O racismo reverso da televisão, por Flavia Danielle

Das Blogueiras Negras

**Record e seu Racismo Reverso

Por Flavia Danielle

**[Mas poderia ser Globo e as demais]

Quando a televisão deveria cumprir seu papel social de informar e prestar um serviço de qualidade que vise o combate às desigualdades sociais, raciais, de gênero e de orientação afetiva, o que ela faz?
Veicula a existência de algo que é tão caro aos ativistas antirracistas; a falácia do racismo Reverso.
Racismo reverso para quem desconhece e aqui vai a minha explicação, ok?!
Racismo: ato ou efeito de discriminar, agir com preconceito contra povos, culturas, histórias e/ou pessoas que foram colocadas à margem da sociedade hegemônica, sendo estereotipadas, aculturadas, inferiorizadas hierarquicamente nas matrizes de dominação social, econômica e política.

Ora, racismo não é o simples ato de discriminar, ou seja, aquele que classifica segundo certos critérios, mas se trata de um processo HISTÓRICO e contínuo de dominação e inferiorização de um grupo considerado sem valor. Uma vez que raças não são biológicas e, se mantém pelo seu caráter de construção social, o racismo também é social.

Reverso: branco que viu no –vitimismo- uma forma de empurrar para terceiros a sua responsabilidade no processo, NEGANDO que colhem os privilégios que seus antepassados lhes deixaram como legado.

Pois bem, estava no trabalho e parei para beber uma água quando me deparo com a seguinte manchete no programa #hojeemdia

“Testes do Coronato”: Preconceito
COMO AS PESSOAS REAGEM QUANDO UMA NEGRA DISCRIMINA UMA BRANCA?

Pensei várias coisas e me sentei esperando para ver do que se tratava, porque lá no fundo eu esperava que ao final tivesse um desfecho como “é assim que negros se sentem”. Ledo engano…

A cena: um salão de beleza especializado em penteados e cabelo afro. As cabeleireiras eram negras com exceção da atriz que era branca, as mulheres e homens no salão eram em sua maioria também brancos.

Uma moça negra, também atriz, entra para ser atendida e quem vai em sua direção é a outra atriz branca. A atriz negra se recusa em ser atendida pela branca e daí em diante começam as frases de efeito e até uma discussão com uma das mulheres que estavam sendo atendidas no salão.

1) Um salão de beleza

Ontem li relatos de mulheres negras próximas a mim contando sobre nossa baixa autoestima e a necessidade de estar sempre mudando de visual para poder se sentir um pouco mais ‘bonitas’.

Algumas delas falaram que aprenderam a cortar o próprio cabelo por não se sentirem a vontade quando frequentam os salões de beleza.

Qual mulher negra já não foi aconselhada a alisar o cabelo, pois assim ficaria “mais bonito”?

Quantas de nós já não fomos violentadas só de entrar no salão, seja por um olhar, por uma fala ou por não ver nas revistas e fotos que se encontram nos salões uma coisa chama REPRESENTATIVIDADE?
Onde estão as modelos negras, os cortes afros, nossas muitas cores nesses espaços?
Não existimos!

Uma mulher branca, alá Ana RICAman, se vê em todos os lados, constrói identidades de mulheres brancas, passa pelo sortilégio da sua cor, de ver seus cabelos valorizados por todos os outdoors, novelas, etc…

Ao final do “teste” as pessoas entrevistadas foram todas BRANCAS.

Eu me pergunto, deve ser muito lindo uma branca com penteados afros né?

Mas, se são as pretas, aí a coisa muda, ou é exótico ou é penteado de ‘prisioneira’.

Sobre APROPRIAÇÃO e ausência de REPRESENTATIVIDADE, a Record não quer falar? Pra quê rever privilégios?!

2) Uma história de colonização

Não é de se admirar que uma emissora que embranquece todas as personagens de origem egípcia (africana) que na história são NEGROS, queira disseminar a ideia de um racismo reverso.
Seria essa a intenção? Se defender do seu óbvio racismo ao negar que eram pretos os protagonistas da vida real?

No Brasil, vivemos a ilusão de que existe uma democracia racial, construída do jeitinho brasileiro com muito zelo e esmero…

Acredita-se na romantização da mestiçagem que foi construída às custas dos estupros do senhor da casa grande às escravas negras.

Acredita-se que todos são iguais perante a lei, mas as estatísticas mostram que quem mais morre, quem habita as periferias, quem mais vai preso, quem são os analfabetos, quem mais precisa de políticas afirmativas são os negros, indígenas e outros grupos minoritários.

Acredita-se até em racismo reverso…

Mas, basta uma mulher ou homem NEGROS apontar que alguma coisa é racismo que começa toda aquela lamúria de quem insiste em dizer que o racismo é invenção ou coisa de outras pessoas, nunca de vocês próprios.

Somos nós por nós, e são situações como essa que mostram que nosso combate é todo dia e a cada segundo, se baixamos a guarda é plow…. Menos um preto na terra e assim segue a política de embranquecimento com extermínio físico e simbólico do povo negro.

A grande mídia serve a um objetivo manter a ordem e o status quo, não são nossos aliados e não adianta vir com suas tags #somostodos e continuar destinando aos negros papeis de submissão, incentivando a repressão policial, a criminalização do aborto, das drogas, que são fenômenos que tem um alvo certo e de cor PRETA.

Enquanto gente branca e rica, fica feliz com o desfecho do seu quadro e dizendo que racismo reverso é crime, nosso povo é o que continua morrendo ou sendo preso.

Ou a gente reage, ou a gente morre.
Nós por nós.
E vamos para os comerciais…

Redação

4 Comentários

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  1. É o caso da exceeção que

    É o caso da exceeção que prova a regra, a exceção que está fora da regra não nega a regra mas afirma, a regra é regra pela exceção, é só ver se se perde mais com alguma adição ou não nesse caso parece que querem tirar a “cor” do racismo. 

  2. É um assunto delicado, pois

    É um assunto delicado, pois envolve muitas questões subjetivas, e o que é subjetivo nem sempre está respaldado pela realidade fática. E para falar a verdade tem muita gente que exagera ou minimiza, tanto de um lado quanto do outro.

  3. Não me parece que os antigos

    Não me parece que os antigos egípcos (não sei se sobreviveram etnicamente) fosse negros.

    > Reverso: branco que viu no –vitimismo- uma forma de empurrar para terceiros a sua responsabilidade no processo, NEGANDO que colhem os privilégios que seus antepassados lhes deixaram como legado.

    Sem essa conversa mole de vitimismo, racismo reverso, esse blá, blá, blá que não visa outra coisa que não impôr justificativas morais para cobrar reparações de quem não tem culpa alguma. E, pior, apelando para… o vitimismo. Pois digo em caixa alta: SOU BRANCO e minha “dívida histórica” com a autora do texto é nenhuma. Zero. Nada. Não devo nada a ela. Absolutamente nada. Nem do ponto de vista material, nem do ponto de vista moral. Não empurro responsabilidade em processo nenhum: nego essa responsabilidade pura e simplesemnte. O racismo tem que ser repudiado sempre, as pessoas têm de ser amparadas, melhores oportundiades têm de ser oferecidas para que superem o círculo vicioso da miséria e suas consequências, mas esse discurso doente — não há melhor adjetivo pra ele — encampado por boa parte do movimento negro precisa ser veementemente combatido.

    1. Os egípicios tinham origem

      Os egípicios tinham origem semitica e não subssariana. Agora, me parece que algumas pessoas consideram qualquer um que não seja branco ou asiático como negro, o que não concordo, para mim negro é o de origem subssariana.

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