O que o filme Return of the Fly (1959) ensinou a Folha

Ontem discuti o que o filme The Fly (1958) poderia ensinar ao STF e à Lava Jato https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-que-o-filme-the-fly-tem-a-ensinar-ao-stf-e-a-lava-jato-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. Hoje farei uma breve análise do que a sequencia ensinou à Folha de São Paulo.

Ao noticiar um caso de agressão policial durante a Greve Geral, o jornalão paulista disse que o manifestante foi agredido “por um homem trajado como PM.” A distorção jornalística foi comentada por um adorável blogs sujo http://www.diariodocentrodomundo.com.br/folha-se-supera-pm-agressor-de-estudante-e-homem-trajado-como-pm-por-fernando-brito/. Creio que posso dizer algo mais sobre o assunto levando em conta a flexibilização cinematográfica do Direito Penal.

No filme Return of the Fly (1959), o filho do casal Andre e Helene Delambre retoma a pesquisa do pai. Sem saber Philippe Delambre contrata um assistente desonesto. O famigerado Alan Hinds tenta roubar os planos da máquina reconstruída pelo empregador e acaba sendo descoberto. Alan derrota Philippe numa briga e coloca desacordado na máquina de transmissão de matéria junto com uma mosca. E assim o filho cumpre a maldição do pai. Transformado num monstro com cabeça, um braço e uma perna de mosca, Philippe Delambre persegue e mata Alan e o parceiro dele. Depois retorna para casa onde, auxiliado pela esposa, pelo tio e por um policial, é recolocado na máquina junto com a mosca e volta ao normal ao ser novamente desmaterializado e rematerializado.

Os crimes cometidos por Philippe Delambre enquanto ele era parcialmente uma mosca são convenientemente esquecidos pelo policial. A flexibilização do Direito Penal uma vez mais produz o mesmo resultado que no primeiro filme: os homicídios cometidos por Philippe-Mosca não são punidos. Mas desta vez isto não ocorre porque o policial cometeu um crime e sim porque o homicida não era inteiramente humano e porque as vítimas teriam cometido crimes que mereciam ser punidos.

O Direito Penal não pune a “legítima defesa”, desde que ela seja imediata e exista proporção entre a reação e a agressão. O “estrito cumprimento do dever legal” também é uma excludente de antijuridicidade, desde que o agente policial não cometa excessos passíveis de punição. A desnecessária agressão praticada pelo “homem trajado de PM” que foi reportado pela Folha de São Paulo não se enquadra no “estrito cumprimento do dever legal” nem do de “legítima defesa”.

Causa estranhamento a forma como a Folha de São Paulo noticiou o fato. Mas o enquadramento jornalístico do fato fica compreensível se considerarmos o “homem trajado de PM” como um duplo real de Philippe-Mosca. A única diferença é que no filme o assassino é ele próprio beneficiário da flexibilização do Direito Penal. No caso da Folha o Direito Penal foi flexibilizado não para inocentar o policial e sim a corporação a que ele pertence.

O “homem trajado de PM” não é um PM, portanto, a PM não pode ser responsabilizada pela violência cometida pelo seu membro. No imaginário da Folha de São Paulo a PM não treina os soldados para agredir militantes de esquerda por razões ideológicas. A negação da realidade é evidente quando comparamos a ação delicada da PM durante as manifestações contra a presidenta Dilma Rousseff em 2015 e 2016 e a violência que a corporação emprega em 2017 na manifestação contra o usurpador Michel Temer.

Apesar de ficar impune, Philippe-Mosca não praticou legítima defesa. A conduta dele não foi imediata e a violência letal que ele empregou não foi proporcional àquela que ele mesmo sofreu. Mesmo transformado ele tinha consciência do que estava fazendo, pois lembrou o local onde estava o parceiro de Alan Hinds. Também lembrou de retornar à sua casa para pedir ajuda.

No Brasil, o Direito Penal possibilita a punição do crime cometido pelo policial (que a Folha chamou de “homem trajado de PM”). Todavia, ele agiu sob o comando de oficiais que difundem e partilham um ódio ideológico aos cidadãos que rejeitam o golpe de 2016. Apesar de cometer um crime, o policial cumpriu ordens e agiu segundo a ideologia que condiciona a atividade policial. Portanto, do ponto de vista jornalístico o crime que ele cometeu deveria sugerir a discussão sobre o funcionamento da própria PM.

Assim como o policial que inocenta prévia e preventivamente os homicídios cometidos por Philippe-Mosca sem discutir o comportamento dele, a Folha de Sao Paulo não quer discutir qualquer reforma policial que comprometa a repressão às manifestações contra as reformas impopulares que o jornal apoia. Isto explica satisfatoriamente o que o filme Return of the Fly (1959) ensinou à jornal dos Frias: dentro de um corpo parcialmente Mosca, Philippe não era responsável pelos seus atos, “trajado de PM” o policial impede a responsabilização da PM pelos atos que ele cometeu.

Uma vez mais a flexibilização do Direito Penal opera efeitos distintos. Os crimes fictícios cometidos por Philippe-Mosca não poderiam ser punidos, razão pela qual é irrelevante a flexibilização cinematográfica dos conceitos jurídicos. A mesma coisa não ocorre na realidade quando a Folha de São Paulo esconde a culpa da PM pela conduta do soldado dizendo que ele era um “homem trajado de PM”. Em razão do enquadramento da notícia a Folha pretende preservar a natureza ideológica perversa e distorcida da atividade policial no Brasil. Com ajuda da Folha a PM continuará a fazer vítimas tanto entre os manifestantes de esquerda agredidos quanto entre os policiais agressores que cometem excessos criminosos ao instrumentalizar o ódio institucional às manifestações contra Michel Temer.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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