as modernas. Este é o modelo que prevalece nos países mais democráticos e desenvolvidos, como os países escandinavos, onde o número de agentes envolvidos no processo político com poder decisório é muito elevado. Os proporcionalistas denunciam, ainda, que o modelo majoritário cria democracias frágeis, com políticas públicas passíveis de revisão permanente, diferente do modelo proporcionalista, que permite a sedimentação de políticas públicas ao longo do tempo. Neste caso, na nossa jovem democracia, o que estaria em voga, ainda, seria um processo de maturação do jogo democrático, das instituições e da cultura democrática num país que esteve, por muito tempo, submetido a uma cultura e um modelo autoritário de governo. Seria interessante o Joaquim Sabe Tudo Barbosa dar uma lida nesta literatura, afim de saber melhor do que está falando. Por fim, um estudo que desmonta totalmente o argumento do JB sobre o nosso sistema partidário: ao contrário do que ele pensa em seu senso comum, os nossos partidos políticos mais importantes, aqueles que possuem poder efetivo de influenciar os rumos da política, da gestão do Estado e das políticas do governo estão em franco processo de institucionalização desde os anos de 1990. É o que demonstra o artigo Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizado, da cientista política Maria do Socorro Souza Braga. Com base em uma metodologia nova e uma nova literatura sobre estudo dos partidos políticos, a pesquisadora demonstra que os nossos principais partidos não somente tem conseguido manter uma bancada relativamente estável no Congresso Nacional, como participar na gestão da máquina estatal com a indicação cada vez mais consolidada de quadros para os cargos-chaves dos ministérios, além de manter uma coalisão relativamente coerente, em nível nacional, que tende a consolidar, aqui já é conclusão minha, o nosso modelo de sistema de governo de coalisão, o qual, por sua, vez, tenderia a amadurecer as bases políticas e culturais da nossa democracia. A coalisão, tão criticada também pelo sábio Barbosa como algo imoral, contrariamente, em Ciência Política seria importante para a democracia brasileira, pois ajuda a fortalecer relações entre as elites políticas, promover a circulação de informações entres estas elites, reduz as desconfianças mútuas, favorece o diálogo entre elas, ao amadurecimento de programas de governo e à elevação da qualidade dos debates e das decisões políticas. De fato, neste último quesito, hoje quem mais prejudica a democracia brasileira é a oposição raivosa, vingativa e sem projeto para o país. O problema é que o Joaquim Barbosa colocou na cabeça que sabe de tudo, que é um Deus, por isso, anda por aí desfilando opiniões baseadas em puro senso comum contra arranjos institucionais e processos históricos que fogem à sua capacidade de compreensão divina.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador