“O salário, pra mim, veio 11 reais”: o drama dos grevistas contra escolas abertas na pandemia

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Servidores municipais da Educação que se negaram ao trabalho presencial tiveram descontos exorbitantes no contra-cheque. Prefeitura diz que avisou

Foto: Magno Borges/Agência Mural

Jornal GGN – Emmeline*, 58 anos, é servidora da rede municipal de Educação em São Paulo. No último dia 22, ela teve uma surpresa ao consultar seu holerite. Descobriu que, no auge da pandemia de Covid-19 no País, terá de passar o mês com 11 reais líquidos. Foi este o salário pago a ela pela Prefeitura de São Paulo, que descontou dos grevistas os dias não trabalhados presencialmente nas escolas.

A greve começou em 10 de fevereiro, quando a Prefeitura determinou o retorno de profissionais de Educação às escolas, para planejamento. Na semana seguinte, os alunos estariam autorizados a frequentar as aulas presenciais em grupos menores, submetidos a rodízio, na tentativa de evitar aglomerações. Mas os educadores consideraram os protocolos sanitários insuficientes diante da infraestrutura precária de boa parte das escola públicas. E muitos aderiram à greve.

Só na escola onde trabalha Emmeline, 18 profissionais tiveram quase a totalidade do salário cortado por causa da greve. “‘Você não quis descumprir ordem? Então toma, passa aí o mês sem o seu salário para ver quem manda’. Acho que é isso o que a Prefeitura está querendo dizer. Tem gente que não aguenta dois meses sem salário, vai ter que voltar para a sala de aula”, disse ela.

O GGN teve acesso ao holerite de grevistas que receberam menos de 100 reais líquidos no mês de fevereiro. O valor é ainda menor do que o governo Bolsonaro pagará aos trabalhadores informais, a partir de abril, a título de auxílio emergencial – em média, 250 reais.

“É uma situação absurda. Tivemos o salário praticamente zerado e várias de nós já está passando por constrangimento e stress enormes. A situação é de desespero para conseguir um empréstimo do banco. Insegurança sobre apoio de um fundo de greve. As pessoas podem até adoecer por conta disso, porque ter contas para pagar e não ter de onde tirar… Eu, por exemplo, não pago aluguel, o que é um alívio, mas para quem está sofrendo esse desconto é uma situação desesperadora. Está todo mundo muito mexido, deprimido, alguns nem falam mais, cada um processa do seu jeito”, relatou Emmeline.

“O desconto veio no pior momento, no meio da pandemia, quando estes servidores públicos, por terem alguma estabilidade, são muitas vezes o suporte de vários familiares que estão desempregados”, concluiu.

Mantida a greve, o mês seguinte tende a trazer o mesmo transtorno. As escolas municipais receberam orientação da Secretaria de Educação para apontar as faltas dos grevistas à diretoria de ensino relativas a fevereiro e março.

Procurada pelo GGN, a Prefeitura de São Paulo informou ter realizado uma dezena de reuniões com os sindicatos envolvidos na greve, “a fim de escutar e buscar soluções que privilegiem as necessidades pedagógicas, sociais e psicológicas dos estudantes.” A pasta avisou aos profissionais de Educação em greve que “as faltas seriam descontadas, de acordo com a legislação. Além disso, havendo reposição e garantido o atendimento ao aluno, o pagamento é realizado.” [leia a nota completa abaixo]

Para os servidores municipais, é “inédito” o desconto salarial nesse nível por causa de uma greve. A categoria tem um histórico de paralisações na capital, mas conseguia evitar prejuízo financeiro aos mobilizados a partir de negociações com a Prefeitura e do compromisso em repôr as aulas. Desta vez, alegam não ter havido essa possibilidade, e atribuiem o motivo à chegada de Fernando Padula Novaes à Secretaria de Educação. Servidor do governo de São Paulo, Novaes teria implementado o estilo “estadual” de suprimir greves, atacando onde dói mais: o bolso do trabalhador.

Somente os grevistas que puderam contar com a “solidariedade” e alguma dose de transgressão da direção de suas escolas – que deixaram de apontar as faltas, descumprindo a ordem da Secretaria – é que não tiveram o corte na folha de pagamento. Outros tiveram descontos menores, porque abandonaram a greve mais cedo.

“VACINA PARA A EDUCAÇÃO É INSUFICIENTE” 

Na esteira das diretrizes do governo estadual, que mantém um centro de contingência para o enfrentamento à pandemia, a Prefeitura de São Paulo vinha mantendo as escolas abertas mesmo com o número de novos casos e óbitos por Covid-19 acelerando em todo o País.

