O fim do céu estrelado

Andrômeda

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2002201101.htm

São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011
   
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Luz mal planejada destrói céu noturno

Em Brasília, número de estrelas observáveis a olho nu caiu de 2.000 para 150 em 20 anos devido à iluminação

Eletricidade ineficiente joga luz de postes pra cima; hoje, normas técnicas sobre o assunto ainda são insuficientes

CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA

O brasiliense Marcelo Domingues, 39, sabe bem qual é a dor de perder o céu.
Astrônomo amador, ele se mudou há dez anos para um condomínio em Sobradinho, cidade-satélite da capital, onde passava as noites observando as estrelas. Até que a companhia elétrica local mexeu na iluminação pública. “Destruiu tudo”, resume.
A luz dos postes passou a ofuscar os astros e Domingues ficou sem seu local privilegiado de observação.
O outrora famoso céu noturno de Brasília é uma vítima do crescimento urbano das duas últimas décadas. Ele veio acompanhado da expansão da iluminação pública: 3,4 milhões de postes novos só entre 2000 e 2008.
O problema é que essa iluminação é ineficiente. Os postes jogam a luz em todas as direções, inclusive para cima. Isso privou as cidades da visão das estrelas.
Em Brasília, por exemplo, era possível observar a olho nu a Via Láctea e quase 2.000 estrelas por ano no começo da década de 1990. Hoje, o número caiu para 150.
As primeiras vítimas dessa poluição luminosa, claro, são os astrônomos.
A Universidade de Brasília tem um observatório didático na cidade que ficou parcialmente inutilizado. “Em dez anos qualquer observação ficará inviável”, diz o físico José Leonardo Ferreira.
A USP passou por esse problema já nos anos 1990, quando foi obrigada a mover seu observatório de Valinhos, região de Campinas, para Brazópolis (MG).
A cidade abriga o maior telescópio do país, do Pico dos Dias, no LNA (Laboratório Nacional de Astrofísica).
O pico, porém, também foi alcançado pelas luzes. Segundo um cálculo do engenheiro do LNA Saulo Gargaglioni, a poluição luminosa das cidades vizinhas faz com que o espelho de 1,6 m de diâmetro do telescópio tenha a potência real de 1,3 m.

DESPERDÍCIO
Mas não são apenas astrônomos e casais apaixonados que perdem com a poluição luminosa. Ela também causa danos reais ao bolso do consumidor de energia.
“As luminárias comuns desperdiçam de 30% a 35% da luz”, diz o astrônomo amador mineiro Tasso Napoleão. “Com um anteparo nas luminárias, poderiam usar lâmpadas de menor potência e economizar dinheiro”.
Foi o que se fez na República Tcheca, primeiro país do mundo a aprovar uma lei contra a poluição luminosa, e na região italiana da Lombardia. Em ambos os lugares, a substituição da iluminação pública devolveu várias estrelas à população.
No Brasil, segundo Marcel da Costa Siqueira, gerente de Eficiência Energética em Iluminação Pública da Eletrobras, existe uma norma técnica que aborda o assunto, mas “sem caráter restritivo”.
Saulo Gargaglioni, do LNA, propôs na sua dissertação de mestrado, na Universidade Federal de Itajubá, um rascunho de lei nacional sobre o tema. “Não deu em nada”, conforma-se.
Sem poder salvar o céu do país, o LNA tenta um acordo para mudar a iluminação urbana dos vizinhos. Nos bairros novos, tem dado certo.

Redação

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