Os 50 anos da dinastia Kennedy e Jango

Coluna Econômica

Ontem completaram 50 anos da posse de John Kennedy na presidência dos Estados Unidos.

Só os mais velhos podem ter uma ideia do que representou sua eleição para a imagem norte-americana no mundo. Um jovem presidente, herói de guerra, casado com uma belíssima primeira dama e tendo um discurso liberal – ofuscado pela guerra do Vietnã.

Muito pouco estudado são as relações de Kennedy com o Brasil.

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KennKennedy trouxe os democratas de volta ao poder. E também um bom relacionamento com o Brasil, através de duas pontes com o país: uma, o ex-embaixador Walther Moreira Salles; outra Israel Kablin, empresário carioca que se tornara muito amigo de Adolfo Berle Jr.

Berle Jr fez parte de uma geração excepcional de intelectuais que ajudaram a montar o New Deal, de Franklin Delano Roosevelt.

Na época, ainda predominava o clima de guerra fria, a polarização entre EUA e URSS. Berle Jr defendia a tese de que a melhor estratégia contra o comunismo seria o desenvolvimento modernizante na América Latina.

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E aí entra algo pouco relatado na história do país: as afinidades entre o presidente brasileiro João Goulart e o grupo Kennedy.

Jango dedicava Kennedy uma admiração juvenil tão intensa que, quando solicitou um encontro com o colega americano, deixou de cabelo em pé seu Ministro da Fazenda Walther Moreira Salles, e o embaixador brasileiro em Washington, Roberto Campos. Ambos tinham receio de que o encontro com Kennedy acirrasse ainda mais as tendências populistas de Jango.

Por prevenção, Campos seguiu na frente da comitiva e encontrou-se com Mike Mansfield, líder democrata no Senado e seu amigo desde a primeira embaixada. Na inauguração de Brasília, JK o incumbira de convidar o senador Mansfield. Em outros momentos, Walther o hospedara em sua casa, assim como a sua mulher e filha. Tornara-se amigo de toda a família.

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Essa intimidade permitiu-lhe falar francamente com Mansfield. Fê-lo entender que Jango demonstrava tendências populistas que às vezes atrapalhavam a gestão da economia. O governo já enfrentava dificuldades com a expansão de crédito do Banco do Brasil. Se Jango enveredasse pelo populismo, não haveria a menor possibilidade de cumprir as metas acertadas com o FMI.

Mansfield acalmou-o:

– Eu arranjo para você falar amanhã com Kennedy.

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O embaixador conhecia Kennedy desde seus tempos no Senado. Além disso, era amigo dos pais de Jackie, a primeira dama. Conhecera a mãe e o padrasto Hugh D. Auchincloss, Jr., um aristocrata americano, filhos de um dos fundadores da Standard Oil, numa viagem de turismo a Nova Delhi, quando ainda era diretor da Sumoc.

No encontro com Kennedy, o embaixador externou suas preocupaçõesão. Dias depois, Jango chegou com a comitiva. Com ele vinham San Tiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores, e Herbert Levy, líder da minoria na Câmara. Walther foi aguardá-los no aeroporto. A entrevista com Kennedy seria no dia seguinte, às 10 da manhã.

Na audiência, Kennedy ficou de frente a Jango. À sua direita, o Secretário Dillon e o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon. À esquerda, Dean Rusk. À direita de Jango, San Tiago. À esquerda, Walther e Campos.

As palavras de Kennedy

Kennedy começou a falar tendo à sua frente um pedaço de papel.

– No ano passado o Ministro Moreira Salles esteve por aqui em missão. Assinamos acordo de renegociação da dívida muito interessante. Mas que interessou sobretudo aos banqueiros e industriais do Brasil e dos Estados Unidos. Hoje gostaria de conversar sobre o que interessa aos trabalhadores. Walther e Campos entreolharam-se. Jango não falava inglês.

A resposta de Walther

Num momento de reflexo, Walther solicitou a Jango a possibilidade de responder em seu nome. Jango aquiesceu.

– Presidente Kennedy, o presidente Goulart me autorizou a responder em seu nome. Quero agradecer as boas vindas e também dizer que ele ficou muito satisfeito em lembrar os acordos assinados no ano passado. Esses acordos foram muito úteis não só para os banqueiros como também para os trabalhadores.

O papel de Goodwin

Saíram de lá e foram para o almoço. Kennedy abriu a porta e quando Walther passou bateu-lhe no ombro: “Bom trabalho”, lhe disse. Na ante-sala estava Dick Goodwin, responsável pela Aliança para o Progresso, e possível inspirador da fala de Kennedy. Walther o havia conhecido quando ele veio com Dillon para a reunião de Punta Del Este. De fato, ele é que havia encaminhado o papel para Kennedy.

As conseqüências

Walther abordou-o:

– Porque você deu aquele papel para seu presidente?

– Porque este deve ser o pensamento que deve ordenar nossas relações.

Jango nunca soube o que Kennedy lhe dissera. E alguém do grupo seria besta de contar-lhe? Nem por isso, o populismo deixou de tomar conta do governo. Principalmente depois que manobras do Congresso derrubaram o gabinete Tancredo, a última muralha que segurava o golpe militar.

Os anos seguintes

Kennedy foi assassinado em 22 de novembro de 1963. Àquela altura Jango tinha derrubado o parlamentarismo, assumido como presidente de um presidencialismo amplo. Mas, apesar da presença de figuras racionais no seu governo, como Celso Furtado, cada vez mais foi se perdendo em concessões políticas, enquanto uma pesada campanha de mídia, mais movimentações da Igreja, criavam um clima de golpe em todo país.

O fim do regime

Em março do ano seguinte, sobreveio o golpe militar. Na verdade, era o golpe que se tentou aplicar em Getúlio Vargas, e foi abortado por seu suicídio. Depois, tentou-se na posse de JK e foi impedido pelo Marechal Henrique Lott. Com Jango, encontrou o campo propício. Não se tratava de nenhum golpista, nem de agitador. Era apenas um político medíocre, incapaz de levar adiante a bandeira trabalhista de Vargas. 

Luis Nassif

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