O Direito de Resposta e o caso da juíza Márcia Cunha

Na sequência, a juíza Marcia Cunha, Daniel Dantas, Janaina Leite e Carpena do Amorim

 

Antecipo um capítulo do meu próximo livro para mostrar de que maneira a falta de uma lei de direito de resposta permitiu ao banqueiro Daniel Dantas valer-se de uma mídia venal e um corregedor corrupto para sacrificar uma juíza séria: Márcia Cunha.

O caso Márcia Cunha

Daniel Dantas se valeria de outro veículo – a Folha de S. Paulo – para suas revanches.

Dois magistrados foram fundamentais para apear o Opportunity do controle da Brasil Telecom. Antes de Edson Vidigal, a desembargadora Márcia Cunha, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu a primeira sentença séria desfavorável a Daniel Dantas.

Vamos entender o jogo aproveitando o bom levantamento feito pelo jornalista Fábio Carvalho, em resposta a uma discussão entre blogs sobre um dos capítulos da série.

2/10/2005 – “Juíza acusa Opportunity de tentativa de corrupção

A Folha publicou denúncia da magistrada que afastou Daniel Dantas do controle da Brasil Telecom. Embora a reportagem não seja assinada, foi produzida pela sucursal do Rio de Janeiro, a partir de notícia publicada por O Globo. A juíza acusa um suposto lobista de Dantas, que teria oferecido propina a seu marido (advogado aposentado, que teria gravado a conversa) para obter decisão favorável na briga contra os fundos de pensão e o Citigroup.

Duas informações são relevantes nessa matéria:

1. Opportunity disse desconhecer o homem identificado como Eduardo Rascovsky. Mais tarde essa informação foi desmentida.

2 Segundo a assessoria do Tribunal de Justiça, “o Conselho da Magistratura se declarou incompetente” para examinar os argumentos que o Opportunity ofereceu contra a juíza Márcia Cunha. O caso, portanto, seria levado ao Órgão Especial do TJ.

7/10/2005 –“ Justiça analisa decisão de juíza contra Dantas

Cinco dias depois, a repórter Janaína Leite, da Folha, é “enviada especial” ao Rio de Janeiro, invadindo um tema que estava sendo coberto pela sucursal do Rio. Provavelmente sob o argumento de que dispunha de informações especiais sobre o caso.

Diz ela:

1.“A Folha apurou que”, em setembro, antes das acusações da juíza contra o Opportunity serem publicadas por O Globo (e repercutidas na Folha, através da sucursal do Rio), o Conselho da Magistratura teria decidido, por unanimidade, contra Márcia Cunha.

2.“Por meio de sua assessoria, o Opportunity negou qualquer tentativa de aproximação com Márcia Cunha e disse que Rascovisky presta serviços ao banco.

O leitor Fábio, em nota publicada no Blog, anotava as contradições entre as duas matérias:

1. No dia 2, a assessoria do TJ/RJ informou que o Conselho da Magistratura havia se declarado INCOMPETENTE para analisar a reclamação do Opportunity. Ouvida, a defesa do banco disse DESCONHECER Eduardo Rascovsy.

2. No dia 7, Janaína Leite informa DECISÃO UNÂNIME do Conselho da Magistratura, tomada no mês anterior, de remeter o caso ao órgão especial. Já o Opportunity disse que Eduardo Rascovsky “presta serviços para o banco” em sua matéria. A retificação era importante porque havia reuniões frequentes entre Rascovisky e o principal homem de Dantas para a disputa, Humberto Braz. A afirmação poderia ser facilmente desmascarada.

Janaína aproveitava para levantar um conjunto de insinuações contra a juíza, no mesmo estilo “dossiê” aplicado pela Veja no caso Edson Vidigal.

Não é a primeira vez que Márcia Cunha sofre questionamentos administrativos. A primeira foi no início dos anos 1990 e envolvia tentativa de fraude fiscal. A juíza também foi alvo de críticas por aceitar passagens de cortesia da Varig quando julgava processos envolvendo a companhia aérea”, escreve a repórter. 

Na entrevista com a desembargadora, fica nítida a intenção de Janaína de utilizar as perguntas para fabricar insinuações.

“Magistrada vê tentativa de desmoralização” (clique aqui)

A juíza Márcia Cunha disse considerar “ofensivo” qualquer questionamento sobre quem é o autor da sentença assinada por ela que favoreceu os fundos de pensão na briga pela Brasil Telecom. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha ontem.

Folha – A sra. foi a autora da sentença contra o Opportunity?

Márcia Cunha – Essa pergunta chega a ser ofensiva. Por sorte, tenho testemunhas que me viram escrevendo. É uma tentativa de desmoralização.

Folha – O texto é muito diferente dos padrões das suas decisões anteriores. Por quê?

Márcia – É um processo complexo, com 18 volumes.

Folha – A decisão saiu em poucos dias. A sra. leu tudo?

Márcia – Claro, eu tinha lido o processo há mais tempo porque dei outras decisões, inclusive favoráveis ao Opportunity.

Folha – A sra. disse que houve uma tentativa de corrupção por intermédio do seu marido. Por que não colocou isso por escrito na sua defesa?

Márcia – Como a senhora sabe disso? Não posso dizer, é algo de maturação sigilosa.

Folha – Mas a sua defesa é pública. E por que denunciar só agora, pela imprensa?

Márcia – Existem coisas que só podemos dizer quando há provas. Naquela época não tinha provas. Só vim a público porque o Opportunity estava distribuindo dossiês contra mim nas redações de jornais, com coisas falsas.

Folha – Na entrevista a “O Globo” a sra. falou que tinha fitas mostrando o diálogo. Houve outras conversas com seu marido?

Márcia -Não vou falar sobre isso. Ir contra os interesses deles expôs meu nome, sai uma coisa torta no jornal e eu nunca mais recupero a idoneidade.

Folha – A sra. comprou um apartamento de quatro quartos em Ipanema pouco depois de dar a sentença?

Márcia – Meu Deus, que absurdo! Eu moro de aluguel.

Folha – A sra. mudou quando?

Márcia -Em maio. Aluguei de um casal de velhinhos.

Folha – A sra. ganhou passagens da Varig?

Márcia – A assessoria do tribunal já esclareceu esse assunto. Não vou falar sobre isso.

Folha – A sra. foi a Nova York por conta própria?

Márcia – Para Nova York? Eu fui para os Estados Unidos em uma viagem pessoal em maio e só passei uma noite em Nova York. Fui acompanhar uma pessoa doente. Quem pagou foi ela.

Folha – Casos envolvendo a sra. já foram enviados ao Órgão Especial antes?

Márcia – Não. Tudo isso não passa de uma enorme mentira para macular meu nome.

A entrevista fala por si, uma devassa implacável na vida pessoal da juíza, deixando toneladas de insinuações no ar.

05/11/2005: “Juíza acusada pelo Opportunity é inocentada em processo no TJ” (clique aqui).

A matéria não é mais de Janaína, mas da repórter da Sucursal do Rio, Luciana Brafman, que informa que a 8ª Câmara Cível do TJ/RJ julgou improcedente ação que o Opportunity pedia o impedimento da juíza Márcia Cunha. Uma filha da magistrada seria estagiária num escritório que representava os fundos de pensão. Os desembargadores entenderam que a decisão de Márcia Cunha era “imparcial”. Ainda estava pendente a manifestação do Órgão Especial do TJ/RJ.

04/03/2006 – “Juíza se afasta de casos com o Opportunity” (clique aqui).

Márcia Cunha disse não ter condições de “enfrentar tamanho poderio econômico” e declara a própria suspeição no caso. Afasta-se. Em matéria assinada por Elvira Lobato e Pedro Soares, da sucursal do Rio, informa-se que ela teria sido vítima de boatos, entre eles o de que teria sido corrompida e “comprado um apartamento em Ipanema”. A decisão de suspender o acordo guarda-chuva, diz a reportagem, “foi mantida em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Rio”. O objetivo do “assassinato de reputação” fora alcançado.

09/04/2006 – “Sócios voltam a negociar controle da BrT” (clique aqui)

Nova matéria de Janaína Leite, insistindo na desqualificação da desembargadora.

(…) O acordo “guarda-chuva” está suspenso, mas há uma chance de ser restabelecido na próxima terça-feira. Se isso acontecer, o Opportunity poderia reassumir, mesmo que temporariamente, o controle da BrT, interferindo no rumo das negociações.

O acordo “guarda-chuva” pode voltar a valer porque a liminar que o suspendeu está sendo questionada. A liminar foi assinada pela juíza Márcia Cunha, da 2ª Vara Empresarial fluminense. O Ministério Público e o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, consideraram indícios de que a sentença não foi escrita por ela.

(…) A juíza se defendeu das suspeitas e negou a participação de terceiros na elaboração da liminar. No mês passado, afastou-se do caso BrT. Julg

ou-se impedida de emitir novas opiniões sobre o acordo “guarda-chuva”.

Segundo Márcia Cunha, a decisão foi motivada porque ela não tem forças para enfrentar o Opportunity. Acusou o grupo de disseminar calúnias, fazer ameaças a familiares e tentar corrompê-la.

As acusações da juíza não encontraram respaldo do Ministério Público e da polícia. Ambos consideraram não existir provas contra o Opportunity.

05/05/2006 – “Juíza é inocentada de acusação do Opportunity” (clique aqui).

Elvira Lobato informa que o Órgão Especial do TJ/RJ inocentou a juíza Márcia Cunha.

Ontem, ao ser procurada pela Folha, limitou-se dizer que estava “de alma lavada” com a decisão do Órgão Especial do tribunal”.

Nenhuma manifestação de Janaína. Nem ao menos um “Erramos” da Folha. O “assassinato de reputação” já tinha produzido os resultados esperados e novas batalhas estavam a caminho.

O processo disciplinar contra Márcia Cunha foi aberto pelo corregedor do Tribunal de Justiça do Rio, Carpena de Amorim.

Algum tempo depois, uma batida da Polícia Federal e do Ministério Público Federal no escritório de doleiros flagrou contas de Carpena no exterior. Foi processo, demitido e condenado a dois anos de prisão.

Luis Nassif

26 Comentários

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  1. Matéria que confirma tudo

    Matéria que confirma tudo aquilo que sabemos da folha e do PIG: fazem política e defendem interesses econômicos particulares o tempo inteiro sob a capa de jornalismo.

    Mais do mesmo.

  2. E por onde anda a então

    E por onde anda a então moçoila Janaína Leite, e seu blog “Arrastão”?

    Me lembro bem daqueles tempos onde ela fazia parte de uma patota que o tal Gravataí Merengue, aquele useiro e veseiro em sites apócrifos que hoje leva R$70 mil do Alckimin para fazer política com seu blog “Implicante.org”, Diogo Mainardi famoso pelo tal “inquérito italiano” que foi desmoralizado por uma simples verificação de autoria de um arquivo PDF, Reinaldo Azevedo, na época a voz da Veja que se insurgia contra “O Caso Veja”, Márcio Chaer, aquele que na época da Satiagraha era chamado de mini-mim do Gilmar, e outros menores dos quais não me recordo no momento

  3. Mino Carta

    Mino Carta passou ANOS falando do que Daniel Dantas aprontava, e ninguém nunca dava ouvidos ao jornalista.

    E desde a “ajuda” do governo para a compra da BrT pela OI, com o “cala boca” de 1 bilhão pela desistência da briga societária, após o enterro da operação Satiagraha, não se tocou mais no nome dele em nenhum lugar. Sintomático?

  4. Punhos e babados de seda encardidos de pouca vergonha

    Ainda por cima  a cara de debochado ornada por seda encardida, passando por moralista cheio de contas na Suíça abastecidas com o dinheiro roubado dos mais pobres, que sem vergonha.

  5. Nassif, 
    temos um exemplo

    Nassif, 

    temos um exemplo concreto do poder do Daniel Dantas. Pois basta ver o caso do Protógenes Queioroz. Quer exemplo melhor!

    Felizmente, ainda podemos contar com jornalistas da sua qualidade. 

    Não dá pra acreditar que boa parte de decisões judiciais são influenciadas por abjetas matérias manipuladoras patrocinadas por mídias ditas moralistas. 

    A operação do Protégenes caiu por que usou serviços de inteligência da Abin, mas o Moro segue tranquilo mesmo usando artimanhas estranhas ao bom processo penal. 

    Por que será que Moro segue bonito da fita? Por que será?

     

  6. Janaina Leite

    Quem conhece bem o “modus operandi” de Janaina Leite é Protógenes Queiroz.

    A moça foi posta em ação pela Folha para “acompanhar” a Satiagraha. E parece que foi “gravada” em conversas “estranhas”, mas ela não era o alvo. Acabou sendo citada junto com outros “jornalistas” que caíram na rede. 

    O interessante foi constatar a presença dessa moça em todas – ou quase todas – investigações onde Dantas foi protagonista.

    O prórpio Nassif tem alguns posts sobre o assunto.

    O Google tamém nos ajuda muito. 

  7. O Lobby junto ao STF

    Doravante vamos presenciar um jogo ainda mais sujo protagonizado pelos barões da velha imprensa paRa tentar inviabilizar o DIREITO DE RESPOSTA judicialmente.

    Certamente Gilmar Mendes, Ayres Britto e outros serão acionados.

    Certamente os barões irão fazer um lobby forte junto ao STF. 

  8. Tempos difíceis

    O Tio google refresca a memória daqueles tempos. Janaína Leite atuava em dobradinha com uma tropa de choque considerável: Tio Rei, Gravataí Merengue, Diogo, Idelber Avelar, etc. Em 15.04.2008, o professor da estranha selfie fez um post de ardorosa defesa da Janaína e do Gravataí Merengue contra o Nassif. Tempos difíceis. 

    PS.: O agora comendador Nassif está nos devendo esse livro há muito tempo, pois tempo é o que lhe falta. O jeito é botá-lo onde o tempo sobra até para escrever tese de doutorado, o Ministério da Justiça. 

  9. DANIEL DANTAS

    Foi esse sujeito que o GM do STF soltou comos habeas corpus canguru. A diferença é que ainda não acharam as contas dele no exterior. 

  10. DANIEL DANTAS

    Foi esse sujeito que o GM do STF soltou comos habeas corpus canguru. A diferença é que ainda não acharam as contas dele no exterior. 

  11. Bandola
    A última vez que soube de Janaína Leite ela tinha virado “contratada” direta do Daniel Dantas mesmo. Mas já faz tempo, talvez não seja mais…
    Embora tenha participado e me informado bastante sobre esses assuntos na época (até a ex vereadora “Sonsinha” ex PT tava nos imbróglios dos assassinatos de reputação), estou aguardando o livro com alto intetesse Nassif… Até prá relembrar…
    Um abraço.

    1. Me recordo que o tal Gravataí
      Me recordo que o tal Gravataí Merengue, antes autor de sites apócrifos e que hoje recebe 70 mil do Alckimin para fazer panfletagem partidária era o docinho da Soninha Francine.

      Aliás é bem interessante desvendar esse novelo que envolve guerrilha virtual, nepotismo cruzado, banqueiro e mídia marrom.

  12. Além dos casos mencionados

    Além dos casos mencionados pelo post, o Direito de Resposta traz à mémoria diversos outros casos que nos fazem lamentar a demora desse direito que simente agora foi adequadamente instituído. São muitas as vítimas no período de lacuna dessa lei. Creio que os programas televisivos vespertinos (os Datenas da vida) que trazem reportagens apressadas e mal feitas sobre os crimes ocorridos, sempre com exacerbaç]ao desmedida e grau zero de jornalismo, irão refletir mais detidamente sobre a continuidade desses espetáculos de puro sensacionalismo diante do Direito de Resposta agora consagrado aos inocentes.

    Aflora também o trágico caso da Escola Base, que dizimou as famílias Shimada e Alvarenga. Caso emblemático do mau jornalismo, sua lembrança precisa ser evocada sempre que a mídias criminosas, que estão sempre em competição, saírem a campo em busca de agradar seus patrões, na corrida desesperada pela audiência.

    Abaixo, dois vídeos esclarecedores sobre o caso da Escola Base:

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=ba7WOYfPbm0%5D

     

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=vGRIuXESqco%5D

  13. espero que agora, com a lei

    espero que agora, com a lei do direito de resposta valendo,

    esse tipo de assasssinato de repuitação

    não ocorra com tanta defaçatez e infamia.

    às vezes fico pensando que tem muito doutor

    por aí que parece analfabeto funbcional e

    que não percebe a maldade inerente

    praticada pela repórter, nesse  caso,

    descaramento que ficou muito claro nessa entrevista

    feita por ela com(contra) a juíza..

    e por tantos outros repórteres e colonistas  

    em zilhões de outros casos nesses últimos doze anos.

     

  14. Que país é este?

    Se uma Juíza passa por tudo isso neste país e ainda tem sua imagem maculada sem que haja forma legal de reparação, imagine o que não acontece conosco os pobre mortais sem recursos financeiros e influência nos meios políticos, judicários e midiáticos. Que coisa?

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