O direito de recurso é fundado numa certeza material

    Temendo que o julgamento dos embargos infringentes interpostos pelos advogados de defesa dos réus do mensalão possa reverter algumas condenações, a ex-ministra Ellen Gracie, do alto do conservadorismo elitista que orienta suas posições, manifestou publicamente seu apoio à posição de Joaquim Barbosa: “A lei dos embargos infringentes não existe mais; a legislação mudou, foi atualizada e terminou com essa figura jurídica. A sociedade se modernizou e o julgamento valeu.”

  A advogada aí, usa a ideia ‘modernização da sociedade’ como justificação da sua escolha, que é a de negar aos réus o uso do direito da ampla defesa e de lhes suprimir a garantia do princípio do contraditório, ambos abrigados na Constituição Federal.  A única relação direta que a modernidade tem com a possibilidade jurisdicional de manejo de recursos diz respeito ao fato de que o Direito, como toda ciência e respectiva tecnologia, é uma maneira de pensar e de agir que estrutura a própria identidade da modernidade. Nesse sentido, a sociedade se moderniza na exata medida em que as ciências se aperfeiçoam com suporte em seus fundamentos.

  Se a intensão do legislador com a nova lei foi a de extinguir o recurso dos embargos infringentes, privando aos inconformados de exercer o direito de revisão de seus julgados, incorreu-se em grave equívoco: o fundamento do direito de recurso tem por suporte uma lei da natureza: “a falibilidade humana”. De fato, quem faz erra, só não erra quem não faz.  Querer superar essa condição humana, por meio de uma regra que expressa a vontade de uma maioria representativa, manifestada na fugacidade de um breve tempo e um lugar, é o mesmo que querer assumir uma esfera de sabedoria e de poder que só a Deus é admissível alcançar e exercer.

  Não é porque uma nova lei nacional e infraconstitucional tenha omitido mencionar o direito de revisão da decisão judicial primária e única que o cidadão esteja colocado a nu em desamparo diante do erro quanto a compreensão dos fatos, quanto a escolha, interpretação e aplicação da lei, ou quanto ao devido processo legal. Para proteger a pessoa quanto ao erro, à subjetividade e ao arbítrio do julgador o ordenamento jurídico é completo e eficaz.  Vale aplicar os princípios constitucionais e vale, também, aplicar as normas dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.  O artigo 8º do Pacto de San José de Costa Rica, em sua alínea h, é norma atual, válida e eficaz que garante o direito de o cidadão recorrer da decisão judicial com a qual manifesta inconformismo.

   Não fosse a estrutura de vigência universal dessas convenções internacionais, as conquistas da Civilização Ocidental facilmente sucumbiriam ao autoritarismo de raiz fascio-nazista que identifica  operadores técnicos que só estudam direito, direito que se esgota nos limites das regras positivas postas pelo parlamento, sob influxo dos interesses do mercado.

   À comprovação da necessidade de se conceder ao réu oportunidade de manifestar inconformismo com o erro judicial, acabamos de testemunhar o julgamento em que o STF, por unamidade de votos, decidiu atender ao pedido de anulação do processo feito pela defesa de Carlos Alberto Quaglia que alegou cerceamento de defesa do réu durante o andamento do processo do mensalão. Após o voto de Lewandowski, os outros ministros do STF reconheceram que houve erro por parte do serviço administrativo do Tribunal.

Redação

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