O Municipal de São Paulo desaponta o público.

O Municipal de São Paulo desaponta o público.

 
Foto de Desirée Furoni / Fundação Theatro Municipal de São Paulo
 

por Henrique Marques Porto
 
Depois de uma muito elogiada montagem da “Thaïs”, de Jules Massenet, o Municipal de São Paulo provocou frustração e desânimo em seu público.“A Fundação Theatro Municipal de São Paulo comunica alterações na programação do último trimestre de 2015 e em 2016. A apesentação da companhia teatral La Fura Dels Baus, prevista para novembro de 2015, foi remanejada para o próximo ano, e a ópera Cosi Fan Tutte, que encerraria a atual temporada lírica foi cancelada” –explica em nota a direção do Theatro Municipal.
 
A previsão, por ora, é que sejam montadas apenas três óperas em 2016. O distinto público, que não é bobo, se pergunta, com a pulga atrás da orelha: como pode acontecer isso a um teatro cujo orçamento para 2015 encostou na casa dos 100 milhões de reais? A nota da direção do teatro não informa sobre detalhes financeiros. Limita-se a apontar um “contexto de adversidades” (assim, no plural), sem indicar um exemplo qualquer. Devia informar melhor. Ela e a OS (Organização Social) Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, que administra a casa, que foi terceirizada.  E há muito o que explicar.
 
Em junho deste ano foi assinado um aditamento ao contrato de serviços entre o Theatro Municipal de São Paulo e o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, a quem cabe, por contrato, a captação de recursos no setor privado para complementar os 99 milhões de reais destinados ao TMSP pela Prefeitura. Pelo jeito, a OS não foi capaz de honrar o contrato. Ou vice e versa, ou versa vice. Que não se ponha a culpa na alta do dólar ou outra encrenca na área econômica. Isso ofenderá os leitores mais informados.    
 
Alguma lição se pode tirar desse desacerto em São Paulo, e que valerá para outros teatros. O problema não é circunstancial. É estrutural. Tratá-lo como acidente de percurso em função desta ou daquela conjuntura seria irresponsabilidade. Ainda assim, o público torce para que o teatro dirigido por John Neschling e José Luiz Herencia se recupere e se junte aos esforços iniciais de João Guilherme Ripper, que tenta tirar do buraco o Municipal do Rio de Janeiro, dispondo de modestíssimo orçamento, sequer comparável com o do congênere de São Paulo.   
 
Nenhum teatro de ópera sério -grande, médio ou pequeno- pode sobreviver sem coro e orquestra, e sem elenco e repertório próprios. Veja-se o caso do MET. Até hoje remonta a “Aida” de 1986, estreada no Rio de Janeiro quando Fernando Bicudo dirigia a Divisão de Ópera do TM. Nomes como Jonas Kaufmann, Anna Netrebko e vários outros são certos em suas temporadas. Assinam contratos anuais para se apresentar em tais ou quais óperas, e fazem o mesmo com outros teatros. O MET e outras grandes casas têm, assim, um elenco definido por várias temporadas.
 
Como as montagens são próprias (raramente importadas ou em parceria com outros teatros), elas passam a compor o acervo artístico do teatro. Primeiro é preciso definir o elenco, saber quem poderá ser contratado. Depois define-se o repertório. Atualmente se faz o contrário. No Rio e em São Paulo era assim até início dos anos setenta. A partir daí quem tem mandado nas temporadas são os empresários. O que significa dizer que estamos trabalhando como no final do século 19 e primeiras décadas do século vinte. Tudo vinha de fora, nada era feito ou ficava aqui.  
 
Os diretores dos nossos teatros definem arbitrariamente os títulos que desejam montar e saem esbaforidos em busca de solistas. Ficam, assim, nas mãos e nos bolsos dos empresários. Por incúria ou por interesse. Não é raro um empresário impor ao público brasileiro um tenor que soa como um bode ou um soprano como o ranger de uma porta. Tem prevalecido o interesse comercial rasteiro contra o interesse artístico. As exceções são raras.
 
O Brasil tem excelentes cantores -atuando aqui e no exterior- e, portanto, pode formar bons elencos. Que os teatros contratem esses cantores, ora bolas! Idem em relação a cenógrafos e diretores de cena. Boa formação, conhecimento e tradição não nos faltam. Nos períodos em que valorizamos os artistas nacionais o problema era menor. Quando não havia recursos para contratar solistas renomados resolvíamos com a chamada “prata da casa”. Às vezes com resultados surpreendentes.
 
Somente adotando esse tipo de política poderemos criar repertório, recuperar o repertório que perdemos e construir verdadeiros teatros de ópera. Se existirem recursos para contratar um ou dois grandes nomes, ótimo! O resto nós podemos fazer. A “Thaïs” foi linda, mas já bateu asas sem deixar nada aqui, além das boas lembranças para os que viram.
 
Com os pés no chão, sem pensar na megalomania de produções caríssimas, Rio e São Paulo podem organizar temporadas líricas de qualidade e que não sejam efêmeras, que passem como o vento, como passou por São Paulo. O desafio que está posto é investir em montagens próprias e torná-las parte do nosso patrimônio artístico. Os diretores dos teatros sabem disso. E seria inconcebível se não soubessem. Não fazem porque não querem.

 

Redação

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