O IV Reich e sua guerra latino-americana

Durante a segunda guerra mundial, o infame III Reich foi sacrificado ritualmente por três inimigos. O primeiro a sentir os efeitos desse sacrifício foi a Inglaterra. Os ingleses lutaram desesperadamente para conservar seu império, mas o perderam justamente por causa da guerra que esgotou a capacidade humana e econômica da Inglaterra de conservar sua colônia.

Finda a grande guerra, EUA e URSS começaram a realizar uma dança macabra em torno dos despojos para poder consumi-los. Os norte-americanos localizaram e transferiram para os EUA milhares de cientistas e engenheiros alemães que haviam projetado os armamentos sofisticados e inovadores utilizados pelos nazistas. O Exército Vermelho fez algo semelhante, isso além de saquear desmontar e transportar para a “mãe Rússia” equipamentos bélicos e industriais para reparar os imensos danos materiais e econômicos causados aos Estados soviéticos pelos invasores da Wehrmacht.

Os misseis balísticos, os submarinos e os caças a jato eram o “creme de la creme” da máquina de guerra de Hitler. Norte-americanos e soviéticos desenvolveram e aperfeiçoaram suas próprias versões destes armamentos com auxílio dos cientistas e engenheiros alemães. Portanto, podemos dizer que a Guerra Fria foi lutada com os despojos tecnológicos do III Reich. Não só isso.

As contradições que surgiram ao final da guerra produziriam algo impensável: uma crescente influência política do nazismo nos EUA. A simpatia dos norte-americanos pelos derrotados começou no momento em que eles perceberam que precisariam de aliados para conter o avanço soviético na Europa. O fato do território dos EUA nunca ter sido bombardeado pelos alemães facilitou a aproximação entre nazistas e gringos. Isso seria impossível no caso dos soviéticos, que seguiram odiando profundamente o III Reich por causa da devastação que ele causou na URSS. 

Durante a crise dos mísseis em Cuba, os dois regimes políticos que derrotaram o III Reich quase se destruíram mutuamente e ao planeta. O fato da Guerra Fria não ter se tornado uma Guerra Quente, porém, não foi capaz de inverter uma tendência histórica.

O processo de desnazificação do III Reich, que se tornou e continua sendo uma política de Estado na Alemanha, reduziu a influência política dos nazistas naquele país justamente no período em que a influência do nazismo cresceu nos EUA. Isso explica as imagens absurdas que temos visto na internet: enquanto os policiais monitoram e, se necessário, descem o sarrafo nos neonazistas na Alemanha, seus colegas norte-americanos protegem as manifestações dos nazistas norte-americanos e monitoram grupos de antifascistas como se eles fossem uma ameaça terrorista. 

Um princípio bem conhecido pelos tupinambás brasileiros no século XVI pode estar operando aqui:

As relações com a vítima não terminavam, como se poderia supor, com o massacre. Ao contrário, elas se complicavam depois dêle, e determinavam a observância de outros ritos, os quais tinham um duplo objetivo: 1) consumar a ‘destruição’ da vítima; 2) evitar que o seu ‘espírito’ se tornasse nefasto para o sacrificante e para a coletividade. O primeiro objetivo era conseguido através da antropofagia ritual; o segundo, em parte por meio dela, mas especialmente por intermédio dos ritos de purificação do sacrificante ou ritos de renomação.” (A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá, Livraria Pioneira Editora-EDUSP, São Paulo, 1970, p. 289) 

Nos anos que se seguiram ao final da II Guerra Mundial, os soviéticos se purificaram da carnificina erguendo imensos monumentos aos seus próprios heróis de guerra. Todos os anos os russos fazem um imenso desfile militar para comemorar a vitória sobre o III Reich. Os norte-americanos fazem filmes de guerra, mas eles parecem ter esquecido algo importante. Além de tolerar o crescimento do nazismo dentro dos EUA, milhões de gringos (inclusive militares) se tornaram obsedados por relíquias nazistas que podem ser facilmente compradas e vendidas através da internet. 

A entrada da China nessa equação geopolítica é interessante. O regime comunista de Mao Tse-Tung flertou com a URSS e modernizou seu parque industrial militar com ajuda dos soviéticos. Algum tempo depois, entretanto, os chineses se tornaram inimigos dos ex-amigos comunistas. Isto ocorreu um pouco antes dos inimigos norte-americanos, que a China derrotou na Coréia, se aproximarem dos chineses para conter e contrabalançar o poderio militar da URSS.

Durante décadas uma terceira guerra mundial entre EUA e China se tornou uma impossibilidade geopolítica. A derrocada do comunismo na Europa tirou a URSS de cena, mas a união entre chineses e norte-americanos não foi desfeita porque havia se tornado economicamente eficiente e indispensável para abastecer os EUA de produtos industrializados. Nas décadas que se seguiram à queda do Muro de Berlim o crescimento acelerado da China começou a despertar o medo dos norte-americanos. Eles tentaram se aproximar da Rússia para sobrepujar o poder crescente dos chineses, mas os russos têm sua própria agenda e não esqueceram que foram derrotados no Afeganistão com armamentos fornecidos pelo Tio Sam. 

E assim chegamos no momento em que nos encontramos. China e Rússia estão unidas para defender a soberania da Venezuela. Desesperados, os norte-americanos tentam controlar aquele país latino-americano que o Pentágono considera pouco mais do que um posto de gasolina/óleo diesel alternativo em caso de guerra mundial. Chineses, russos e norte-americanos sabem que os dois outros postos de combustíveis capazes de abastecer máquinas de guerra (Arábia Saudita e Iraque) estão geograficamente muito distantes do US Army, US Navy e US Air Force.

A geopolítica, termo inventado pelo sueco Rudolf Kjellèn (1864/1922), foi aperfeiçoada pelos nazistas e colocada em prática pelo III Reich de maneira fria, calculista e desumana. Ao final da II Guerra Mundial, ela se tornou uma especialidade das agências governamentais imperiais dos EUA. Mas os norte-americanos não consideram a Venezuela apenas como uma parte de seu espaço vital. 

O país legitimamente governado por Nicolás Maduro é apenas um meio para um fim. O que o Pentágono realmente desejam é controlar a Venezuela para poder ter certeza de que os nazistas norte-americanos terão combustível para exercitar uma hegemonia militar em escala planetária. Eles lutam para consolidar um novo Reich de 1000 anos. O planeta, porém, não sobreviverá a uma guerra mundial de 1000 horas. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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