Em 12 de março, quando as redes pública e privada de ensino registraram mais de 800 surtos de coronavírus nas escolas, o prefeito Bruno Covas decidiu suspender o atendimento presidencial. Os professores puderam, enfim, ficar em casa, mas a greve foi mantida para dar guarida aos profissionais do quadro de apoio, que continuaram tendo de comparecer às instituições em regime de plantão.

Na última quinta (25), o governo de São Paulo anunciou o início da vacinação contra a Covid-19 para todos os profissionais da área da Educação, com prioridade para pessoas com 47 anos ou mais, a partir de 12 de maio. Serão 350 trabalhadores nessa primeira fase da campanha.

Para os gestores públicos, isso poderia sinalizar o fim da paralisação e o retorno paulatino às escolas, já que um dos principais argumentos dos grevistas é a insegurança gerada pela falta de vacinação. Mas, da parte de alguns servidores, a trégua está longe de acontecer.

“Não acho que o anúncio muda nada na greve, é muito insuficiente para garantir a segurança na comunidade escolar. A escola não é só quem trabalha nela, é quem frequenta a escola, e aí entram as famílias. É traumatizante pensar que a gente, mesmo vacinada, pode passar o vírus para um aluno que vai levar para a família e morrer”, disse Emmeline.

Professora da rede municipal há mais de 5 anos, ela afirmou que os protocolos sanitários são “impraticáveis”. Na escola onde ela leciona, mesmo o número reduzido de 10 alunos por sala não trazia sensação de segurança. Janelas emperradas, ordem para não ligar o ventilador. Aguentar essa situação por quatro horas, todos os dias, é um martírio. Até os pais, sabendo da realidade das escolas, preferiram, em sua maioria, deixar as crianças em casa, o que passa à Emmeline a impressão de que o governo mente quando diz que as famílias querem as escolas abertas na pandemia.

Ao GGN, a Prefeitura informou que fez um investimento milionário para adaptar as escolas à realidade da pandemia, e até elaborou um programa com a participação de mães, para monitorar a devida aplicação dos protocolos sanitários.

Confira o posicionamento da prefeitura de São Paulo:

A Prefeitura de São Paulo, por meio  da Secretaria Municipal de Educação (SME), esclarece que mantém diálogo e desde janeiro, realizou dez encontros com as entidades sindicais, a fim de escutar e buscar soluções que privilegiem as necessidades pedagógicas, sociais e psicológicas dos estudantes. A pasta já informou anteriormente que as faltas seriam descontadas, de acordo com a legislação. Além disso, havendo reposição e garantido o atendimento ao aluno, o pagamento é realizado.

A SME segue as determinações da Saúde para funcionamento das unidades e antecipou o recesso escolar, que teve início no último dia 17 de março, para contribuição na redução de circulação de pessoas, devido à fase emergencial do Plano SP.  

Vale ressaltar que a retomada das aulas presenciais em 15 de fevereiro foi realizada com aval das autoridades de Saúde e seguiu todos os protocolos necessários, com atendimento presencial de até 35% nas unidades, seguindo o decreto de Nº 60.058 de 27 de janeiro de 2021.

A volta das atividades é essencial para o desenvolvimento dos estudantes e deve ser mantida para garantia da aprendizagem, desenvolvimento e saúde mental das crianças e adolescentes.  

Para o retorno às aulas, a pasta investiu R$ 274 milhões na reforma de 552 escolas. Além disso, R$ 297 milhões foram distribuídos para as escolas através do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF), para que as unidades realizassem adaptações para o retorno das aulas presenciais. Também foram adquiridos 760 mil kits de higiene (sabonete líquido, copo e nécessaire), 2,4 milhões de máscaras de tecido, 6,2 mil termômetros digitais e 75 mil protetores faciais que serão destinados a alunos e servidores, com investimento total de cerca de R$ 20 milhões.  

No início de março, iniciou o trabalho das “Mães Guardiãs” nas escolas da rede. Elas auxiliam no cumprimento dos protocolos sanitários e de distanciamento social nas unidades de ensino municipais e recebem um benefício de R$ 1.155,00 mensais.  

Todas as escolas contam com funcionários de limpeza terceirizados, responsáveis pela higienização dos ambientes.

* Nome fictício para preservar a identidade a pedido da fonte

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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