O direito à alimentação, a dignidade humana e a ração de Doria, por Silvia Arias Mongelós Viegas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O direito à alimentação, a dignidade humana e a ração de Doria

por Silvia Avelina Arias Mongelós Viegas

O direito à alimentação, previsto expressamente no artigo 6º da Constituição Federal, não pode ser analisado sem critérios éticos e jamais perder de vista a dignidade humana. A questão não é tão somente biológica ou nutricional, o direito à alimentação é também um interesse social, e, como tal, requer por parte do Estado a implementação de políticas públicas destinadas a garantir a uma alimentação digna. Assim, a liberdade do agente político, do decisor, nesse tema, possui limites.

Analisar um problema complexo como o da alimentação (intrinsecamente ligado à condição social e econômica, à cultura alimentar, a questões ambientais e agrícolas) sob a ótica de mercado, motivar-se por um marketing político desagregador, inconsequente até porque inexperiente com a coisa pública, e projetar soluções mágicas para esse mesmo problema pode dar nisso: a instituição de uma ração humana e uma farinha a base de restos de comida com prazo de vencimento próximo para pessoas em situação de vulnerabilidade, agora estendida às merendas escolares da rede pública municipal.

É chocante, pois programas de governo de qualquer ordem, bem como iniciativas assistencialistas, não podem ser humilhantes. A ideia de uma ração e de uma farinha processadas com restos de alimentos, no limite da validade, inferioriza, categoriza seres humanos pela pobreza, pela miséria. A “brilhante ideia” divide as pessoas entre os que comem ração e os que têm acesso a alimentos de qualidade. Trata-se de medida ultrajante, pois estamos falando em acentuação da estratificação pela alimentação. Deve, portanto, ser objeto de indignação e de questionamentos sérios.

O conselho dos nutricionistas repudiou a iniciativa, por se tratar de alimentos cujas qualidades nutricionais não poderiam ser devidamente verificadas e controladas, diferentemente do que tem sido dito pelo prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB). Como será feito o controle sanitário desses alimentos? Da validade e da qualidade? Não sabemos.

Não havia realmente opção melhor? Ou, nem percebemos mais o horror desse tipo de visão, que se estende a outras esferas? Até onde vamos com posturas desse nível por parte de autoridades?Assistencialismo e programas de combate à fome e à miséria devem ser pensados de forma a não aviltar os destinatários. Trata-se de paradigma moral e normativa básica, conforme orientações da FAO e do CONSEA e da própria Constituição Federal.

Se não conseguimos enxergar outro horizonte ético e se justificarmos tais posturas degradantes pela necessidade e miserabilidade, se acharmos simplesmente que pobre, porque tem fome, deve aceitar qualquer coisa, vamos muito, muito mal, a caminho de aprofundar diferenças e afetar a qualidade de vida de pessoas, especialmente colocando em situação de risco crianças sujeitas a uma decisão discricionária despida de qualquer consciência dignificante.

Silvia Avelina Arias Mongelós Viegas – Advogada, mestre em Ciência Política pela UFPR

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Atenção, o Eduardo Guimarães

    Atenção, o Eduardo Guimarães em seu blog levanta uma suspetia gravíssima. A de que um abrigo aparentemente ligado à arquidocese de São Paulo “disponibilizou” cobaias para a tal farinata. Dentre o grupo de cobaias humanas, todos miseráveis recolhidos das ruas, 14 morreram de intoxição alimentar.

    Tem algo de muito podre nessa história, além da gororoba do Dória em si. Lembrando que quando o prefake foi anunciar que iria empanturrar as crianças das escolas públicas com essa farofa podre, o senhor Bispo dom Odilo Sherer estava ao seu lado dando o “aval” da Igreja Católica. Atenção CNBB! Dá uma olhada nisso.

  2. Excelente texto, que pode ser

    Excelente texto, que pode ser subscrito por qualquer portador de sentimento e respeito pelo ser humano. Independente de ser aquele, gente bonita e gente de bem, digo, de bens.

    Claro que nos dias que atravessamos, muitos justiceiros e falsos moralistas militantes do combate à corrupção dos outros, como deu exemplo brilhante, o aecinho do pó, o Demóstenes Torres. Dentre outros salafrários em vias de desmascaramento.

    Não se pode esquecer, dos vendilhões da fé, daqueles mesmos que falam em nome do Homem que os espulsou do Templo, debaixo de vigorosas chicotadas, os hipócritas e reacionários vendilhões.

    Estes hipócritas, outros, por pura e igênua ignorância. Por certo, apoiarão o marketeiro Dórea. Assim como, se agacharâo para beijar as mãos do hipócrita e reacionário vigarista, ops, vigário, Odilo Sherer.

    Orlando

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