O Golpe de 1964 e a Universidade de Brasília

Um sensível depoimento de Marcia Neves Bodansky.

Por Jussara Lourenço

Tive o privilégio de ser da primeira turma de alunos da Universidade de Brasília.Meu pai – Artur Neves – fundador da Editora Brasiliense e editor das obras completas de Monteiro Lobato, num encontro casual no saguão do aeroporto de Congonhas, foi convidado por Darcy Ribeiro a implantar a editora da UnB. Entusiasmado, ele seguiu o Darcy, sem mala, sem roupas, para um desafio maravilhoso: junto com os maiores professores e intelectuais brasileiros, construir uma universidade modelo.

Baseados nas ideias de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, dois pensadores que conseguiam concretizar seus planos, mudando leis e movendo ceus e terras, fundaram em pouco tempo uma universidade de padrão internacional, erguida num campus que congregava professores e alunos numa alegre fraternidade. E esse entusiasmo coletivo fez com que, em pouco tempo, a UnB se erguesse, realizando o primeiro vestibular, recebendo os primeiros alunos.No dia 9 de abril de 1964, contudo, uma semana depois do golpe militar que alijou Jango Goulart do poder e acabou com a democracia no Brasil, dois mil soldados armados com metralhadoras invadiram o campus universitário.

Num arremedo de caça às bruxas, eles apreendiam livros e bandeiras, cometendo equívocos risíveis, como arrebatar a bandeira japonesa, julgando que fosse da China comunista, ou pegando exemplares de O vermelho e o negro, magistral romance de Stendhal, como obra subversiva.Mas o que dá pra rir, também dá pra chorar e foram amargos os dias que sucederam ao golpe: 16 coordenadores de curso e professores fugindo, para não serem presos, alunos e líderes estudantis perseguidos e detidos.

Meu pai fugiu anonimante para São Paulo, sua cidade de origem, e nem mesmo nós, a sua família, sabíamos de seu paradeiro, como medida de segurança.Ainda hoje me indago o que foi que motivou a invasão, logo depois do golpe, quando ainda as coisas não estavam tão organizadas, no novo governo. E , é claro, penso que foi um golpe de mestre, uma tentativa bem sucedida de acabar com a inteligentia brasileira, deixando a UnB, tão promissora, como terra arrasada.

Aquele celeiro de novas ideias e experimentações científicas e humanístas ainda tentou resistir por quase um ano, após o que a crise culminava com a demissão maciça dos 223 professores remanescentes.O sonho acabara. Os dois reitores que sucederam Darcy e Anísio, os professores Zeferino Vaz e Laerte Ramos, não tinham a estatura nem a grandeza de seus antecessores e entraram numa política mesquinha de desmoralização do quadro docente da UnB que eles, injustamente, consideravam medíocres

Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Esses depoimentos são

    Esses depoimentos são imprescindíveis para que se resgate a história.

    Destruíram a educação brasileira.

  2. Correção da autoria do texto

    Uma correção: eu somente postei o vídeo o e texto escrito por uma amiga muito querida. 

    O Assis tem razão quando diz que esses depoimentos são imprescindíveis para que se resgate a história e se entenda a razão da educação no Brasil estar do jeito que está nos dias de hoje. Educação é investimento de longo prazo. Por isso não dá para entender que se queira grandes resultados depois de dez anos do início de um programa de recuperação do sistema.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador