O Socialismo Simpatizante

Estamos sempre falando dos movimentos grandes da política, de como o PSDB passou a bandeira da social democracia para o PT, de como o liberalismo está sendo substituído pelo capitalismo de estado, de como grandes partidos precisam se refundar ou renovar, de como a religião vem ganhando espaço.

Podemos falar um pouco de micropolítica também? Sem pretensões de ser “relevante”?

Assim como a economia é o resultado de um conjunto de decisões individuais como reação a políticas governamentais, a formação de bancadas legislativas é o resultado de reações a campanhas e propagandas. Inúmeras decisões “micro” acabam influenciando.

Vou explorar um pouco o recente “namoro” entre uma pequena sigla, o PSoL, e uma pequena minoria não organizada politicamente, os LGBT. De tão pequenas as partes, os pequenos sinais, que serão apresentados a seguir, passaram quase despercebidos, até onde eu saiba, da mídia ou dos blogs políticos. Pode ser que as interações que se vê agora terminem por se revelar realmente irrelevantes. Então, talvez só valha pela curiosidade. E como explicação de meu voto, único e particular, este ano.

O beijo gay no comercial de TV da campanha de Plínio. Isto apareceu na mídia porque na época se falava de aparecer ou não beijos gays em novelas e algum repórter lembrou disso, além de alguém no partido, claro. Tratava-se de um segundinho discreto, mas houve esse pioneirismo de trazer não somente o tema (a repressão da homoafetividade) mas a imagem a campanhas políticas. O interessante é que a formação católica, muito conhecida, do então candidato a presidente não se sobrepôs ao programa do partido, o que, a partir da campanha eleitoral de 2010 só é possível para partidos pequenos ou de nicho. Plínio pôde se colocar também a favor da descriminalização do aborto na mesma ocasião.

Recentemente o mesmo vídeo causou repercussão com seu uso pelo candidato a prefeito de Joinville-SC.

Eleição de Jean Wyllys. Todo mundo sabe que Wyllys foi para o Congresso por conta da votação de Chico Alencar, suficiente para dois deputados. A votação de Wyllys foi micro, 13 ou 15 mil votos. Em entrevista na ocasião aparece ele ter sido convidado para o partido por Heloísa Helena.

Mas, dos três deputados federais eleitos pelo partido em 2010 (o terceiro é Ivan Valente),  graças à discussão sobre direitos civis LGBT terminou que Wyllys foi o mais visível na grande mídia durante estes primeiros 20 meses de legislatura. Primeiro deputado federal assumidamente LGBT, Wyllys é um dos mais votados como bom parlamentar nas pesquisas de “Congresso em Foco”.

Seus críticos gostam de falar que ele é ex-BBB. Gostam também de esquecer que ele já era professor universitário antes de sua participação nesse programa. Mas é bem possível que em 2014 consiga se reeleger com votação bem maior que em 2010.

Como o PT, apesar das ainda presentes e reconhecidas atuações de Marta Suplicy, Érika Kokay e Fátima Cleide (agora sem mandato), retirou a prioridade de questões LGBT, tornou-se fácil para o PSoL apropriar-se dessa bandeira, pelo menos no âmbito do Congresso (no seu período de senadora, Marinor Brito também se contrapôs a Bolsonaro, Magno Malta, etc.)

Programa. Programa partidário em si, como se sabe, não significa muito. O programa do PV, por exemplo, é tão bem redigido e atual como pouco perseguido. O programa do PR é um primor de teorização social-liberal, que não corresponde à atuação de seus parlamentares. Com variantes, críticas à pouca fidelidade programática podem ser aplicadas a todos os partidos. Mas, de qualquer modo, apresenta-se o item 19 da II parte (dentre 25 itens que compõem o total do programa.)

Pela livre expressão sexual. A perseguição à livre expressão sexual é uma constante que se expressa no trabalho, em locais públicos, no lazer. A repressão policial é uma constante contra lésbicas, bissexuais, gays, travestis, transexuais. A luta pelo direito a livre orientação sexual é uma luta nossa.

As mobilizações de centenas de milhares de pessoas em todo o país durante as chamadas paradas gays, com algumas marchas chegando a quase um milhão de pessoas, mostra o claro avanço da luta pelos direitos civis. Contra toda e qualquer violência e preconceito contra a orientação sexual dos GLBTS. Pelo reconhecimento da união patrimonial de pessoas do mesmo sexo e suas decorrências legais! Com estes princípios defendidos por todo o partido, os movimentos dos GLBTS construirão também o programa partidário sobre o tema.

(Eu, pessoalmente, não vejo isso de “repressão policial”. Soa um pouco panfletário e antigo. O que há, decerto, é uma atuação inadequada, insuficiente e por vezes preconceituosa quando ocorrem agressões homofóbicas, mas também não é regra geral. Em SP há até algum atendimento direcionado, como para idosos, mulheres e vítimas de preconceito racial.)

Campanha de 2012. Uma curiosidade para este momento é a primeira candidatura de militante LGBT a uma prefeitura de capital, Renan Palmeira, para João Pessoa. Com tantas capitais, tantos partidos e tantas décadas de eleições, é óbvio que é difícil imaginar que só agora haja um candidato gay, trans ou lésbica. Afinal, a atividade política é uma vocação como qualquer outra e não há razão para LGBTs não serem prefeitos como não há para não exercerem qualquer profissão. Mas a política, assim como os esportes, ainda é um ambiente onde predomina o “don’t ask don’t tell” e essa prática é contrária a qualquer autoestima e, às vezes, até a posicionamentos públicos adequados em relação a questões LGBT. Vale, portanto, o simbolismo da transparência.

O PSoL não passa muito de “traço”, em geral. Até há episódios de maior votação, em cidades como Belém, Fortaleza, Maceió, Rio de Janeiro, mas em SP não elegeu vereador em 2008 (versus 2 no Rio.) Para a capital de SP são necessários cerca de 120 mil votos (Giannazi fala em 150 mil na campanha), e em 2008 o PSoL ficou por volta de 70 mil e o mais votado em torno de 15 mil. Precisa pelo menos dobrar sua votação para fazer um primeiro vereador. (Obs.: são estimados em 300 mil os eleitores LGBT na cidade de SP, mas quantos estariam propensos a votar no PSoL?)

A curiosidade é que há 9 ou 10 candidatos LGBT a vereador em SP  (conforme levantamento recente que no grupo de facebook “Todos contra a homofobia, lesbofobia e transfobia”) na soma de todos os partidos. Mas 4, quase metade, portanto, são do PSoL. Isto é peculiar, porque, até onde se sabe, não há um maior pendor de LGBTs para programas de “esquerda”. Na ausência de questões LGBT em pauta, os eleitores do meio (especulo eu) acompanham os interesses de suas famílias, seus interesses de classe, de acordo com a conscientização política que receberam, etc. Assim, Léo Áquila já foi candidato pelo PTB, Serginho (do BBB) agora é candidato pelo PSDB. E Salete Campari pelo PT. Fora do círculo de celebridades temos Marcos Fernandes, pelo PSDB. [Clodovil se elegeu em 2006 deputado federal por um partido cristão (não lembro a sigla), mas ele declaradamente se afastou de qualquer militância LGBT, então, para efeitos práticos, não cabe na discussão aqui.]

Ocorre que candidatos LGBT de qualquer partido, mais cedo ou mais tarde acabam constrangidos a seguir as definições partidárias. Pode haver conflito de interesses em algumas ocasiões e uma legenda declaradamente simpatizante resolve isso. Afinal, qual a lógica de candidatos transgêneros, no RJ e no PA, pelo PP, partido que oficialmente é contrário ao casamento igualitário e mantém Bolsonaro sob sua guarida?

Mas, e como fica o eventual conflito de interesses se um candidato LGBT é conservador (em economia, por exemplo) e se elegeu pelo PSoL? Por lógica pode acontecer isso (o conflito interno, pois qualquer candidato precisa aceitar o restante do programa dos partidos.) Aqui cabe a questão da prioridade : para o momento atual, em que há dificuldade de se avançar nos direitos civis igualitários, obter cidadania plena precede qualquer discussão ideológica. Eleitores podem pensar isso com muito maior facilidade, até porque não há vinculação partidária no voto, podem votar em quem quiserem pra prefeito e em legislativo de matiz político diferente.

Em relação ao quanto a postura simpatizante do PSoL é percebida pela população LGBT não há a menor informação. Até hoje pesquisas eleitorais não perguntam preferência por orientação sexual, talvez até por que é tão grande o preconceito na sociedade que entrevistados podem querer omitir essa informação (assim como omitem ao IBGE a condição de coabitação homoafetiva, ou alguém acredita que só existam 60 mil casais LGBT no Brasil?)

A importância de um vereador. Percentual significativo dos candidatos LGBT em apenas um partido provavelmente não é coincidência. Pode haver uma atração não necessariamente intencional mas conveniente para as partes PSoL e militantes LGBTs, pelo menos nesta eleição. Se isto ajudará o PSoL a fazer seu primeiro vereador não se sabe, Giannazi não usa a questão na campanha (embora tenha sido dos poucos candidatos a prefeito a não fugir de ser visto na Parada Gay deste ano.)

Um vereador de oposição não tem como fazer muito em uma câmara municipal, mas revela-se útil a sua presença. Discursos de representantes isolados, se bem articulados e enfáticos, podem desmobilizar iniciativas fundamentalistas. Às vezes são a única voz que se manifesta para que assuntos cheguem à imprensa antes que fiquem aprovados “na surdina”. E questões se colocam em nível municipal, como orientação antipreconceito em escolas, treinamento de funcionalismo para algumas situações, defesa da Parada Gay (sempre há algum vereador da bancada evangélica questionando…), etc.

Independentemente de convicção política, um vereador do PSoL, que provavelmente não será LGBT (vaga, se houver, irá evidentemente para o mais votado, que quase sempre é um hétero), é quase garantia de uma voz simpatizante à obtenção de direitos civis igualitários.

Por pouco que seja, no cenário desértico e desolador da política brasileira para LGBTs e seus simpatizantes, pode ser muito.

Redação

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