O fogo-fátuo de nossas cinzas

 

 A aliança dos justiceiros com a mídia continua rendendo efeitos nefastos para a mentalidade do brasileiro. Não bastasse a absoluta descrença na classe política, erigida nos últimos anos por nosso arremedo da Inquisição, cujo maior objetivo foi remover o trabalhismo do poder para engatilhar uma (frustrada) via neoliberal, os moralistas de altas rendas, encastelados no aparato do Estado e nos meios de comunicação, movimentam-se agora para atacar os militares. Não tenho o menor desejo de advogar em nome das Forças Armadas, protagonistas de longa data em episódios golpistas, mas espanta-me a manchete do UOL de hoje: “MP detecta desvios de R$ 191 milhões nas Forças Armadas”. O subtítulo alerta para a “corrupção nos quartéis”. Pelo andar da carruagem, vamos agora devassar o campo verde-oliva.

Não é novidade que há corrupção nas FA. Pensar o contrário seria uma tosca mitificação. Sempre rolaram ali desvios graúdos, herança dos tempos em que a caserna tutelava licitações de grandes obras. Muitos conhecem fardados de alta patente que enriqueceram na surdina. Apesar disso, cresce o exército de ignorantes e ensandecidos que publicam comentários nos grandes portais de notícias e clamam por intervenção militar. São crias deste projeto MP-mídia, do qual ninguém sairá vencedor. Assistimos, atônitos, ao arreganho em massa de perigosos mensageiros da aventura política.

Acompanhei ontem pela internet um debate no programa do William Waack sobre a Lava-Jato, sua sustentação e legado, a baboseira de sempre. Os convidados pareciam um grupo de adolescentes disputando um campeonato de masturbação, todos com o mesmo método e o mesmo objetivo, para um resultado tangível próximo de zero. Não existe pluralidade nessas sessões de catequismo. É claro que louvaram a empreitada curitibana e insistiram nas promessas da liberalização econômica. Todo o rosário manipulador foi desfiado em tom monocórdiio, como se a destruição mal pensada de um projeto nacional fosse fazê-lo renascer das cinzas. Ao final, quase que de passagem, pareciam ironicamente assustados com a assunção de um messias aventureiro. Os mesmos que alimentaram a gestação do monstro fingiam-se alheios à sua responsabilidade. O moralismo plantado superaria os anseios materiais do brasileiro em 2018. Uma ameaça ao bordão “é a economia, estúpido!”.

Abespinham-se diante do cenário que se desenha. Se houve exagero na dose incutida de moralismo, há que se combater seus temíveis efeitos colaterais. É nesse contexto que surgem as palavras insossas dos “especialistas” da Globo. É nesse contexto que surge a manchete acomodatícia do UOL. Mais uma vez, assistimos à tentativa de guiar a massa supostamente burra para o cercadinho que lhe cabe, como boi no pasto, no desespero provocado pela evasão de um considerável número de reses. Destruiremos também o restante de fé que o brasileiro simplório ainda cultiva pelos militares, moicanos no fundo da tigela. Pode parecer auspicioso a nós que temos ojeriza a ditaduras, mas, neste caso, a fé de menos deverá nos conduzir a um fedor ainda maior. Com a ruína da classe política, com o poder Executívo roído pelas traças, decepcionados com o partidarismo dos inquisidores, fechamos o círculo de cinismo flechando o militares. O que vai sobrar desta fúria purificadora? Talvez um artista de TV, um pastor de rebanhos desgarrados, um filósofo de fancaria, um passa-língua embebido em auto-ajuda corporativa. Nada que preste, é este o fogo-fátuo que poderá se elevar de nossas cinzas.

 

 

Redação

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